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EXISTE APENAS UM DEUS, MESMO?

A pergunta não é apenas uma dúvida teológica ou sobre a existência de um único Deus, mas sim sobre o que significa realmente ser cristão nos dias de hoje. Para muitos que se dizem seguidores de Cristo, a prática da fé parece ter sido distorcida, deixando de lado os princípios mais essenciais do cristianismo para dar espaço à intolerância, ao preconceito e à busca desenfreada por poder.

Os questionamentos surgem: será que essas pessoas realmente conhecem os ensinamentos de Jesus? Será que elas entendem o que é amar o próximo como a si mesmo, como Cristo ensinou? 

Em um cenário onde muitas igrejas se tornaram ferramentas de manipulação política e de enriquecimento pessoal, surge a dúvida: Onde ficou a verdadeira essência da fé cristã?

A Igreja: de lugar de oração a mercado de votos

Hoje, a Igreja, que deveria ser um lugar de acolhimento e reflexão, se transformou em um verdadeiro mercado político e de votos. De acordo com o Instituto Datafolha, cerca de 32% da população brasileira se declara evangélica. Isso significa que, a cada eleição, uma fatia significativa do eleitorado está sob a influência de líderes religiosos, muitos dos quais possuem uma agenda política clara e definida. Igrejas não apenas se envolvem em campanhas eleitorais, mas também trocam de lado, dependendo de qual candidato ou partido está oferecendo mais benefícios.

Nas periferias, isso é ainda mais evidente. Igrejas organizam caravanas para buscar fiéis e levá-los a votar em determinado candidato. Pastores utilizam a influência que têm sobre suas congregações para garantir votos para políticos, em troca de benefícios pessoais, cargos públicos ou até mesmo favores financeiros. Esse cenário não é isolado: é uma prática comum em muitas igrejas evangélicas, que agora são vistas mais como centros de poder político e econômico do que como espaços de oração e reflexão espiritual.

A hipocrisia da defesa da vida: o aborto e a pena de morte

A Bíblia, como o livro sagrado que deveria inspirar práticas de compaixão, perdão e amor, tem sido utilizada por muitos para justificar comportamentos absolutamente contrários aos ensinamentos de Jesus. Um exemplo disso é a defesa irrestrita da pena de morte por grande parte de líderes evangélicos, algo que se contradiz com o princípio cristão do perdão. 

A pesquisa “A Visão dos Evangélicos sobre a Pena de Morte” realizada em 2020, revelou que **43%** dos evangélicos no Brasil são a favor da pena de morte, contrariando os princípios de misericórdia e perdão que Jesus pregava. Jesus, que perdoou criminosos e transformou suas vidas, seria hoje contra a prática de matar em nome de uma “justiça” que se esquece da dignidade humana.

Ainda mais contraditória é a postura sobre o aborto. 62% dos evangélicos se opõem ao aborto, uma posição que, de certo modo, se alinha com a visão conservadora da sociedade. Porém, quando se trata de outros tipos de violência, como a violência policial, a morte de jovens nas periferias, ou a violência do estado, muitos desses mesmos líderes são notavelmente silenciosos. Como justificar a condenação de um aborto em casos de risco de vida para a mulher, mas defender a pena de morte, ou até mesmo apoiar um sistema penal que mata com a “justificativa” de salvar a sociedade?

Igrejas, manipulação política e a Bancada Evangélica

A Igreja Evangélica brasileira se tornou um dos maiores blocos de apoio político, principalmente na política conservadora e de direita. De acordo com um levantamento feito pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), em 2022, a bancada evangélica na Câmara dos Deputados do Brasil possui aproximadamente 210 deputados, o que representa quase 40% da Câmara. Esses deputados defendem temas como a flexibilização do porte de armas, a criminalização do aborto, a defesa de uma moral cristã conservadora e, muitas vezes, a intervenção direta em questões relacionadas a direitos humanos.

Em um cenário onde a Igreja não se limita ao campo da fé, mas invade os espaços da política com intenções que vão além da religião, surge a seguinte questão: A que ponto a busca pelo poder está corrompendo os princípios cristãos?

Além disso, muitos desses políticos são acusados de manipular suas congregações e usar o poder da Igreja para garantir apoio e votos em troca de favores. Exemplo disso é o pastor e deputado Marco Feliciano, cuja trajetória política e religiosa é marcada por diversas controvérsias e acusações de discursos discriminatórios, como homofóbicos e racistas.

Escândalos e abusos: o lado sujo das igrejas

Não são poucos os casos em que líderes religiosos têm sido presos por abusos sexuais, racismo ou corrupção. Em 2022, o pastor Valdemiro Santiago, um dos maiores líderes evangélicos do Brasil, foi alvo de investigação por manipulação financeira de fiéis e enriquecimento ilícito. Da mesma forma, o caso do Padre de Osasco, que foi preso por envolvimento em um esquema de fraude, mostra que a corrupção não escolhe religião. Este padre, além de ser acusado de golpes financeiros, também foi criticado por suas falas racistas, machistas e homofóbicas, algo completamente incompatível com o ensinamento cristão de amar o próximo como a si mesmo.

Em 2023, um levantamento do Ministério Público Federal (MPF) apontou que, ao menos 15 pastores e líderes religiosos foram presos nos últimos 5 anos por crimes como abuso sexual, lavagem de dinheiro, corrupção e até pedofilia. Estes números revelam um escândalo crescente que mancha a imagem de muitas instituições religiosas.

