O “JE” bateu um papo com o empresário Celso Athayde criador da Central Única das Favelas (Cufa), uma das maiores e mais conhecidas ONGs do país. Presidente da Favela Holding, ele escreveu o livro “Um País Chamado Favela” e idealizou a Frente Favela Brasil (FFB), partido político que tem como missão incluir negros(as) e a favela no cenário político do Brasil.
Qual seu nome e ramo de atividade?
Celso Athayde: Celso Athayde. Vários – Sou CEO de uma Holding de 21 empresas
Como empreender em tempo de crise?
Celso Athayde: É desafiador. No nosso caso os parâmetros são outros, nossa experiência com negócios nas favelas ou sociais se dá de maneira bem distinta ao meu ver. Só para se ter um exemplo, uma das nossas empresas, a Favela Vai voando que é uma empresa de venda de passagens aéreas deve crescer 70% esse ano enquanto o mercado deve crescer 4%. Isso demonstra que esse território é virgem e está em pleno crescimento ainda.
Quais os maiores desafios no ramo que atua?
Celso Athayde: Acho que são muitos desafios desconhecidos. Penso que o maior deles é sistematizar esses desafios para poder olhar de frente pra eles. Mas sendo prático, um deles é convencer os empresários que eles não podem ser predadores. Que precisam ser sócios dos empreendedores das favelas, pois essa é a forma racional de ter um negócio sustentável. Mas penso que o principal desafio é qualificar toda a cadeia dos empreendedores das favelas para que tenhamos os melhores serviços a disposição do território.
O que te realiza?
Celso Athayde: compartilhar oportunidades e riqueza. Não vamos viver em paz se a igualdade de oportunidades não existir para todos.
Como e por que do Frente Favela Brasil?
íCelso Athayde: Não tenho interesse em participar de nenhum processo político formal. Sempre votei e sempre tive orgulho de exercer minha cidadania, mas sempre me frustrei por não votar num partido que tivesse compromisso com a favela e com os negros. Isso sempre foi um sonho distante, mais que isso, um sonho impossível. Em 2015 resolvemos transformar esse sonho em realidade e começamos a operar. No dia 30 de agosto solicitaremos o Registro no TSE e em setembro vamos iniciar a campanha de assinaturas. Mas o importante é que os negros estão contribuindo com várias partido. Seja na esquerda ou na direita. Posso citar dois exemplos: Tucanafro (PSDB ) e PMDB afro . Se podemos contribuir com muitos projetos e partidos, por que não ter o nosso?
O que difere de outros partidos?
Celso Athayde: Existem muitas diferenças, e para ter certeza é bom entrar no site www.frentefavelabrasil.org.br . Na frente 50% dos candidatos terão idade entre 18 e 25 anos e as mulheres serão metade dos candidatos, todos serão voluntários. Simplesmente porque entendemos que a atividade parlamentar deve ser voluntária. Daí os eleitos irão reverter 40% dos vencimentos e doarão para 60% para um fundo. Esse fundo fará um edital no mês de dezembro e viabilizará projetos sociais nas favelas, projetos que não sejam ligados ao partido. Essa é uma maneira de devolver esses recursos para a sociedade.
Você disse num evento na ONU que deseja “colocar a favela no foco da discussão”. Comente.
Celso Athayde: Naquele momento eu estava usando o maior microfone do mundo, falando para mais de 180 países. Era uma maneira de debater a favela sobre o olhar do que ela produz e não da reparação que também é importante. Queria e é o que tenho feito. Mostrar a favela como alternativa, como espaço de decência e potência não como sinónimo de carência.
Como surgiu a iniciativa, a ideia de criar a CUFA e como é sua atuação no Brasil?
