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Uma maré de resistência

São quase onze horas e se ajeita tudo para que celulares tenham bateria e​ escolhe-se entre o chinelo ou tênis para que a andança seja confortável​. Sem contar com um ​ certo ​ar de queremos ouvir vocês, povo do Rio.

Assim, as equipes dos Jornalistas Livres e Jornal Empoderado começam sua incursão rumo ao Complexo da Maré, na zona norte do Rio de Janeiro.

Falemos antes desse Rio, que continua lindo, mas carece de uma gestão mais humana e próxima do seu povo.

O carioca precisa e deve ser assistido com mais carinho.

Que a pressa do taxista seja a mesma dos que governam a cidade em busca de uma administração menos perniciosa e mais zelosa e em prol dos mais vulneráveis.

Assim como em São Paulo, a classe média se aliena dos problemas que acontecem no vizinho.

O morro é uma cidade dentro de uma cidade. Ele pulsa com outro ritmo.

Sua população desfila no compasso de apreensão, mas nunca perde a ternura. Jamais.

Antes, uma pausa para história. O Complexo da Maré é o conjunto/agrupamento de 16 favelas e conjuntos habitacionais na zona norte do Rio de Janeiro.

Estima-se que mais de 130 mil moradores ali vivem. Recebe esse nome pois no seu nascedouro foi margeada pela Baía de Guanabara.

Esse nome, “Maré”, é resquício e lembrança dos mangues que ali existiam.

As primeiras casas eram ​​palafitas e dona Orozina ​foi ​a moradora numero um da Maré.

A Maré é uma cidade dentro de uma cidade​, ​que nasce de um período colonial escravocrata e desde sempre ​conviveu com a bota dos militares nos calcanhares. Já tentaram higieniza-la, “pacifica-la” e hoje intervém militarmente na vida das pessoas. Por quê? Pois ​os ​nordestinos na sua maioria que chegavam ao Rio de Janeiro ousaram construir suas casas onde antes era um mangue e com suas palafitas ergueram um quilombo que resiste até hoje chamada: Complexo da Maré – com suas pecularidades, costumes, complexidades e​, sobretudo, ​viva.

Ou seja, apesar da opressão e dificuldades a Maré é viva. A população se acostumou com o clima tenso, mas ninguém está chorando debaixo da cama.

E a mídia velha global e seus parceiros comerciais e políticos fazem da vida de um povo já sofrido uma novela banalizada e cruel.   

Por isso, temos que estar próximos (as) das comunidades,  ver e ouvir os moradores sem o ruído da mídia hegemônica. Sem o “plim-plim” da mediocridade pasteurizada com viés de maldade.

Antes de chegar ao nosso destino, houve um erro de cálculo e precisamos entrar ​nas ruas da comunidade procurando nosso ​destino.​

O carro da equipe errou o caminho e acabou dentro do Complexo da Maré. Mas este “erro” foi bom, pois justamente por isso foi possível andar por dentro do complexo e ver sua gente e sua vida. Sim, vida.

As 16 favelas que compõem o Complexo da Maré são: Conjunto Esperança, Vila do João, Conjunto Pinheiro, Vila Pinheiro, (Parque Ecológico), Salsa e Merengue, Bento Ribeiro Dantas, Morro do Timbau, Baixa do Sapateiro, Nova Maré, Parque Maré, Nova Holanda, Parque Rubens Vaz, Parque União, Roquete Pinto, Praia de Ramos e Marcílio Dias.

Cada comunidade possui sua complexidades e regras próprias​, entendidas e absorvidas pela comunidade.

Aprende-se desde cedo que o que entrar na comunidade é tão complicado quanto sair se “tu” não respeitar as regras locais.

Pois diferentemente do que a Globo vende, existe um cotidiano pulsante nas ruas e vielas da Maré.

Sim, há o tráfico com meninos muitos jovens de bermudas e suor no rosto empunhando uma metralhadora numa esquina.

Existe o olhar que denuncia quem é de fora e acompanha cada passo dos forasteiros (as).

Mas existe o sorriso do motoboy que tira a jaqueta no quente verão carioca e diz:  “a jaqueta é para proteger da chuva. Já viu a chuva que está ali?”.

E mostra as nuvens que saem da zona oeste na direção da zona norte.

Ou as vizinhas que se reuniam na porta de uma casa e servem pão com salsicha para crianças que brincavam na viela enquanto as mães conversavam.

