Faz 16 anos que o Brasil não ganha uma Copa e toda eliminação da competição, os comentários são quase unânimes sobre o futebol do nosso país: “De que o futebol destas terras já não é mais o melhor do mundo”, embora antes da eliminação, a opinião fosse contrária e todos nos apontassem como favoritos. Quando eliminados e derrotados, toda tragédia do universo é pouca para esse pedaço geográfico de terra da Terra, nada mais dará certo, nem no futebol e muito menos na vida.
Contudo, enquanto não somos traídos pelos deuses e estamos na Copa, parece que nada e nem ninguém poderá nos vencer, somos a dança mais bonita com os pés depois do samba. Mas vem a derrota (é mais fácil perder do que ganhar) e a queda do Olimpo é muito maior do que esperávamos. Descobrimos que não somos os únicos que sabem jogar futebol, olhamos para o calendário e para o relógio e saboreamos um desgosto com o tempo e com os nossos limites.
Não sei se o Brasil é o melhor futebol do mundo e nem sei se aqui é ou não é o país desse esporte, porém, imagino que não exista uma nação e um povo tão dependente do futebol para sua autoestima quanto o nosso. Duvido que haja outro país no mundo em que o futebol faça tanta diferença na alma de uma nação e na identidade de um povo, a ponto de uma derrota dentro de campo carimbar nossos egos com o espírito dos fracassados.
Entortamos uma peleja com a vida todos os dias e o futebol era para nós, no mínimo desde 1958, aquele que nos exaltava de alguma forma, nos tirava da vala comum e da insignificância social, cultural, histórica e geográfica. De repente, através dos dribles de Garrincha, da folha seca de Didi, do elástico do Rivelino e dos gols de Pelé existíamos finalmente na superfície do planeta, não apenas como uma porção enorme de terra, enfeitada por matas e cercada por praias, mas como um lugar em que, em alguma esfera, podia fazer a diferença para o globo.
Se não ganhamos mais, a sensação é de que já não prestamos nesse ofício, o fracasso habitual da vida invadiu o gramado e mostrou para o mundo, a nossa inferioridade que as quatro linhas escondiam. O que faremos do destino se não formos mais campeões da Copa do Mundo? Parece que essa sina nos aterroriza em todas nossas derrotas, tanto que elegemos como nossas grandes catástrofes civilizatórias, os tombos que levamos nesse esporte.
Assim, o Maracanazo de 50, a derrota de 1982 na semifinal e o 7×1 de 2014 saíram da esfera esportiva e se transformaram em narrativas históricas, sociológicas e discursivas acerca de nosso subdesenvolvimento como nação. Nossas mazelas sociais estariam todas representadas e encarnadas nesses três acontecimentos futebolísticos (sem contar as outras derrotas como a final de 1998 e a saída nas quartas da última Copa). E toda a verborragia para explicar essas fatalidades é motivo para uma escavação antropológica nas causas de nossas dores.
Há a necessidade de explicar o país pelo futebol e, por isso, é preciso que este seja altamente vencedor, a esperança de um futuro imediato político melhor. Nesse sentido, do mesmo jeito que o 7X1 encarnou o golpe de 2016, o pentacampeonato parece que irmanou com a nova era que surgiria com a eleição do governo Lula. Por esses motivos, há tanto debate político e sociológico acerca de nossas derrotas na Copa. O que estaríamos dando errado como nação? Segue o golpe? Por que não seríamos mais os melhores justamente naquilo que sempre nos orgulhamos de ser? O que estaria faltando, onde foi que estamos errando, por quê?
O debate se acirra sobre as condições materiais e espirituais do futebol brasileiro, as quais seriam as mesmas do nosso povo. Mas o que emerge ao calor da torcida é a nossa mentalidade de colonizado. Mentalidade essa que deveríamos combater veementemente se quisermos ser campeões novamente, tanto no futebol quanto na vida. Essa história de que o futebol europeu é melhor, de que eles evoluíram mais do que nós e que teríamos que aprender com eles, mostra o quanto nossa estima é frágil e que nos definimos sempre, tendo como padrão a Europa e não nós mesmos. Não importa se recriamos o futebol e reinventamos uma nova forma de jogar esse esporte, capaz de suscitar inveja e admiração ao mesmo tempo.
Para ganharmos novamente, teremos que copiar os europeus, dizem os farristas dos comentários, aqueles que sabem tudo. Devemos, por esse pensamento, modificar toda a nossa forma de pensar o futebol. Aprendemos com os donos do mundo, com os reis do planeta! Os mais ricos, sábios, limpos, honestos, organizados, raça superior na guerra e também do esporte! Oh! Como somos fracos, desorganizados, sujos, pobres e burros temos que imediatamente mandar nossos técnicos para lá, para que eles uma vez por todas, aprendam a jogar esse novo esporte, chamado futebol moderno, essa nova invenção da humanidade, super sofisticada que o brasileiro não tem condições de compreender!
Oras, é exatamente com esse pensamento que perdemos! Perdemos quando desvalorizamos toda a nossa história para copiar porcamente os europeus, achando que assim estamos descobrindo o ovo. Para se adequar ao chamado novo futebol, não procuramos mais aprender com os nossos mestres, não há busca pelo aprendizado com os velhos ídolos e não se procura passar nossas tradições e a nossa cultura futebolística, em nome de um grande esquema tático, aquele do futebol da nova era, no qual, prima pela tecnologia, pela evolução e pela praticidade dos novos tempos.
De repente, nossa ginga original que nos fez 5 vezes campeões do mundo se tornou obsoleta, velha e antiquada. “O futebol mudou e o Brasil ficou para trás”, concluem os experts do assunto, fazendo sociologia de botequim para explicar quatro Copas que já não ganhamos. Já os professores de Educação Física, tentam ensinar esse tal futebol europeu para a molecada nas escolinhas do esporte, padronizando chutes e toques. Ninguém lembra como o futebol nasceu no Brasil, ele em si, um esporte trazido exatamente de lá, da Metrópole para a Colônia, do Império da Inglaterra para um país recém-independente, recém-republicano e recém-liberto da escravidão.
Ele chegou aqui como esporte de elite, apenas para brancos e ricos e se espalhou por entre o povo, e o povo o reinventou. O povo o deglutiu, antropofagizou-o ! Como Oswald de Andrade e o Movimento Modernista salientam: “Só a Antropofagia nos une! Socialmente. Economicamente. Filosoficamente”. Fizemos isso com o futebol, aprendendo o que deveria ser aprendido e o adaptando e o tranformando como se aqui tivesse surgido.
E assim, deveríamos fazer novamente com o dito novo futebol moderno! Absorvendo da nossa maneira o que interessa, sem deixar de sermos nós próprios, remodelando-o sobre as bases que já críamos e inventamos. Afinal, foi o nosso bailado com a bola, único no mundo, que nos fez chegar aonde chegamos e fez ser quem somos. Nossa identidade e nossa raiz. Quem sabe essa reviravolta no futebol, buscando aprender com nós mesmos, nos faça também voltar a mudar o nosso país.