O Movimento Meninas Crespas surge numa escola de Porto Alegre, instigado/motivado por um caso de racismo sofrido por uma aluna. A partir deste episódio lamentável, várias meninas reuniam-se comigo(professora Perla) nos recreios para conversar sobre cabelo crespo e negritude. Elas se sentiam convocadas a fazer algo para combater as inúmeras “brincadeiras” racistas baseadas na textura do cabelo ou na cor da pele, como também almejavam conhecer a história negra para além da escravidão.
Esse processo levou à constituição de um grupo, do qual se aproximaram pais, mães e outros familiares para a promoção de atividades dentro e fora da escola. Tal processo coletivo nos permite trocar experiências, valorizar a nossa estética, nossos crespos, celebrar nossa ancestralidade e elaborar ações e atividades culturais e pedagógicas.
A estética, a dança negra e o resgate da História Africana e Afro-Brasileira são bases que nos norteiam. Visa valorizar o cabelo crespo, resgatar a identidade negra e o poder do feminino.
A partir dos encontros no recreio, solicitamos à direção da escola uma sala para nos reunirmos. Os alunos inscritos no projeto, cerca de 40, entre meninas e meninos, foram divididos em duas turmas: turma Dandara e Malcom X. Os encontros, que se iniciam sempre por uma roda de conversa, contextualizam situações, analisam fatos e debatem assuntos relacionados à população negra.
No projeto, é ensinada a dança afro e são criadas as performances que o grupo apresenta em eventos. As famílias começaram a se aproximar e participar das oficinas e rodas de conversa. Atualmente, nos encontramos aos sábados, na Casa Emancipa, onde acolhemos outras famílias da região. Estamos criando o Instituto Meninas Crespas, para atendermos a comunidade em geral, na qual pais e mães fazem parte da diretoria.
Nas rodas de conversa, de forma coletiva, escolhemos que ações faremos. Estamos uma biblioteca afrocentrada e comunitária para as pessoas do bairro ter acesso à história negra. Também estamos escrevendo cartas de empoderamento para mulheres da Casa Mirabal, um local que acolhe mulheres vítimas de violência doméstica, pois acreditamos na ideia de empoderar-se e empoderar outras, ou seja, só estou bem se Estamos bem!”. confeccionamos cartazes com informações sobre a África e poesia negra para fixarmos no bairro e, assim, multiplicar o que aprendemos.
Começamos a gravar um documentário para relatar nossa história. Temos aulas de Iorubá, pois defendemos uma educação bilíngue ( Português/Iorubá), com um mestre/Griô, aproximando os saberes da educação formal com a informal e valorizando os conhecimentos dos mais velhos ( Princípio Aafricano). As mães também têm aulas de dança, partindo da ideia da dança como autocuidado.
Cada integrante tem uma responsabilidade, incluindo os alunos, pais e parceiros. Um grupo é responsável pela divulgação (Faceboook, email, InstagramInstagran), outros grupo é responsável por receber os visitantes e explicar como o projeto se organiza. Nas rodas de conversa, surgem as novas ações do grupo, que se organiza dividindo tarefas. Também após cada ação, de forma coletiva, avaliamos a atividade, anotamos o que poderia melhorar e cada um faz uma autoavaliação. Também criamos as regras, que por ter sido construída de forma coletiva, faz com que cada aluno se sinta convocado a seguir.
Os integrantes do grupo, após conhecerem a sua história, a história negra, que vai muito além da escravidão, demonstram menos problemas de autoestima e autoimagem. Valorizam a estética negra, soltam seus cabelos crespos, percebendo que isso é um ato político.
Eles e elas, ao escutarem falas racistas ou preconceituosas, alertam as pessoas que esta postura não é correta, mas fazem isso de forma não violenta, argumentando. Antes, escutavam calados, as ofensas, não abriam a boca, por terem sido silenciados pelo racismo estrutural.
Os integrantes apoiam outros alunos que estão passando por problemas de autoestima, e promovem conversas nas escolas sobre o tema. Já as famílias envolvidas, relatam que nunca prenderem esses assuntos e a partir destes ensinamentos, começam a valorizar sua negritude. Percebe-se a construção de uma identidade e pertencimento, que se fortaleceram com as atividades do grupo.
Nosso projeto é conhecido fora do Brasil. Em , no ano de 2018 eu , estive em Portugal, na Escola da Ponte, para um intercâmbio. Nessa experiência,eu , no qual pude apresentar como é nosso trabalho no Movimento Meninas Crespas. Este ano, fui reconhecida pela Marca Boticário, como uma das 5 mulheres que fazem a diferença no Brasil, devido ao trabalho no projeto. Também fizemos apresentações na Bienal do Rio Grande do Sul.
E atualmente somos um dos únicos grupos que desenvolvem uma educação bilíngue, com foco em uma das línguas do continente africano. E esta língua foi escolhida devido ao fato que os Iorubás vieram para o Brasil, no período escravista, e influenciaram nossa cultura; e esta língua é muito utilizada nas religiões de matriz africana, e como muitos integrantes do nosso Movimento seguem esta religião, viu-se a necessidade de aprendê-la.