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SOBRE INSTRUMENTOS, BANDEIRAS E FESTAS

 

Santo André, 1976…

Era sábado à noite e com meus tenros seis anos de idade sentia que alguma coisa estava acontecendo na minha casa.

Minha mãe, Dona Claudete, preocupadíssima questionava a decisão de meu pai e de meu tio Bida, que estavam presentes naquela reunião, regada a vinho e berinjela de forno. Dizia minha mãe:

– Mas é uma loucura! Vai levar o menino desse tamanho pra ver jogo no estádio? Vocês dois tomam uns goles e mal cuidam de vocês mesmos!

Meu pai, homem safo, calmo, sereno e já lindamente bêbado, ria suavemente e respondia com aquela paciência que só os que são do conceito podem ter:

– Fica tranquila, mulher. Eu e seu irmão vamos levar o menino para viver a maior experiência da vida dele. Depois que ele ver o Verdão, no Parque Antártica lotado, o garoto vai ser pra sempre, muito mais feliz. E a gente nem vai ter que cuidar tanto dele. A vida fará isso por ele. Vai por mim que vai dar tudo certo…

Não posso dizer que a filosofia cachacística de meu velho convenceu minha mãe. Nas minhas memórias também sei lá se isso a tranquilizou, mas o fato foi que no domingo eu, meu pai e meu tio Bida embarcamos no Fusca azul de meu tio rumo ao Palestra Itália para assistir Palmeiras x Botafogo-SP, em um daqueles dias lindos.

De mão dada com o velho que me segurava com força, vestido de camisa 10 verde, caminhando com aquele montão de gente, eu já conseguia sentir que faria parte de algo muito grande. Paramos perto da entrada e enquanto tio Bida comprava os ingressos, meu pai me levou até um carrinho de cachorro-quente. Me comprou um e, pasmem, pagou um refrigerante, um guaraná Antarctica garrafa caçulinha! Uauuu!!! Tudo de gala!

Me recordo que na empolgação de comer o lanche, lambuzei toda minha camisa de molho, de catchup e tudo. Olhei pro velho com aquele olhar triste, meio que implorando pra não tomar bronca e aí já senti que esse lance de ir ao estádio seria muito bom. Meu velho me olhou, deu risada e falou:

– Pode tirar a camisa filho, ta calor.

E quando meu tio Bida chegou com os ingressos entrei resoluto, todo sujo e feliz da vida.

Do jogo, me lembro de um 4×0 para meu Palmeiras com Ademir da Guia jogando tudo que um sujeito poderia jogar. Mas o que me marcou profundamente naquele dia, foi a epifania de cores, de bandeiras, do espocar de fogos, de tanta gente diferente, todos ali de lado, repartindo o mesmo pedaço de concreto para dividir a alegria plena de se satisfazer por um prazer inexorável.

Não havia nada que pudesse ser mais onírico, mais dionisíaco, mais libertário para um menino de seis anos, morador da periferia do Abc Paulista, do que um coro de vozes falando em sincronia, todos os cânticos de fé por alguém que se torça.

Naquele exato momento, numa arquibancada de concreto, descobri boa parte do que é a vida…

 

São Paulo, em algum momento de 2017…

Esqueçam todo e qualquer sentido mesmo que vago de bom senso e ponderação.

Vivemos no pior Brasil possível.

Não há mais os tanques da ditadura militar para passar por cima de sonhos como havia em 1976, tampouco há a censura institucionalizada como havia nos tempos daquele primeiro sábado à tarde dos anos 70. Todavia, os horrores se atualizaram e hoje temos novas formas de prensas que oprimem o verso.

A truculência tomou a vez do pensamento e o resultado lógico que esbarrou no futebol. Afinal de contas, o esporte futebol não é uma ilha isolada de todo cosmo terrestre. Sofre influencia.

Para ficar no assunto de hoje, vejamos a resolução de momento; Alguém que um tempo atrás, decidiu que o povo não podia mais fazer festas em estádios, hoje, decidiu que agora “Vai deixar um pouquinho…”

As bandeiras e instrumentos aparentemente estão novamente liberados. Para que se proibisse, ninguém decerto foi la ouvir especialistas como Mauricio Murad, que há mais de década fala do gene da violência das torcidas uniformizadas. Afirmo aqui que nem de longe a culpa esta nas bandeiras e cuícas.

Mas tudo bem…

Recebo com alegria essa liberação, todavia não comemoro nada. É muito triste a forma como as coisas tem sido decididas no futebol, como o povo tem sido apartado de tudo. Que isso mude mesmo que minimamente, que os estudos sérios sejam considerados, que as pessoas sérias que pesquisam o assunto sejam de fato ouvidas.

Até la deixem o povo.

Quero ouvir os seus instrumentos de samba, quero ver seus rostos felizes, quero ver o tremular apenas de suas bandeiras. Jamais de seus medos.

Que no futebol, o espanto venha apenas através de encanto.

Dae então eu comemoro com vocês

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