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Os maiores especialistas no tema publicaram em maio a obra mais completa sobre a escravidão no Brasil. A vastíssima produção se intitula, talvez equivocadamente, Dicionário da Escravidão e Liberdade. Não se trata, em absoluto, de um dicionário. A despeito da corruptela semântica, a obra supera todas as outras em profundidade, ajudando a explicar o racismo e tamanho abismo econômico-social entre as brancos e pretos no nosso país.

A obra é dividida em verbetes, distribuídos em ordem alfabética. A antropóloga Lilia Moritz Schwarcz, que assina como organizadora e coautora, destina os primeiros verbetes para a descrição da magnitude da escravidão em números. Os textos finais remetem ao legado desse triste passado. Parte das informações do artigo foi retirada da fala da autora ao podcast “ Ilustríssima Conversa”, do jornal Folha de São Paulo.

O trabalho com os muitos estudiosos foi facilitado pela enorme quantidade de documentos que o Brasil possui e que resgatam esse passado maculado da nossa história.

Segundo Lilia, a escravidão adquiriu um vulto sem precedentes a ponto de que não eram somente os grandes proprietários que tinham escravos. A escravidão englobava mesmo escravos ou alforriados, que tinham também escravos. Foram 12 milhões de escravos que saíram da África. Destes, nada menos do que quatro milhões vieram para o Brasil. Outros dados apontam que 46% dos africanos que saiam de seu continente vinham ao nosso país através de trinta e seis mil viagens. Aos viajantes o Brasil era uma grande África. Muitas eram as cidades negras, como Salvador. Havia mesmo bairros com o nome de Pequena África. O vulto da escravidão pode ser mensurado em duas particularidades: todos os estados brasileiros tiveram escravos e a ex colônia foi a última no mundo a abolir a escravidão. Entre 1500 e 1850, de cada cem desembarcados no país, oitenta e cinco eram escravos. A causa de tamanho empreendimento se explica também na obra de Gilberto Freyre, que descreve a escassa população portuguesa apta a colonizar tamanho território no século XVI como causa de tamanho uso de mão de obra escrava.

Sobre a docilidade com que é vista por Gilberto Freyre aqui a relação entre as raças, Lilia ainda aponta que os escravos do campo no Brasil viviam cinco a dez anos a menos do que os escravos norte americanos.

Segundo a autora a escravidão ajudou a moldar a nossa sociedade, afetando conceitos sobre a patronagem e a forma de se entender o trabalho, visto de forma negativa no passado, porque em certos lugares somente os escravos trabalhavam. A escravidão penetrou nos espaços, tanto na agricultura como em território urbano. Nas cidades existiam os escravos de porta adentro, como amas de leite, meninos de recado, escravos de ganho dentre outros.

Diferentemente do que ocorreu nos Estados Unidos, quando os pretos se tornaram livres em nosso território não receberam nenhum bem ou recurso para subsistir. Andre Rebouças sonhava com a abolição amparada numa reforma agrária e na educação para todos. A lei abolicionista foi conservadora e favoreceu aos senhores de engenho e do café, que não se responsabilizaram pelo mau que fizeram a população negra. A forma displicente como todo o processo se deu casa com conceitos vigentes no século XIX, como a ideia de que o embranquecimento da população seria bom para o país. Somente no governo Vargas foi descriminalizada a capoeira e o candomblé e muito mais tarde foi defendida por todos os setores uma igualdade entre as populações através de políticas de inclusão como a de cotas. O jovem negro hoje tem 2,5 vezes mais chance de ser assassinado do que o jovem branco. Esses números aumentam no Nordeste. No mercado de trabalho os negros recebem ainda menos do que os brancos. A autora refere que, por essa recusa em aceitar a magnitude do problema, “ nós estamos matando uma geração de negros no Brasil”

A obra, enfim, não é apenas muito rica, mas também um marco no resgate do passado e na reflexão sobre o futuro, que é construído por todos nós.

NOTA

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