Adendo: as contradições que gritam

Embora muitos líderes religiosos evangélicos preguem valores morais rígidos, não faltam contradições em suas ações e discursos. Vejamos alguns exemplos que desafiam a coerência dessa postura:

– Defendem a pena de morte, mas são amplamente reconhecidos por ações missionárias dentro de presídios, pregando o perdão e a recuperação de criminosos. Se a mensagem é de redenção, por que apoiar o fim da vida ao invés da transformação?  

– Proclamam a defesa da “família brasileira”, mas muitos líderes têm um histórico de múltiplos casamentos e relacionamentos extraconjugais. Como o caso de Hélio Leonardo que acabou tirando a vida da suposta amante, após ela ligar para sua esposa que é pastora afirmando que o mesmo tem “falsa vida e pregações”. Um exemplo notório é o de alguns pastores famosos que, publicamente, defendem a monogamia e a estrutura tradicional da família, mas na vida privada acumulam escândalos de infidelidade.  

– Pedem doações incessantes aos fiéis, com a justificativa de que “Deus proverá”, enquanto acumulam patrimônios milionários. Helicópteros, mansões, fazendas e carros de luxo fazem parte do estilo de vida de alguns líderes, como mostrado na revista ”Forbes” que listou a fortuna dos pastores mais ricos do Brasil e no topo da lista, está o bispo Edir Macedo, que tem uma fortuna estimada em R$ 2 bilhões, segundo a revista, em seguida, vem Valdemiro Santiago, com R$ 400 milhões; Silas Malafaia, com R$ 300 milhões; R. R. Soares, com R$ 250 milhões; e Estevan Hernandes Filho e a bispa Sônia, com R$ 120 milhões juntos. Enquanto boa parte de seus fiéis mal consegue pagar as contas no fim do mês.  

– São contra o casamento homoafetivo, argumentando a preservação da moral cristã, mas muitos casos de abuso sexual e exploração infantil dentro das próprias instituições religiosas vêm à tona todos os anos. Dados da Câmara dos Deputados mostram que, entre 2018 e 2023, houve um aumento de 32% nas denúncias de abuso envolvendo líderes religiosos. Como essa semana o Pastor preso no RS escancara abusos em espaços religiosos, em Capão do Leão, RS, um pastor foi preso acusado de estuprar quatro crianças e importunar sexualmente uma adolescente. A Polícia Civil aponta que ele usava sua posição de líder religioso para ganhar a confiança das famílias e cometer os crimes.  

– Criticam a corrupção política, mas muitos deles estão profundamente envolvidos na política, financiando campanhas, recebendo benefícios e, em alguns casos, respondendo a processos por crimes como lavagem de dinheiro e estelionato. Como a matéria do Estadão aborda o escândalo de corrupção envolvendo pastores, propina e um gabinete paralelo no Ministério da Educação (MEC) durante o governo de Jair Bolsonaro. O caso veio à tona após denúncias de prefeitos de que pastores, sem cargos formais no MEC, cobravam propina em troca de facilitar a liberação de recursos para obras escolares. As formas de pagamento incluíam ouro, dinheiro escondido em pneus e até bíblias personalizadas com fotos dos envolvidos.

O ex-ministro da Educação, Milton Ribeiro, foi apontado como cúmplice do esquema. Ele alegava cumprir ordens superiores ao privilegiar líderes religiosos na gestão de verbas públicas. A denúncia levou à sua prisão em 2022, embora tenha sido libertado em seguida. A investigação também revelou diálogos comprometedores entre os pastores e prefeitos, destacando um esquema bem articulado de corrupção que misturava religião, política e administração pública.

Essas contradições enfraquecem não só a credibilidade de muitos líderes religiosos, mas também a fé dos fiéis que realmente acreditam nos princípios cristãos. Afinal, como defender valores tão divergentes na teoria e na prática?

Onde está o amor ao próximo?

A verdadeira mensagem de Jesus, que pregava a paz, o amor ao próximo, a compaixão pelos mais pobres e a ajuda aos marginalizados da sociedade, foi deixada de lado em favor de uma religião que hoje se preocupa mais em garantir poder e riqueza para poucos. O que se vê hoje é uma distorção do cristianismo, onde a figura de Cristo, que andava com prostitutas e doentes, foi substituída por uma teologia da prosperidade, que defende o enriquecimento de seus líderes à custa da fé dos mais humildes.

É importante refletir: quando as igrejas passaram a usar a fé como uma moeda de troca? Quando deixaram de ser um local de oração e transformação de vidas para se tornarem centros de poder, com foco no lucro e na política?

A fé não pode ser usada como ferramenta de manipulação

A religião deve ser uma fonte de luz, não de escuridão. Jesus, ao contrário do que muitos pregam, não foi um defensor de sistemas de opressão, violência ou discriminação. Ele foi, e ainda é, um símbolo de amor, compaixão e perdão. Questionar as atitudes de muitos líderes religiosos não é uma crítica à fé em si, mas sim à maneira como ela está sendo utilizada para fins políticos e pessoais. Os fiéis não podem continuar a ser manipulados por aqueles que usam o nome de Deus para atender seus próprios interesses.

A verdadeira mensagem cristã é sobre amar ao próximo, ajudar o pobre, acolher o rejeitado e perdoar os pecados. E é sobre isso que devemos refletir: Será que estamos seguindo os ensinamentos de Cristo, ou apenas as conveniências de quem manipula a fé em nome do poder e da riqueza?

Edição e revisão: Tatiana Oliveira Botosso

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