Coletivo periférico de São Paulo conquista premiações internacionais e mira coproduções com outros países
Representatividade é a palavra de ordem no trabalho da roteirista, diretora e produtora executiva Renata Freire e do coletivo Mulheres em Série. Com mais de 20 anos de atuação no audiovisual, Renata lidera uma revolução cultural com uma linguagem que cruza cinema, literatura, teatro, rádio, games e muito mais.

“Bom, eu sou uma mulher parda de 47 anos, eu moro aqui no extremo sul de São Paulo. […] A minha trajetória se deu em mais de 20 anos de produção audiovisual”, conta Renata, destacando sua vivência e resistência na cena independente. O coletivo nasceu em 2015 com uma missão clara: criar obras com agenda e protagonismo feminino.
A força da produção transmídia
Com uma proposta inovadora, Mulheres em Série atua de forma transmídia. “Nós fazemos produções transmídia, tanto de produção audiovisual, literatura, teatro, rádio e novela. A nossa mais-valia são produções que têm a temática e agenda feminina”, explica Renata.

Um marco na história do coletivo foi a seleção no edital Fomenta Periferia, no fim de 2022. A partir disso, o grupo produziu simultaneamente um livro, uma peça teatral, uma websérie, uma radionovela e um fórum de moda. “Foi quando conseguimos realmente aplicar produções transmídia”, afirma.
Entre os destaques está a premiada websérie Chapa, Pode Pá, que acumula quatro prêmios internacionais e está licenciada na BoxTV, plataforma parceira da Amazon Prime. “É a nossa primeira produção periférica, com temática periférica, dentro da plataforma da Amazon Prime”, celebra Renata.

Sexualidade dissidente e acessibilidade

Outro projeto ousado do coletivo é a radionovela SoulSex, atualmente em sua segunda temporada. A trama trata da liberdade sexual feminina com personagens dissidentes: uma narradora trans (Kali), interpretada por Claude Diaz, e a personagem Kate Tu, vivida por Chris Diaz, também parte de um universo transmídia. “Ela também faz parte do jogo com temática de liberdade sexual feminina. E temos ainda o Apolo, interpretado por Marcos Abranche, um bailarino PCD”, relata Renata, com orgulho.
A segunda temporada de SoulSex foi selecionada para um festival em Nova Jersey, nos Estados Unidos. “A gente vai estar exibindo uma rádio novela que fala da temática erótica com personagens dissidentes num festival internacional, então isso também é importante”, destaca.
O coletivo também está desenvolvendo um jogo contemplado pela Lei Paulo Gustavo, com apoio da ESPCINE. O jogo, já exibido em versões demo na Gamescom (Alemanha), Mickey BR (Belém) e Perifacon (São Paulo), será lançado na plataforma Steam. “Ele é extremamente importante porque coloca a mulher no universo do pornô e pós-pornô, e ela que edita as regras do jogo. A mulher não como fetiche, mas como propósito de liberdade sexual”, afirma Renata.
Ficção especulativa e inclusão nos games
Outra aposta do coletivo é o livro Letras Transgressoras, que mistura ficção científica, viagem no tempo e ancestralidade. “A gente fez o primeiro volume com fomento, e agora fomos suplentes no ProAC para o volume 2. Isso mostra a qualidade da ideia e da escrita”, explica.
A história do livro vai ganhar uma versão em audio game, chamado Amuleta da Harmonia, voltado para pessoas com deficiência visual. Além disso, o universo da obra originou um livro de regras de RPG com 50 cartas, com lançamento previsto para dezembro. “Essas produções transmídicas são importantes porque contemplam várias comunidades e pessoas, dentro de uma mesma ideia”, afirma Renata.
Coproduções internacionais e reconhecimento institucional
Com o olhar voltado para o futuro, o coletivo quer ir além das fronteiras nacionais. “Pela primeira vez estamos nos lançando no universo de coprodução internacional”, diz Renata. Um dos planos é desenvolver um longa a partir da série Chapa, em parceria com uma produtora de Recife e com apoio de uma roteirista colombiana que atua na ONU, ligada ao grupo ASFAR. “Queremos aplicar essa parceria ao projeto do longa, que já foi aprovado na Ancine.”
A peça teatral produzida pelo coletivo também ganha destaque por sua autoria trans. “Ela foi escrita e dirigida por uma mulher trans, com estreia na Fábrica de Cultura do Jardim São Luís”, conta Renata. A expectativa é montar uma nova temporada ainda este ano.
Única produtora nível 2 do extremo sul de São Paulo
O reconhecimento oficial da Ancine veio com a recente classificação da produtora como nível 2. “No Brasil, são 11.400 produtoras registradas. Dessas, só 368 são nível 2. Em São Paulo, 129. E nós somos a única produtora do extremo sul com essa classificação. A única”, enfatiza Renata. Isso permite que o coletivo acesse novos editais e maiores oportunidades de financiamento.
Para ela, esse avanço só foi possível graças ao compromisso coletivo: “Toda vez que a gente produz alguma coisa, a gente leva o dinheiro capitalizado também para as nossas origens, o nosso bairro. Nossas produções envolvem a economia criativa com fornecedores locais. A comunidade está sempre participando.”
Caminhar junto para ir mais longe
Ao refletir sobre a trajetória do coletivo, Renata deixa um recado importante para outros produtores periféricos: “Resiliência. Estudar bastante, se capacitar, e se unir a produtoras com a mesma realidade que você. Isso faz grande diferença.”
Ela acredita que o sucesso do Mulheres em Série é fruto da colaboração: “A gente só está evoluindo e alcançando novas oportunidades porque se uniu com grandes expoentes periféricos. É isso que a gente leva para sempre: fazer em conjunto e andar em conjunto.”