Celso Athayde: A CUFA foi minha primeira ação concreta. Uma ruptura no movimento Hip Hop. O Movimento falava de quatro elementos e eu queria mais que isso. Queria mostrar que somos a somas de muitas coisas. Que podemos sair do discurso e construir riquezas para nosso país, nossos filhos e profissionalizar o próprio movimento. Acho que a trajetória da CUFA conta todo o resto da história. Com eventos de grande porte, com consistência e longevidade. A CUFA é a maior organização de Hip Hop do Mundo com sede em 412 cidades, nos 27 estados no Brasil e 17 países. Nunca existirá nada igual.
Como avalia a atuação da CUFA atualmente?
Celso Athayde: Eu acabo de me afastar da CUFA. Ela está fazendo 20 anos de vida e sua atuação segue em muitas faces, em muitos lugares e sobretudo gerando muita formação. O que justifica o prêmio Darcy Ribeiro que recebemos ano passado pela quantidade de pessoas que formamos. A CUFA é uma potência que vai mudar seu foco para os próximos 20 anos. Ela vai repassar a gestão das suas bases para os seus membros e vai ficar somente com uma sede em cada país. Criar mais sedes é fazer mais do mesmo. Queremos que as sedes sejam abertas se for necessário, mas queremos formar líderes para que eles façam isso.
O que foi o projeto FAVELA +?
Celso Athayde: Quando criei a holding uma das ações foi pensar ações para empresas e como as empresas poderiam se comunicar com as favelas. Então criamos para o Sebrae um projeto nacional para que os empreendedores tivessem + oportunidades , + recursos, + conhecimento, + credito, + formação + tudo .
O que ainda há para ser feito, em linhas gerais,
que caminho trilhar para chegarmos a soluções
pacíficas no relacionamento polícia x “favela”?
É importante acreditar que vamos viver dias melhores, mas não é o que parece quando olhamos os números no Brasil e no mundo. As tensões só aumentam e a desigualdade também. O crime só se consolida e a corrupção só ganha escola. Isso significa dizer que ficamos mais longe das soluções para a relação favela = polícia. É exatamente ali onde todos os problemas encontram os meios mais adequados para explodir. Eu poderia dizer que o que precisa ser feito é investir na educação dos policias, melhores salários pra eles, atividades para os jovens das favelas e tantas outras coisas. Mas na prática o pior estar por vir. Se as favelas não se organizarem agora para dividir a riqueza que o Brasil gera, a favela vai acabar produzindo é mais violência e o Brasil vai acabar tendo que dividir essas consequências junto.
Qual o papel da arte e do esporte no fomento da paz?
Celso Athayde: a arte é conhecimento, é fruto de educação, é resultado de treinamento psicológico. Portanto vai ser sempre positivo para a cultura da paz e do equilíbrio. A cultura e a arte, assim como o foco no esperto é fundamental nas relações sociais.
“Precisamos de uma utopia para viver”?
Celso Athayde: Nós precisamos viver, seja com ou sem utopia. Navegar é preciso, viver é imprescindível
Como nasce sua relação com o Hip Hop e como ele pode mudar vidas?
Celso Athayde: O Hip Hop pode mudar as vidas para o Bem e para o Mal. Conheci o Hip Hop através do baile charme que faço em Madureira até hoje. Trabalhei com os racionais por anos, com Gizza, Bill e outros parceiros. Existe uma distância grande entre o que se prega e o que se faz. Quando as pessoas acreditam na revolução que você prega, elas mergulham suas vidas na sua música ou na sua crença. E se tudo que você faz for um blefe, você simplesmente pode levar toda uma geração para o abismo. O Hip Hop precisa salvar vidas, mostrar caminhos, produzir exemplos de sucesso fora dos palcos, não apenas pregar aquilo que nem mesmo que está falando acredita. Na minha opinião o movimento reproduziu ignorância em escola por muito anos e por isso produzimos vendedores ambulantes e não doutores. Não estou dizendo que ser camelô seja vergonhoso, claro que não. Estou dizendo que não demos alternativas para os jovens do Hip Hop. Não falo da exceção, falo da regra.
