Na mesma linha das mudanças recentemente organizadas pelo governo federal, intransigentes e buscando retrocesso dos avanços duramente conquistados pela sociedade, foi aprovada a nova Política Nacional de Saúde Mental. A medida, há anos concebida em moldes gerais pela Associação Brasileira de Psiquiatria, tem viés puramente mercadológico. Busca concentrar as ações de saúde mental nas mãos dos psiquiatras e sinaliza para a volta dos manicômios. Distancia os outros profissionais de saúde do cuidado e, o que é mais grave, precariza os Centros de Atenção Psicossocial.
De todos os retrocessos encabeçados pelo governo Temer, este é talvez um dos maiores.
A reforma vai contra todo um movimento iniciado na Itália no século passado que visava mudar radicalmente a forma de se acompanhar a pessoa com problemas de saúde mental. Vale lembrar, Foucault e tantos outros escreveram sobre isso, que as sociedades ao longo da história da humanidade procuraram sempre segregar o paciente com problemas de saúde mental. O “ louco” ( termo leigo com o qual nos acostumamos) fora sempre apartado do convívio com os outros. Muitos morreram, acusados de heresia. Outros foram lançados em barcos pelos rios da Europa ( a famosa nau dos loucos). A maioria, entretanto, era confinada em lugares insalubres, segregada, tratada com o cuidado que se dá aos animais. A realidade, antes sob a forma de celeiros e depois nos lúgubres manicômios, perpetuou-se até a nossa história recente. Filmes como “ Bicho de sete cabeças” abordaram o tema no contexto do nosso país.
Este contexto começou a mudar no início do século passado a partir de modelos como o do psiquiatra italiano Basaglia, que vislumbrava uma linha de cuidado do paciente com doença mental que agregasse humanização e inserção na sociedade. Suas experiências foram rapidamente adotadas pelos maiores centros de referência e sua concepção é hoje a mais aceita pelos teóricos. No Brasil surgiram na cidade de Santos os NAPS ( Núcleos de Atenção Psicossocial) que mais tarde inspiraram a criação dos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), existente em todas as cidades do Brasil. Em consonância com as teorias mais recentes, nosso país viu médicos, psicólogos, sanitaristas e terapeutas ocupacionais entre outros encabeçarem a bem sucedida Reforma Psiquiátrica e a luta antimanicomial, que visavam mudar radicalmente a forma como eram abordados as pessoas assistidas.
A nova Política Nacional de Saúde Mental pretende, entre outras coisas, reduzir drasticamente os investimentos em aparelhos humanizadores como os CAPS e endossar investimentos em enfermarias. É a trágica volta dos manicômios. Conseguimos, bizarramente, ir contra tudo o que se pensa em saúde mental na atualidade.
Muitos psiquiatras, psicólogos, terapeutas ocupacionais, sanitaristas e membros da sociedade organizada tem se posicionado contra o retrocesso. Cabe a todos nós, brasileiros e cidadãos, lutar por uma forma mais digna de abordar as pessoas em sofrimento mental.
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