Assim foi mais um dia na vida de um povo que na tv sensacionalista é retratada apenas como os carentes e violentos. Usam pessoas muitas vezes simples como laboratório para novelas e programas policiais de baixa qualidade, que deturpam a realidade e expoem apenas as mazelas das favelas.

A cada rua e beco se é surpreendido (se ouve) com um “bom dia” e “boa tarde”.

Algo não costumeiro​ rumo ao ao sul, aquele espaço povoado por quem tem uma condição de vida melhor.

E para quem tem a mídia golpista como parâmetro ficarão desapontados agora: O RIO DE JANEIRO NÃO ESTÁ SITIADO OU EM ESTADO DE EMERGÊNCIA!

Clique nas imagens abaixo para ampliar

No Museu da Maré os profissionais do Jornalistas Livres e do Jornal Empoderado foram recebidos pela equipe do simpático Carlinhos, curador do museu.

O que chamou a atenção foi a qualidade da administração e a ideia do museu ser da comunidade.

Não é um espaço que afasta, mas sim que aproxima.

Tanto que confidenciou, Carlinhos: “É muito normal ver crianças brincando aqui (na casa de palafita montada para representar a casa de Dona Orozina – a primeira moradora da Maré).

Algumas fotos da visita ao Museu da Maré que aqui serão colocadas darão uma dimensão do humano, emocionante e verdadeiro trabalho feito pelo Carlinhos.

Um espaço forjado na vivência e solidariedade.

Ou nas palavras da jornalista Caru:

“O Museu da Maré é um espaço interativo de encontro com a história de ocupações. Desde Canudos, de onde vem o nome ‘favela’, até às Marés de hoje, complexo com 16 comunidades no norte da cidade do Rio de Janeiro. Ocupação do terreno, do local, da cidade, da história, da memória. Com histórias de resistências, o museu foi feito coletivamente com objetos da comunidade”.

Conversando com um moradora que chamaremos de “Patrícia”, ela  relatou seu incomodo no que toca a banalização e  espetacularização que a mídia grande convencional faz da favela.

Como são retratadas as negras cariocas (supervalorização do corpo da negra) e finaliza dizendo que sente menos medo do tráfico.

Um local que merece ser visitado na comunidade do Morro do Timbau é a CEASM (Centro de Estudos e Ações Solidárias da Maré). Este local ajuda transformar vidas pelas artes e cultura.

O atendimento é feito por gentis colaboradores (as). No CEASM, se encontram ótimos estudos de territórios que devem ser referência para muita gente que estuda complexos/comunidades.

Voltando a nossa maré. O almoço foi no bar/restaurante da Sílvia.

Que família simpática. A comida põe no chinelo muitos restaurantes da zona sul que comemos. Uma legítima Comida de favela!

O que fica da visita ao Rio de Janeiro e, em especial ao Complexo da Maré, é que somente haverá a mudança se as “falas” forem acompanhadas de ações junto ao povo. Não basta apenas falar do problema, ​deve​ também viver o problema ​

 Que parte da solução está em falar com o povo e não do povo apenas. A ideia é que quem deseja contribuir para melhorar a vida de quem está em uma situação de risco e vu​l​nerabilidade​, sai ​a da sua zona de conforto e adentre o mundo do outro(a) para fazer parte da solução. Por isso a luta precisa de todos e todas do asfalto, dos partidos políticos, dos coletivos, das midias independentes, dos negros(as), dos (as) indígenas, dos (as) Glbts, das comunidades(favelas) e das entidades sociais em geral.

Já para o governo, saiba que para cada corte em investimento público nascem duas moradias na favela (resistência).

Assim como uma Hidra de Le​rna, que na mitologia​ grega ​tem a cabeça cortada e no lugar nascia outras duas, o povo é também assim.

Se o governo lhe tira um benefício, ele junta os cacos e transforma dois barracos em seu Quilombo.

A diferença do povão para os demais é que ele resigna-se, mas não para de lutar.

E diferentemente da mitologia, não haverá um Hércules que vencerá o morro.

Ou melhor, é mais provável que o morro desça e ai já sabemos o que acontece.

E se for em forma de samba, deixe que a Paraíso do Tuiuti ou Wilson das Neves deem o ritmo dessa LUTA

(Fotos: Anderson Moraes, Caru, Katia Passos e Morena)

NOTA

Não deixe de curtir nossas mídias sociais. Fortaleça a mídia negra e periférica

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