O Brasil é um país miscigenado, mas que ainda é racista e classista. Como o empreendedor negro e o jovem estudante lidam com este tema ao mesmo tempo que buscam seu espaço no mercado?
Celso Athayde: O racismo se manifesta de muitas maneiras e está enraizado em cada um de nós. Ele é tão complexo que todas as pessoas que falam sobre ele estão certas e também erradas. Somos a soma de muitas diferenças. O fato é que a pouco tempo o racismo era política oficial de governo, por tanto é natural que seja tão absurdamente complexo. Ser empreendedor é um grande desafio, ser empreendedor negro é maior ainda e ser um empreendedor negro com giro na casa de milhões é quase um milagre. Mas existem vários, não vemos essas figuras com facilidade, mas existem e o nosso desafio é juntar esses pretos para ajudarem e construir oportunidades para seus pares, exatamente como fazem outras etnias.
O que é a Holding Favela?
Celso Athayde: Favela Holding é um grupo de 21 empresas de favelas com CNPJ específicos, operando em seguimentos distintos. Como Live marketing, distribuição, Esporte, outdoor comunitário, agências de viagens, etc.
Cufa Card?
Celso Athayde: É um cartão de crédito pensando e customizado para a realidade da favela. Existem 60 motivos para um favelado ter esse cartão e não consigo falar todos aqui. Mas o site pode ajudar a quem quer adquirir, revender e conhecer
O que pensa sobre a intervenção militar no RJ?
Celso Athayde: Essa questão pode ser vista por muitos ângulos. Mas vou falar apenas quatro:
- Não há nenhuma intervenção no Rio, o que houve foi uma tentativa de desviar o foco. Mas intervenção não há, nem de muito longe. O que existe é a presença de alguns militares e isso sempre existiu com mais força.
- A população deseja e clama por qualquer ação que ajudem a tirá-la desse caos absurdo que ela vive. Não importa se o nome é intervenção ou convulsão. Se há chance eles viver sem essa guerra ela vai apostar sempre.
- O governador e o secretário de segurança jogaram a toalha e disseram que não tem condições de fazer a gestão de segurança do estado , logo não há muito o que discutir. Se achamos que o governador está ou não mancomunado com o Temer ou não é um debate, mas o fato é que essa decisão do estado não permite outra alternativa.
- Por fim , ainda que todos esses fatos façam sentido , o fato é que a pseudo intervenção se fez de maneira obscura , sorrateira , sem debate , a ponto do próprio general que comandaria a missão não saber nada a respeito . Por tanto me parece se tratar de uma ação de marketing. Mas o fato é que o Rio precisa de muitas intervenções sim, inclusive na área de segurança .
Será possível o Partido Frente Favela disputar as eleições de outubro? É que até o momento ele não conseguiu as assinaturas suficientes para o registro no Tribunal Superior Eleitoral.
Celso Athayde: Vamos participar das Eleições de 2018 com 83 candidatos em todo o Brasil por nove partidos. É a forma que encontramos de não ficar de fora desse momento importante da virada da política no Brasil.
Sobre o pleito de 2018 falamos com um dos voluntários do Frente, Deco, que nos adiantou: “Diante do pouco tempo para a coleta de assinaturas a Frente Favela Brasil resolveu fazer parte das eleições de 2018 permitindo que cada filiado favelista possa escolher uma legenda (de forma pessoal) e se lançar candidato por partidos sugeridos pela coordenação nacional. O Frente tem como princípio a linha de valores pela luta dos direitos humanos, melhores condições do povo preto(a) e da favela.
È importante frisar que o FFB tem como objetivo dar oportunidade a uma parcela da população que mesmo sendo maioria (54%) sempre foi renegada a segundo plano na política. E por isso o Frente Favela se torna a alternativa política para que o povo da favela, preto(a) e vulnerável possam ter voz, serem visíveis e participarem da política nacional.
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