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Futebol Moderno e o lugar do Sonho e da Ilusão.

A briga entre a BGM e a Crefisa, patrocinadores de dois clubes grandes do futebol brasileiro, que atingiu a internet essa semana, fez novamente eu pensar nas relações dos símbolos e do futebol moderno com a nossa vida.

BGM e Crefisa não são times de futebol, mas bancos, portanto, não deveriam receber nenhum grau da nossa paixão! Os dois não pelejam, não driblam, não marcam gols, não nos emocionam, ao contrário, o que eles costumam fazer é vender aplicações e ganhar dinheiro.

Contudo, essa rixa combina com o torcedor de hoje, visto mais como um cliente do que como um ser apaixonado. O chamado futebol moderno transformou o torcedor em consumidor, suas relações foram mercantilizadas, seu espetáculo também.

O torcedor consumidor é o que chamamos de nutella ou modinha, aquele que vai ao  estádio de futebol mais para visitar sua loja de produtos, comer x-burguer, postar fotos no facebook, mudar seu status,  do que realmente se entregar ao seu time compartilhando seu suor e seu grito com os outros.

Para esse consumidor, quanto mais dinheiro entrar no time, melhor! Comemora-se renda, contratações, altos salários dos jogadores, enquanto a camisa do seu clube virando cada vez mais; um outdoor. Os lances, os dribles, as jogadas, as grandes defesas e os gols vão ficando de lado e se tornando; o segundo plano do espetáculo.

Mas é o tal futebol moderno e, parte da imprensa esportiva brasileira, ávida também por patrocínio,  não cansa de exaltar essas parcerias , venerando mais times com os cofres cheios, do que aqueles que jogam.  Muitos dizem que esse é um caminho sem volta, desde que os clubes do exterior começaram a inflacionar o mercado com o objetivo de atrair nossos melhores jogadores.

Antigamente, o jogador brasileiro nascia nas várzeas, nos times peladeiros, nos campos de terra, nas quadras descobertas, se revelava nos pequenos times e depois, marcava o seu auge nos times das metrópoles, mas ainda assim, dentro do Brasil. Embora, o poder do dinheiro já aparecia, porque os clubes dos centros industriais do país abocanhavam os verdadeiros talentos.

Os clubes pequenos e do interior eram verdadeiras barrigas de aluguéis parindo moleques  gingadeiros das ruas. Os do exterior, só apareciam no final da carreira do jogador e, mesmo assim,  não era a sua melhor vitrine. A meta do atleta era ser artista da bola e apresentar sua arte nas exposições da seleção brasileira, o dinheiro seria a consequência. Hoje, o dinheiro é o objetivo.

O moleque mal saiu das fraldas e já tem empresário, seu objetivo não é desenvolver a arte e nem a camisa amarela, adeus à eternidade se com 17 anos você já pode ficar rico! Ao menor sinal de uma promessa, os mercadores de Navio Negreiro atuais chegam com seus laços disfarçados de contratos para capturar nossos meninos e levá-los embora, sem ao menos esses conhecerem os campos verdes do seu próprio país.

O Brasil sempre foi o país que mais exporta jogadores do mundo, sendo esse comércio, a terceira maior exportação da nossa economia em relação a valores, gerando superávit comercial na nossa balança.  Enquanto 75 % dos jogadores brasileiros, residentes no solo da mãe gentil, ganham até dois salários mínimos!

O futebol europeu cansado de perder em casa por 5X2 numa final, de forma humilhante, reis e rainhas de escravos perderem para jogadores negros, pensou uma maneira de acabar com a supremacia da senzala do terceiro mundo! Impôs sua escola de futebol força, futebol físico e futebol tático, porque eles não eram páreos para o futebol dança, futebol poesia, futebol pintura, futebol escultura e futebol música. E eles tinham dinheiro, e como!

Esse esporte passou a ser visto como um evento publicitário, marqueteiro, o jogador- um ator de comercial.  E qual o melhor representante para a marca multinacional do que um futebolista brasileiro? Graças ao Pelé que deu a fama para se explorar esse adjetivo pátrio. Mas no início, ainda se precisava de talento.

