Para a primeira semana do ano, sugerimos como passatempo um premiado romance: “ O passageiro do fim do dia”
O livro de Rubens Figueiredo se diferencia de muitas das recentes produções da literatura nacional contemporânea. O autor figura entre os mais conceituados da nossa recente prosa, ao lado de Cristovão Tezza e Marçal Aquino e de outros. A distinção do livro em questão se dá pela originalidade e pela forma como são abordadas as principais temáticas do romance, descritas adiante. O título da obra antecipa o contexto aonde se desenvolve a maior parte do enredo. Ao longo de todo o livro o protagonista ( Pedro) segue por uma longa viagem de ônibus pelas periferias de uma metrópole. A existência de um único pano de fundo ou cenário, como ocorre com a peça “ Esperando Godot” no teatro e em outras obras em todas as artes, em nada se relaciona com um possível esgotamento do tema. Opostamente, o leitor de “ O passageiro do fim do dia” segue incansável pelas muitas histórias que se entrecruzam na obra. São exemplo as “ histórias de Rosane”, namorada do protagonista e uma das mais importantes personagens da obra. Estes pequenos casos retratam invariavelmente contextos de injustiças e vulnerabilidade social, tema maior da obra e, sim, o grande protagonista de Figueiredo. A viagem de ônibus figura num primeiro plano relacionando-se à outras tantas histórias construídas pelo autor.
A primeira cena descreve uma longa fila que espera por um ônibus. Desde pronto, na primeira página,o autor tem o cuidado de ressaltar o caratê árido do cenário urbano. Apresenta esse primeiro tema, das mazelas da urbanização e mais tarde o relaciona com as desigualdades sociais, temática recorrente no romance.
O cenário é frequentemente contrastado com outro, idêntico no espaço mas diverso no tempo. As diferenças ajudam a sublinhar o caráter progressivo da deterioração do espaço físico, do crescente hiato entre as populações urbanas. No romance de Figueiredo transitam pobres e ricos. O autor discorre sobre temas outros, como a cadeia alimentar animal, sem em nada fugir do primeiro assunto. A metáfora, muito criativa, alude ao nosso canibalismo social e ao contexto de uma sociedade de mundos opostos, ricos e pobres, privilegiados e surrupiados. Ainda nessa trama de metáforas, nada mais criativo do que ressuscitar Charles Darwin e a seleção natural para discutir o tema. Neste predatismo humano, não nos consideramos semelhantes aos outros irmãos animais, fazendo a raça humana todo o tipo de barbárie.
Não vou me delongar sobre o tema. O resto é estragar a surpresa da leitura. “ O passageiro do fim do dia” é enfim uma ótima opção de leitura para esse começo de ano.