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Qual o debate fundamental para negras e negros atualmente no Brasil?

Por que falar a respeito do negro? 

O negro como lugar social – não raça nem cultura. As categorias de raça e cultura são instrumentos políticos que dão acesso ao debate. Diferente do século XIX que as ideias racistas erroneamente afirmam que raça “determina comportamentos”.  A ênfase da situação do negro, no século XXI, está na sua classe – exclusão econômica e social. Não poder ocupar determinadas posições na sociedade, excluído por mecanismos sociais e étnicos (o negro é reconhecido em qualquer lugar). O limite da sociabilidade do negro passa pela pobreza, incômodo para a sociedade capitalista. O negro e o pobre são sinônimos.

Principal categoria do pobre no Brasil é ser negro – brancos pobres são negros. Brancos que moram em situação precária e tem empregos com baixa remuneração, comumente, são tratados como negros, transexuais pobres que vivem nas periferias brasileiras são tratados como negros, os indígenas que afirmam sua tradição são tratados como negro, assim como ribeirinhos e demais povos tradicionais.  Aquela recusa à pobreza é recusa ao negro. No Brasil, houve mudança da elite portuguesa para a italiana-alemã na metade do século XX. O racismo se adaptou de uma falsa democracia racial para uma racialização.

O movimento também se adaptou do momento de “provar que havia racismo” para outro de impor leis que tornaram o racismo inafiançável – Lei Caó (1985).

O que define os negros não é a cor da pele é a pobreza. Negro é condição de pobre. O pobre por definição é um desorganizador social, onde quer que o pobre esteja, sua condição denúncia a hierarquia e o poder vigente. O pobre é revelador. Revelando os problemas que constituem uma sociedade. Quem quer conhecer, deve conhecer pelo pobre. Na sociedade brasileira, a cor e, principalmente, o cabelo estruturam uma hierarquia de classe. O pobre desorganiza e sua desorganização traz novas possibilidades. Atualmente, o movimento deve ser mais “primitivo”. Ser “primitivo” passa pela valorização bruta do negro para dar acesso ao debate da pobreza e, consequentemente, a pergunta fundamental “qual o sentido da vida?”

O movimento negra/negro e o negro em movimento devem conscientizar-se de seu papel social único na história brasileira – a condição de produzir uma nova sociabilidade. A categoria de “raça” é, apenas, mote para darmos visibilidade aos problemas fundamentais de nossa sociedade. Entender o recalque da sociedade brasileira aos negros e negras são instrumentos para decodificar o racismo, recalque por tentar esconder o negro, mas como o negro não some, eles fazem uso de toda forma de violência moral, social, psicologica e até espiritual. Assim, o racismo não é o problema fundamental. O fundamental é “qual o sentido da vida?”. A categoria “raça” é uma das possibilidades de chegar ao debate fundamental.

 

Na tradição das questões que abordo, atualmente o negro é visto em duas correntes principais: uma corrente afirma que negro é algo essencial. Ora, essa corrente afirma que há de se procurar um espaço à parte para o negro na sociedade, isso já não deu certo, o ‘apartheid’ é um símbolo disso. Há outros que procuram entender como as coisas estão, procurando se “enquadrar”, se adequar. Aquela figura de um negro, ou de uma negra, integrados ao capitalismo, que resolverão o problema da desigualdade, não vai dar certo, não deu certo. O racismo estrutura relações econômicas, mas desestrutura todo o resto.

O debate que somente o movimento negro/negra ou os negros em movimento podem fazer é aquele “qual o sentido da vida?”. Esse é debate universal que eles não querem que tenhamos acesso, delegam a discussão do racismo fechada em si, como única discussão possível ao negro, pois estamos na menoridade intelectual e precisamos de auto-estima. Os negros e negras, portanto, são os únicos que podem desmanchar a ordem social que impossibilita a pergunta fundamental “qual o sentido da vida?”.

Foto: Valéria Nascimento.

NOTA

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