Quando olhamos as estátuas dos antigos bandeirantes, homens que atuavam na captura de escravos que fugiam, que destruíam quilombos, aprisionavam indígenas, procuravam metais e pedras preciosas, elas hoje parecem inofensivas, diante das pessoas que passam por essas estátuas em diferentes pontos da cidade. Arquétipos cortejados pelos colonizadores, também estão em nomes de rodovias espalhados pela malha viária que adentram o interior de nossas cidades como: Raposo Tavares, Fernão Dias, Cardoso de Almeida e Anhanguera.
Essas figuras são exemplos de como precisamos descolonizar as cidades e construir pontes entre os grupos que coexistem em cidades como São Paulo. Esses heróis do colonialismo português acabam sendo símbolo da violência que ainda impera contra a população, hoje subalternizada nessa metrópole. De um passado histórico descendentes de ex-escravizados negros africanos e indígenas, que na atualidade são violentamente expostos a conviver com a violência do colonizador atualizada na dinâmica social racista, tonando-se uma violência psíquica, constituído no passado com açoites e prisões para o trabalho escravo. Esses arquétipos não são contestados pelos atores sociais do poder institucional e o capital privado representantes fiéis do poder hegemônico, muito embora sejam heróis de uma República de Vassalos, que criminalizam qualquer tipo de manifestação contraria as de seus heróis racistas, misóginos e assassinos dos povos nativos e da população negra.
Os arquétipos que assombram a maioria da população paulistana, que contraditoriamente, são símbolos de poder e bravura, para um pequeno grupo que saudosamente reverenciam os requintes de crueldades desses personagens históricos, e não se preocupam com as pessoas que são a base de nossa sociedade, homens e mulheres desprovidos de qualquer humanidade, invisibilizados e coisificados pelo poder hegemônico, expostos ao esquecimento. Esses arquétipos continuam visíveis, imponentes, de corpo ereto, para demonstrar o poder perante os povos oprimidos, impondo sobre o colonizado a estrutura colonial de nossa sociedade. Neste caminho, o teórico martinicano Franz Omar Fanon[1] descreve, a descolonização é simplesmente a substituição de uma “espécie” de homens por outra “espécie” de homens. Sem transição, há substituição total, completa, absoluta. Certamente também se poderia mostrar o surgimento de uma nova nação, a instalação de um Estado Novo, suas relações diplomáticas, sua orientação política, econômica (FANON, 2015, p. 51)
Desta forma, tivemos uma transição de um Império para a República brasileira, porém nada mudou por trás do poder. Acabaram com o escravismo por forças externas do grande capital da época, mas as sombras do colonialismo ainda recaem sobre as populações negras e indígenas, sendo violentadas por um passado que permanece no presente codificados nos arquétipos como o representado por Borba Gato.
O bandeirante demonstra nos tempos atuais que é necessário rever as políticas de identidade que articulam o Brasil e novos meios para a política nacional respeitando as diferenças, que não seja mais pautada no universalismo europeu onde os arquétipos estão distribuídos por todo o Estado de São Paulo, ultrapassando as esculturas e espalhados em placas de rua, rodovias, nomes de praça. O que precisamos, é que a política, a economia e o direito sejam para todos e não de alguns colonizadores, de um capitalismo tardio, ultrapassado e maniqueísta.
[1] FANON, F. Os condenados da terra. Juiz de Fora: Ed. UFJF, 2005. 374 p.
*Doutorando e mestre pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), psicólogo formado pela Universidade Cruzeiro do Sul e membro do Coletivo Neusa Santos
Fotos do Monumento Borba Gato retiradas do site São Paulo Antiga https://saopauloantiga.com.br/borba-gato/