O Prof. Dr. Dennis de Oliveira fez uma entrevista com a Organização Dandara Gusmão sobre a luta deles contra o racismo na escola de teatro da UFBA, para o JE como parte da matérias especiais de aniversário!
Por Prof. Dr. Dennis de Oliveira
A Organização Dandara Gusmão, formada por negras e negros da Escola de Teatro da Universidade Federal da Bahia ficou nacionalmente conhecida pelos protestos que realizaram no mês de junho contra o racismo existente na instituição.
O protesto que ficou mais conhecido foi a manifestação realizada no dia 1º. de junho durante a apresentação da peça “As tetas da loba”, dirigida por Paulo Cunha. A resposta da reitoria da universidade foi “reforçar a segurança” do teatro para garantir a exibição da peça. Os integrantes da organização justificaram o protesto afirmando que em 35 anos da companhia, apenas dois espetáculos tinham a maioria de atores e atrizes negros.
Para falar sobre esta militância contra o racismo nesta escola de teatro e também na dramaturgia, entrevistamos os integrantes da organização que responderam as perguntas em nome da entidade e não em nome pessoal.
Nos manifestos do coletivo, vocês enfocam o racismo na escola de teatro da UFBA em diversos aspectos, em particular a pequena presença de negras e negros nos elencos, preferencia por dramaturgos brancos e narrativas que privilegiam a condição de subalternidade negra na sociedade. Como este debate ocorre no cotidiano da escola de teatro, nas aulas, nos cursos? Há professoras ou professores que tem uma visão menos racista?
Primeiro, nos entendemos como uma organização, evitamos nos identificar como coletivo, embora todas as nossas atividades sejam executadas nesse norte. A palavra de organização tem em nossa vivência um peso de luta que nos conduz todos os dias a nos organizar para lutar contra a rotação das engrenagens do racismo institucionalizado na Universidade Federal da Bahia. Neste ínterim são mais de meio século fomentando a pratica do ódio de raça até que se faça se tornar natural em meio a técnicos administrativos, professores, doutores e assim sucessivamente. A subalternidade é uma constante para o povo preto em qualquer lugar e não é diferente na 1ª escola de teatro do país. As aulas antes das nossas intervenções de Junho invisibilizavam estrategicamente nossa vida e todos os feitos em que nosso povo foi capaz de produzir. A própria dinamica acadêmica proporciona para que você esqueça todos os dias de onde vem e para onde deve voltar PARA TRANSFORMAR. Por isso é preciso se OR-GA-NI-ZAR!! è muito, mais muito difícil!! logo no inicio de nossa luta em 2016, muitas pessoas questionavam e faziam chacota do nosso nome de identificação. Porém erguemos os nossos punhos e seguimos na luta até os dias de hoje. Porém nosso quadro de professores sempre foi pequeno. até 2016 só tínhamos um professor declarado negro. Num quadro estarrecedor de mais 40. Ou seja, numa cidade majoritariamente preta como Salvador, ter essa inter relação com nossa humana realidade episteme é impossível. Do inicio pra cá a realidade vem mudando a passos de lesma doente, mas ta aí… seguindo! O numero de professores aumentou para três. O medo de se posicionar fortemente contra o racismo é ainda mais duro estarrece, enoja e nos deixa extremamente revoltados, por isso nos organizamos todas as semanas com a finalidade de crescer e desenvolver uma contra argumentação em cima de toda ação racista da ETUFBa.Por isso lutamos e nos organizamos.
Estudantes negras e negros tem se unido nestas críticas?
Sim, porém, se se posicionar na trincheira. O sim mesmo é só pra não dizer que NÃO!! A gente sabe exatamente quem luta pra aparecer e quem aparece pra lutar. Essa é a parte mais difícil de se organizar. Se a luta dependesse unica e exclusivamente da classe estudantil, apática e amedrontada da escola de teatro, nada teria seguido. Por isso a nossa trincheira é recheada com todas as pessoas possíveis. De dentro e de fora do espaço acadêmico. assim a gente fortalece os nossos antepassados quando aquilombaram nosso povo independentemente de sua origem. Muita gente exclama bem alto: Fora isso, fora aquilo, mas na hora de estender a mão pra luta ninguém segura a mão de ninguém. Principalmente se a luta for pela causa preta. Estudantes usam a estratégia de não “se queimar em lutas” para conseguir oportunidades individuais e espaços de micropoder. Ou seja, pra o nosso povo… NADA!! Povo? que mané povo!! farinha pouca meu pirão primeiro. Quando nos organizamos é para dirimir essa atitude e seguirmos firmes na luta antiracista, quilombista e panafricanista.
Os protestos que a organização vem realizando tem sido duramente criticados por muitos da corporação artística. Este comportamento decorre do fato de existir ainda no meio artístico uma postura de rejeitar qualquer questionamento ao trabalho do artista, principalmente quando se trata de acusações de racismo?
A nossa organização vem sendo rechaçada com o linchamento virtual todas as vezes que nossa luta ganha proporção em notoriedade. Porém não existe novidade nos nossos manifestos. são lutas que vem antes da gente, antes de iniciarmos qualquer atividade nomeada como ORGANIZAÇÂO DANDARA GUSMÂO. Muita gente nem ao menos tinha ouvido falar de Dandara, piorou de Gusmão. Mas nós nos dedicamos todos os dias para explicar e visibilizar essas figuras importantes de nossa história. Dandara retirou sua propria vida em prol de não se escravizar contra o regime colonialista de escravidão, Gusmão, o primeiro artista negro a se formar na ETUFBa, a mesma não citava o nome dele de jeito nenhum, fomos nós que realçamos a historia de Gusmão, dandara, e de tantas outras pessoas que só elevam a nossa cultura Preta Nordestina Brasileira, Africana em Diáspora Afrodescendete.
Como tem sido o diálogo com as instâncias da escola de teatro e a reitoria da Universidade? E com o movimento negro?
Daquele jeito que só os brancos dominam. Porem depois da criação de uma frente de apoio essa realidade tem se modificando aos poucos. O movimento negro da cidade de salvador se aliou para criação da frente e logo após um grupo de trabalho para combater o racismo institucional na escola de teatro da UFBA foi instaurado no 1º dia de aula do segundo semestre da UFBA.
Quais são os próximos passos do movimento?
Depois do nosso manifesto no dia 1º de junho de 2019, tivemos um avanço muito importante que foi a criação de um grupo de trabalho para combater o racismo institucional no 1º dia de aula do semestre letivo de 2019.2 e assim tem sido. O eixo principal que norteia o grupo de trabalho é a moção que foi entregue ao reitor no dia 03 de julho de 2019(vide anexo) Com isso teremos cerca de 10 encontros para encaminhar ponto a ponto até o dia 20 de Novembro onde se conclui o trabalho.
Há mais alguma coisa que queiram declarar?
Além do trabalho árduo em que fazemos boa parte da classe discente é movido pelo medo de se manifestar, ou até a falta de empatia com a causa que lhe assiste, isso torna a luta bem mais difícil de se organizar e se encaminhar. Estamos sacrificando os nossos cursos em prol de uma causa justa e que tá estagnada a mais de 50 anos. Porém estamos prestes a completar 3 anos de existência e mesmo nossas irmãs e irmãos enxergando os avanços a mente treinada para servir ao povo branco e seus caprichos tem mais empatia. Muitos já desfrutaram de nossa luta, seguiremos com o máximo de resistência, contando com todos os apoios reais ou virtuais para enfim chegarmos numa conjuntura minimamente aprazível para pretas e pretos acadêmicos.