Por Thiago Alexandre
Quem vive ou já viveu na periferia sabe que ela tem suas particularidades e seus personagens. Moro na periferia há 29 anos, já vi muitas coisas e uma diversidade enorme de pessoas e histórias.
Observamos na periferia uma variedade cultural muito grande, uma mistura de sotaques. Alguém um dia já teve a oportunidade de experimentar uma comidinha baiana na casa de uma vizinha, tomar aquela cachacinha mineira que o colega tem em casa e também de ter contato com outras iguarias vindas de praticamente todas as partes do Brasil. Ou um grupo de senhores sentados na praça jogando dominó e conversa fora, aquela vizinha fofoqueira que passa o dia a vigiar a rua à espera de descobrir novos fatos sobre a vida de todos, aquele vizinho chato que não gosta que a molecada jogue bola no seu portão (esse era o portão que a molecada mais gostava de acertar a bola só para ver o velho bravo), o faz tudo, que por R$ 10 se torna perito em elétrica, hidráulica, pintura, telecomunicações, jardinagem, faz serviços de busca, entrega e o que ele não sabe ele aprende ou inventa um jeito de fazer.
Essa diversidade cultural é que torna a periferia um lugar único e com personagens únicos. Por mais que às vezes a sociedade pense ao contrário, a grande maioria das pessoas que moram na periferia é composta por pessoas de bem e trabalhadoras. Prova disso são os mercadinhos e bares que ainda abrem contas para seus clientes usando a boa e velha cadernetinha. Quem nunca ouviu da mãe a frase “Menino (a), vai à venda, me traga uma dúzia de ovos e peça para o seu Zé marca na caderneta”.
Aproveitando que entramos no assunto, bares e salões de cabeleireiros (tanto para as mulheres quanto os para homens) são os lugares onde podemos nos atualizar sobre os eventos do bairro. Ficamos sabendo quem foi preso, quem foi solto, quem é o “corno da vez”, e grandes amizades são feitas em bares, com muita conversa jogada fora. Tomar aquela cerveja gelado e comer sua comida típica como ovo rosa, torresmo e aquela generosa porção de amendoim, aquele bom carteado (onde muitos deixavam parte do salário por sinal), aquele ambiente gostoso para ver um jogo de futebol e tirar sarro do amigo que torce pelo time rival quando o seu ganha, mesmo que sempre tenha aquele bêbado chato que toma sua pinga ou seu velho com limão, adora abraçar e apertar a mão de todos e falar bem próximo do seu rosto com aquele maravilhoso hálito de etanol.
Vimos sempre nos noticiários eles mostrarem sempre o pior lado da periferia e não o que a periferia tem de melhor, que é seu povo. Um povo que mesmo não tendo muito está sempre disposto a ajudar ao próximo, que espera dar meia-noite no Natal e Ano Novo para ir até o vizinho e desejar tudo de bom, que aguarda ansioso o fim de semana chegar para sentar no bar da esquina e jogar conversa fora com os amigos, para ir ao campo da vila bater aquela bola ou simplesmente ver os jogos, que em grande parte são mais empolgantes do que os da elite do nosso futebol.
A periferia é um lugar lindo e acolhedor para se morar, com seus morros e suas vielas, seus campos e seus bares, sua arquitetura (que, diga-se de passagem, é única), e seus personagens inusitados.
Admito que a periferia tenha muitos problemas ainda e muito que melhorar, mas não troco esse lugar por nenhum bairro chique e cheio de frescura. Adoro o fato de andar pela rua cumprimentando amigos e conhecidos.
Como cantou Arlindo Cruz:
“Favela, ô… Favela que me viu nascer… Eu abro o meu peito e canto o amor por você.”