Por Sandra Martins
Integrar a delegação afro-brasileira na Conferência Mundial das Humanidades, entre 6 e 12 de agosto de 2017, organizado pela UNESCO e pelo CIPSH (Conselho Internacional de Filosofia e Ciências Sociais), em Liège, na Bélgica, foi uma rica e importante experiência sob diversos aspectos. Em primeiro lugar, pelo ineditismo da propositura deste tema numa conferência mundial que propõe a mudança de eixo paradigmático da reflexão da existência de outros saberes, de outras humanidades, de outras perspectivas civilizatórias. Em segundo lugar, o Babalawô Ivanir dos Santos, doutorando do Programa de Pós-graduação em História Comparada da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), que construiu possibilidades para a formação de uma delegação de intelectuais afro-brasileiros e militantes negros e negras com alta qualificação acadêmica exporem suas pesquisas sobre diferentes manifestações do movimento negro e a construção de alianças multirraciais importantes. Em terceiro, a inserção da apresentação do tema Liberdade e diversidade religiosa no Brasil e seus desafios no planeta em transição na mesa dos intelectuais africanos. Este foi um dos muitos dias de vários aprendizados sobre tradições, visões de mundo, enfim, humanidades.
Tal questão tem um forte peso. Pois se todos os sinais aparentes não fossem percebidos, os externos, talvez ajudassem nas reflexões. Ao visualizarmos o entorno da Universidade de Liège encontram-se pessoas de várias nacionalidades, credos, tons de peles sendo tratadas como seres humanos e respeitadas: mulheres trajando o que professam, homens portando suas reflexões, crianças sendo respeitadas pelas tradições cultuadas por suas famílias no local em que estão. Observava-se que a província de Liège comprometera-se a ser um “laboratório”, uma incubadora e disseminadora de soluções para superar a crise que as sociedades enfrentam na atualidade: de gerar conscientização sobre os problemas culturais e ambientais, mas também fornecer as chaves para encorajar a abertura para o outro. Papel ambicioso que a província se colocou, e fez bem feito, na Conferência Mundial das Humanidades. O dr. Adama Samassekou, presidente da Conferência, ex-presidente da ICPHS, e ex-ministro da Educação da República do Mali, trabalhou durante quatro anos para concretizar este grande evento que envolveu 60 países e 1.800 intelectuais, na qual esta delegação afro-brasileira se inclui. E, que na sessão paralela Afro-Brazilians in the 21st Century: Activism, Affirmative Action and New Perspectives of Social Inclusion (Afro-brasileiros no século 21: Ativismo, Ação Afirmativa e Novas Perspectivas de Inclusão Social) fez a apresentação de suas pesquisas.
A sessão paralela, espaço conquistado pelo empenho do professor Lazare Ki-Zerbo, conselheiro do CIPSH, com a liderança de nossa delegação, ocorreu no dia 10, das 18h30 às 20, na Universidade de Liège, na sala Lumière. E a mobilização social de jornalistas afro-brasileiros foi o tema ao qual me debrucei – Pautando a pauta jornalística através de um Prêmio. A inclusão da temática racial na produção de conteúdo jornalístico nacional através do Prêmio Nacional Jornalista Abdias Nascimento. E, tratamos de alguns aspectos que concorreram para sua criação, como a própria gestão local, mas com apoio nacional.
O gestor do Prêmio Abdias Nascimento era da competência da Comissão de Jornalistas pela Igualdade Racial, órgão consultivo do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Município do Rio de Janeiro, que contou com o apoio da rede de comissões espraiada em várias entidades sindicais. Outro dado relevante deste certame foi ter servido como instrumento amplificador, de aprofundamento e qualificador do debate da questão racial no mundo da comunicação. E, permitiu a interação entre profissionais que questionam os estereótipos oitocentistas.
A escolha de seu patrono deu-se por dois motivos: o achado da ficha cadastral na entidade sindical datada de 1947 do jornalista Abdias Nascimento com registro de editor do jornal O Quilombo – órgão divulgador do Teatro Experimental do Negro (TEN), do qual fora fundador; e seu relevante histórico na luta pelos direitos humanos e no combate ao racismo. Anos depois, em 2010, após uma série de articulações, a Cojira propõe a trilogia do concurso: um somatório de experiências anteriores da resistência negra contra a opressão do dominador expressa por meio da comunicação a partir do século XIX. Mas, também como um produto do presente que aponta perspectivas para o futuro, com um jornalismo com vistas à consolidação de meios de comunicação social mais plural e igualitário.
Foram citados alguns casos de organizações negras do Rio de Janeiro que, entre as décadas de 1990 e 2000, estabeleceram parcerias com rádios comerciais e produziram quadros radiofônicos. Entre elas, o Grupo de Trabalhos André Rebouças (GTAR) – criada, em 1975, no âmbito da Universidade Federal Fluminense, que produzia a Semana de Estudos sobre a Contribuição do Negro na Formação da Sociedade Brasileira, tema de minha pesquisa.
O interesse despertado pelo conjunto das exposições demonstrou que a participação desta delegação foi exitosa, assim como os importantes contatos feitos que podem possibilitar a abertura de novas perspectivas acadêmicas no Brasil para pesquisadores afro-brasileiros.
Sandra Martins – Jornalista e Mestranda no Programa de Pós-Graduação em História Comparada da Universidade Federal do Rio de Janeiro (PPGHC/UFRJ).
Nota: AD Junior jornalista e empresário de Comunicação que mora em Hamburgo. Apoiou a delegação fazendo entrevistas para seu site e com traduções.
Fotos
Babalawô Ivanir dos Santos e Carlos AlbertoMedeiros (Pais das cotas, respeito no cenário nacional e internacional) e AD Junior(jornalista)
mesa de africanos: deferência
Babalawô Ivanir dos Santos apresentado
Uma das mesas com temática Afro.
Amadu faz fala em um das mesas Afro.
Babalawô Ivanir dos Santos
fim da conferência
mesa africanos completa