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Poucos problemas no mundo são mais polêmicos e complexos que os que tratam a questão do uso da terra e a legalização de seu uso. Por definição, tantos os prédios invadidos quanto as favelas são ocupações ilegais, de modo que não possuem legislação contra incêndio, que somando as fiações clandestinas e os materiais inflamáveis aumentam a vulnerabilidade.

Enquanto faltam moradias, na cidade existem 1.385 imóveis ociosos, isto é, abandonados ou subutilizados. Além do déficit qualitativo, existem 1,2 milhão de pessoas morando em áreas irregulares, mesmo a cidade dispondo de 290 mil imóveis vazios ou subutilizados.

O viaduto Alcantara Machado, no Brás, região central, via principal de ligação entre a zona leste e a zona central da capital acomoda a Ocupação Alcântara Machado, na região da Mooca, zona leste. Apesar de toda vulnerabilidade, testemunhas sugerem incêndio criminoso, era 19hs, um carro, uma mulher, um objeto lançado, de repente, “Fogo, fogo!, este se alastrou rapidamente, 50 barracos queimaram e desabrigou 130 famílias. O fogo foi extinto por volta das 20h por uma equipe de 30 bombeiros.

Nesse contexto repleto de cortinas de fumaça, em meio ao quadro de comoção social, observamos a circulação de informações referente a noite de quinta-feira, 12/09, uma noite onde famílias que quase nada tem, ficaram sem nada.  O que me remete a música do Projota: O homem que não tinha nada.

O prefeito Bruno Covas esteve presente no local na noite do incêndio e na manhã seguinte, demonstrando preocupação excessiva com o trânsito e pouca com a população residente na ocupação.  Ofertou acolhimento e insumos, sendo 70 colchões, 70 cobertores, 40 cestas básicas e 40 kits de higiene. Apenas uma pessoa aceitou acolhimento. Frente a recusa da oferta, ameaçou: “vamos desocupar sete viadutos” da cidade.

As outras famílias recusaram a oferta de acolhimento e preferiram ir para casa de familiares. Em nota, a Prefeitura informou que “a Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social (SMADS) prestou atendimento para 32 famílias afetadas pelo incêndio.

Thaís, a primeira moradora a ter seu barraco atingido pelo fogo, declarou sem perder as esperanças:

“começamos sem nada, juntamos um pouco e perdemos tudo de novo, vamos recomeçar do zero tudo de novo” e também denunciou “somos invisíveis para a sociedade, como se não existissemos, ali tínhamos nosso cantinho que garantia alguma dignidade, perdemos, tudo e a prefeitura chega e oferece albergue, não queremos albergue, queremos moradia, soluções, queremos dignidade”.

Essa invisibilidade é reflexos do intenso processo de exclusão social, apesar da realização de alguns programas sociais, poucas políticas públicas são desenvolvidas para solucionar esse problema. O desinteresse  influencia diretamente no comportamento da sociedade, haja vista que os moradores de rua são tratados, ora com compaixão, outrora com repressão, preconceito, indiferença e violência.

A desumanização cria uma invisibilidade geradora de graves violações, rotulando essa população como um perigo, apoiando a violência e marginalização, com a subtração da própria condição de ser humano até mesmo o exercício da sua cidadania e naturalizando a morte lenta e silenciosa destas pessoas.

A gentrificação é o mal urbano da nossa era, esse processo assume ainda a característica perversa da divisão entre moradias “legais” ou “regulares” e “ilegais” ou “irregulares”. Com a desvalorização do centro e valorização da região sudoeste, a construção de novos empreendimentos em regiões como Pinheiros, Vila Mariana e Morumbi, mais valorizadas, deixou para trás um rastro de imóveis desocupados no centro. Dessa forma, quem habita as moradias ilegais vivem um perverso paradoxo legal: são vítimas do Estado por não possuírem o direito constitucional à moradia mas são culpabilizadas por habitarem uma moradia “irregular”.

Além disso, a gentrificação ocorre muitas vezes de forma violenta e até mesmo criminosa. Em 2012, diversas favelas em São Paulo foram incendiadas deixando centenas de pessoas desabrigadas. Coincidência ou não, todas elas em regiões de crescente valorização. Favelas que existiam há anos e que no passado tinham condições muito mais perigosas (como paredes de madeira) mas que foram incendiar justamente naquele ano.

Muitas vezes o processo é confundido com uma revitalização urbana, principalmente quando acontece de forma velada, gradativa. Movimentos sociais do Brasil acusam que estes imóveis vazios servem somente à especulação imobiliária e não cumprem a função social da propriedade. O custo da moradia onera demais a renda das famílias. A ONU recomenda que não pode haver custo de moradia acima de 25% da renda, no Brasil, esse peso chega a 80%.

Além de custear moradia, pagar pela saúde e pelos remédios, precisam de transporte, material escolar, alimentação. As famílias não conseguem arcar com tudo isso e acabam tendo que morar em qualquer lugar. Os salários são muito baixos e, muitas vezes, são as mulheres que chefiam a família sozinhas. Tem também os desempregados, são 13,7 milhões de desempregados, um número alto, criminoso e alarmante. Isso cria barbárie e caos social.

Partindo desse cenário absurdo muitos dormem nas calçadas e quando podem ocupam algum espaço desocupado para fazer sua moradia de forma mais digna, ressalto que as ocupações urbanas não nascem da simples vontade dos ocupantes.

Entre 2001 e 2012, os bombeiros registraram 1.648 incêndios em favelas. Em 2016, foram 202 casos, e 81 desde 2017. Uma pesquisa realizada a partir de um relatório da Defesa Civil, com 80 incêndios entre 2008 e 2012, mostrou que a média do valor de mercado de um terreno de favela atingida era de R$291,00 em 2013, segundo o SECOVI (sindicato patronal de empresas imobiliárias), enquanto em amostras aleatórias de 460 favelas teve um valor de R$167 no mesmo ano. Ou seja, as áreas de favelas incendiadas eram 75% mais valorizadas comercialmente.

Diversas vezes a prefeitura tentou reintegrar o local, porém a resistência existe, inclusive contra o uso de força (GCM e PM) para a manutenção do espaço. Muitas vezes a vizinhança reacionária da Mooca também os agrediu  (aqueles que comemoravam o incêndio da favela do Cimento um quilômetro pra frente na Radial Leste) e eles resistem. A solidariedade às famílias que perderam tudo nessa tragédia é dever de todos nesse momento. Não podemos aceitar que uma catástrofe como essa seja utilizada para criminalizar aqueles que lutam por uma vida mais digna.

Por Luis Ricas

As doações podem ser feitas no local (debaixo do viaduto Alcântara Machado no cruzamento com Rua Piratininga), ao chegar no local, procurem por Adriano, Fátima, Thaís ou Rafa para entregar os donativos.

Fonte da foto: https://m.facebook.com/coletivocatso/photos/a.401649980016449/1317620825086022/?type=3&source=48

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