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What a wonderful world: África, Africanos e Negritude – África, Africanos e Negritude

O bobo da corte é uma personagem conhecida pela sua “tolice”. Entre a apontada (e aparente) falta de inteligência e a liberdade (condicionada) de dizer o que lhe aprouvesse, fazer rir, entreter a corte era a sua missão. Muitos são os livros e filmes que os retratam e todos os leitores já terão lido e visto imagens em que os bobos são apupados e agredidos, como se tudo fizesse parte da encenação. Posto que o bobo era uma personagem, há um mundo por conhecer, detrás da personagem, que se não nos inquieta e/ou seduz, importa adentrar.

O que impede de dizer a verdade, rindo?
Horácio

Trazê-lo à liça emerge como fio condutor de uma interrogação para a qual se busca, mais do que respostas, interpelar e compreender as diferentes formas que os negros uilizaram e, pasme-se!, ainda hoje recorrem para sobreviverem, para serem aceites, mascarando o sofrimento, a revolta, a violência. Quantas vezes, com uma fina ironia. E o recurso para essa subversão a que a necessidade de extravar obrigou, para essa ironia, pode encontrar-se na figura do bobo. E no teatro, na teatralização, na pantomima. Quando se lê ou vê, nos chamados filmes de época, as personagens brancas dizerem que os negros não são confiáveis!, sendo que os seus detratores diziam-no, não poucas vezes, depois de actos bárbaros perpretados contra os mesmos, contra os seus servos, criados, “seus escravos”, porque entretanto estes terão sorrido, terão dito “sim senhor/a”, é a resistência à subjugação que vem ao de cima, é a necessária metamorfose que anima o sonho, a (fugaz) ideia de liberdade que, ao longo do tempo, foi florescendo na aridez da raiva, do desespero e da desesperança.

A cabana do pai Tomás, E tudo o vento levou, Adivinha quem vem jantar e, mais recentemente, Django libertado, são alguns exemplos de livro e filmes clássicos onde o horror da escravatura e do racismo têm como personagens o negro domesticado versus o branco, o patrão bom. Têm, igualmente, como não podia deixar de ser, a alienação das mentes tão bem descrita por Ngugi wa Thiong´o, como epítome da servidão comparável ao “síndrome de estocolmo”. Quando a força, o poder, que o “senhor” consubstancia e representa, consegue fazer-se amado (ou não odiado) de tal modo que o dominado dele dependa e sinta que sem ele não há presente nem futuro, significa que a escravatura, a colonização, o racismo são senhores absolutos não somente dos corpos, que Ta-Nehisi Coates tão bem descreve, mas particularmente das mentes dos subjugados.

Mas e o espírito, e as almas, onde ficam? Estes são os que restam e, a estes, pergunta-se: como sobreviver a um quotidiano de medo, sem futuro, sem esperança, em que a máscara de Fanon acaba por ser a única saída? Como agarrar-se à desesperança para, a partir dela, construir uma vida (para além da religião, uma reflexão para um eventual futuro texto)? Se o recurso para o desabafo da dor na América do Norte pode ser encontrado nos blues, no jazz, no gospel, que entretanto galgaram fronteiras, onde quer que tenha havido ou haja sofrimento, dor, houve e há metamorfose, há sarcasmo, há escárnio… E houve e há riso, há gargalhada. Libertadores!

Era e é o riso, o riso escancarado de Louis Armstrong, a gargalhada, a gargalhada feroz que alberga a tristeza… “Rir é o melhor remédio”, “o riso liberta”, estes alguns dos porventura mais populares e conhecidos “ditos” sobre o riso, que a dentadura alva de Armstrong escancara. E que parece esconder um (sub)mundo de sofrimento, de mágoa, de melancolia, de tristeza. Ainda que a canção “what a wonderful world” cante a natureza, o amor, nos faça evocar momentos de felicidade, pode entrever-se nesgas de melancolia e de tristeza na música e na portentosa voz de Armstrong.

Era e é a estereotipização construída e disseminada em torno dos negros (Tarzan será um dos personagens emblemáticos dessa estereotipização, dessa tentativa de anulação do negro) que fazem com que o temor, o medo, continuem a habitar e a corroer os negros no mundo, muito particularmente os que vivem, habitam, circulam fora do continente berço. Era e é o sentimento de ser e simultaneamente não ser – ser primitivo, amputado e, por isso, não ser humano –, é a humilhação como bem refere Albert Memmi, a desumanização dos negros que fazem com que ele/a se sinta um alvo a abater, um ser “não-sido” cujas acções carecem de permanente confirmação dos (ainda) donos do mundo. É em estado de alerta que viveu e continua a viver o negro, e é chorando, rindo e gargalhando que se vai libertando.

Se o poeta angolano, com quem tive a oportunidade de conviver, António Cardoso, diz no seu poema É inútil chorar porque “se choramos aceitamos, é preciso não aceitar”, em O choro de África, de Agostinho Neto, pode ler-se “(…) nos sorrisos choro de África// sempre o choro mesmo na vossa alegria imortal (…)”. No poema de Neto, os sentimentos e as emoções cruzam-se com a razão e a forma como eles se revelam, mas também se ocultam, com a razão e a forma que os indivíduos encontram para se rebelar. É sobre o choro, a violência, a denúncia da violência contra os negros, mas também sobre resistência, que tratam os poemas de Cardoso e Neto. Frustração, revolta, dor. E resistência, sempre. Sendo possível rir, gargalhar e, ao mesmo tempo chorar, sendo inútil chorar (Cardoso) e, quando isso sucede, que se chore com os olhos secos (Neto).

Num tempo em que a reflexão, o debate, a reivindicação em torno do racismo, do pan-africanismo, da diáspora africana ganha cada vez mais espaço, pode o mundo ser maravilhoso como canta o grande Armstrong? Sim, porque no final vence a liberdade! Sim, porque a liberdade está no choro, no riso, na gargalhada que não sucumbe. Resiste.

NOTA

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