Ronaldo, por exemplo, sustentava a Nike em seu corpo, dos pés até a cabeça, embora ele tinha ginga, música e poesia para dar. Hoje, basta a fama e não precisa mais ter talento, a promessa não precisa mais treinar, não precisa aprender e muitas vezes, nem jogar. Neymar se quiser, não precisa mais chutar uma bola e vai continuar sendo o Neymar, o jogador capa de revista da Gillete.

Se o jogador não mais precisa jogar, o torcedor também não precisa mais torcer! Bastam manter os jogos com alguns velhos rituais e o evento business está garantido!

O cliente que enfeita o peito com o símbolo, não se importará em ganhar mais alguns, porque o que ele quer, é se sentir parte do espetáculo monetário. Mostrar que tem a camisa, o ingresso, a foto com o jogador, o selfie sentado e comportado na arquibancada, sorriso no rosto, perfume de rolê,  o x-burguer, a lembrancinha depois do jogo e perguntar, quanto foi a partida quando sair para ir embora com os amigos.

Tanto faz agora, se o time é Corinthians ou BGM, Palmeiras ou Crefisa. O futebol moderno ostenta tantas propagandas e poder, que o cliente-torcedor nem sabe mais o que consome, para quem torce ou o que ama e se ama.

Enquanto isso, nossos meninos são capturados cada vez mais cedo, enriquecidos monstruosamente para não jogar o genuíno futebol brasileiro, para não serem o que sempre fomos, moldados aqui e lá fora para copiarem e se adequarem às escolas europeias desse esporte.

E vão se tornando cada vez mais jogadores comuns! Os grandes clubes brasileiros assumem o papel que os clubes do interior tinham de barrigas de aluguéis.  A nossa identidade ameríndia, negra e portuguesa é jogada cada vez mais de escanteio para mostrar o nosso lugar de sempre no globo, e que, por ventura, ousamos um dia desafiar com os nossos pés! A de um país periférico e subdesenvolvido!

A mídia corrompida não deixa de paparicar os Reais Madrids da vida, mostrando como seria impossível batê-los dentro do campo e os exalta como os reis do mundo. Por isso, o Palmeiras só poderia ser o Real Madrid das Américas, nunca o Palmeiras mesmo, enquanto o Corinthians só desafiou a lei dos reis ( quando venceu o Chelsea e foi campeão mundial em 2012) e  os venceu,  por pura sorte e não por merecimento.

O torcedor modinha cai nessa conversa e, por isso, não vê como escândalo ter um time na Europa também, usar na semana, mais a camisa do seu time europeu do que a do seu pequeno time brasileiro. Este deveria se prostituir ao mercado se quiser competir um pouco com os colonizadores. Essa perspectiva vira-lata, que achamos superadas em 1958, foi novamente desenvolvida por especialistas e técnicos do esporte, estudados lá fora e pós-graduados na ciência do 4-4-2.

A ideia é jogar mais igual possível para que o cliente torcedor não consuma apenas um produto espetáculo, mas vários. Depois saia de casa com sua camisa outdoor decidido abrir uma conta no tal banco, comprar um barbeador e um tênis,  todos na grande rede golpista que passa luminosa no letreiro ao lado do gramado.

Há torcedores que se recusam a essa lógica mercantilista e lutam para poder torcer com poesia e sonho. O que obriga as mandatárias do esporte, a proibir suas festas, suas paixões, o seus amores misturados nas bandeiras, nos sons e nas luzes. Homogênicos na forma de jogar e homogênicos na forma de torcer, os sonhos vão se deixando de lado e a poesia, assassinada! No final, ninguém sabe mais o que ali faz, ama ou venera desde que o ter se realize…

 

NOTA

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Respostas de 4

  1. Estou boquiaberto; impressionado com este texto de extrema qualidade, de visão clínica, um texto que com certeza o célebre e consagrado colunista, armando Nogueira, teria orgulho em assinar. Você mostrou que o nosso autêntico futebol, deu lugar a uma idolatria vazia e importada, com certeza este texto cairia muito bem na vós de um certo Fiori Giglioti, em seu quadro matinal dos domingos doas anos 1970, chamado de: “Cantinho da Saudade”

    Meus parabéns Adrienne!!!

  2. Ótimo texto, muitas vezes nos torcedores que combatemos forte contra o futebol moderno, algumas vezes, somos conduzidos por um nova moda no futebol….Textos assim, nos faz refletir sobre as nossas ações e posturas diante de circunstâncias alheias ao jogo de futebol e a paixão da arquibancada.

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