As organizações do movimento negro, organizadas em Coalizão Negra por Diretos, aliança nacional que reúne mais de 250 organizações, entidades e movimentos negros, periféricos, favelados, ribeirinhos, quilombolas e povos da floresta, entregaram uma carta aberta aos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) para tratar sobre a importância de que o racismo ambiental seja posto como pauta central nos debates sobre litígio climático em andamento pela corte brasileira. Clique aqui e acesse o documento.
Ação da Coalizão Negra por Direitos incide em julgamentos sobre litígio climático
Para o grupo, a população negra e quilombola deve ser considerada como o centro do debate e na construção de políticas ambientais e pelo enfrentamento do Estado brasileiro às práticas racistas. Este momento da história requer uma luta pelo desenvolvimento sustentável guiado pelo objetivo primário de maximização da segurança jurídica coletiva em torno das pautas ambientais e climáticas. Isso só será possível se o cerne do debate estiver pautado na questão racial. O enfrentamento ao racismo ambiental é dever do Estado brasileiro, e precisa ser praticado agora e com seriedade traduzida no compromisso de que a vida do povo negro seja assumida e encarada como prioridade nas agendas públicas.
O grupo pede respostas do judiciário brasileiro sobre a disfunção do racismo ambiental que registra a reprodução do racismo estrutural e institucional no Brasil. Entre as respostas, o apontamento para caminhos de avanço do debate e políticas institucionais sobre racismo ambiental. O Direito carrega importante papel para equilibrar as contradições e violações de direitos características de uma sociedade que se apresenta democrática e ao mesmo tempo permite desigualdades que desafiam o conceito de democracia.
Em todo o processo histórico e até os dias atuais, as relações de trabalho são marcadas pela utilização de mão de obra negra e indígena como força motriz da produção latifundiária. Portanto, há necessidade de entender que a divisão racial é o centro da disputa territorial e consequentemente, a população negra e indígena são alvo do racismo ambiental existente no processo de desenvolvimento do país.
“Pretendemos evidenciar o que é racismo ambiental e apresentar a iminente relevância de que o debate sobre litígio climático construído na Corte constitucional brasileira seja centralizado em questões raciais. A existência de grandes latifúndios e de um ordenamento jurídico que privilegia as terras privadas e os empreendimentos, desencadeia, para as populações negras e indígenas, ônus ambientais desproporcionais, tendo em vista que essas populações têm marcado em sua construção sociocultural a existência em terras coletivas”, afirma Sheila de Carvalho, advogada da Coalizão Negra por Direitos.
O debate e a promoção de políticas públicas ambientais racializadas são imprescindíveis para que se possa construir uma atenção às particularidades sociopolíticas da questão na hora de pensar projetos de vida para a população negra que sejam possíveis. Historicamente, as populações negras e indígenas são atingidas pelos problemas ambientais e pela falta de política ambiental eficiente para preservação ambiental, para a regularização de terras coletivas como também para garantia de dignidade de existência em áreas urbanas saudáveis.
As desigualdades raciais que refletem a lógica do sistema capitalista são perversas, e neste sentido, a discussão sobre o racismo ambiental é necessária para pensarmos em modelos sustentáveis e antirracistas de desenvolvimento. Sobre isso, não haverá desenvolvimento ou democracia no Brasil sem a discussão profunda sobre racismo e suas expressões, incluindo o racismo ambiental.
A existência de racismo ambiental propicia à sociedade a distribuição de forma desigual de cargas de danos ambientais do desenvolvimento para populações negras, quilombolas, indígenas e periféricas.
O movimento negro atua historicamente em torno da pauta ambiental e climática. A luta organizada pela defesa dos territórios e cultura quilombola é um dos marcos mais latentes da disputa feita pelo movimento nesta pauta. As populações quilombolas guardam a ancestralidade da cultura africana no Brasil e apresentam modos de vida sustentáveis, inclusive pela perspectiva do desenvolvimento econômico e social. No entanto, as políticas de desenvolvimento adotadas pelo Estado brasileiro em regra tratoram de maneira perversa as comunidades quilombolas e seus territórios e colocam em imenso risco a manutenção de uma cultura de resistência resguardada pelo texto constitucional. Além disso, a gestão da crise sanitária causada pela pandemia do novo Corona Vírus escancarou uma realidade já conhecida. A remoção de centenas de famílias de territórios quilombolas em estados da região Norte do país como no Maranhão e no Amazonas são exemplos disso.
“Negar o racismo ambiental é negar que o Estado brasileiro é racista, a realidade da vida nas periferias das grandes cidades, o aumento da fome, a violação dos direitos constitucionais contra comunidades, territórios quilombolas e terras indígenas e a história de urbanização do país e suas profundas desigualdades territoriais”, finaliza o documento da Coalizão.
O impacto do racismo socioambiental assola os povos originários como a população indígena e quilombola que não possuem garantias sobre a terra em que vivem, bem como a outros grupos vulneráveis como a população negra, pobre e periférica que sofre com as violações a seu direito constitucional de ter um meio ambiente adequado que influi diretamente na qualidade de vida dessa população – como acesso a água potável, saneamento básico – que já é preterida e inviabilizada por diversas situações oriundas do racismo.
Sobre a Coalizão Negra por Direitos
A Coalizão Negra por Direitos reúne mais de 200 organizações, grupos e coletivos do movimento negro brasileiro para promover ações conjuntas de incidência política nacional e internacional. As entidades definem estratégias para intensificar o diálogo com o Congresso Nacional e com instituições como a Organização das Nações Unidas (ONU) e a Organização dos Estados Americanos (OEA) sobre a pauta racial, além de fortalecer ações nos estados e municípios brasileiros nesse sentido.