O “JE” bateu um papo com Walter Falceta, jornalista, Corinthiano e militante político. Muitos textos elogiados, livros publicados e respeitado por suas ações à frente do Coletivo Democracia Corinthiana. Ficou curioso em saber mais sobre o menino da zona leste que virou militante pela vida e jornalismo? Leia a matéria abaixo
Leia entrevista com Mc Soffia!
JE: Se apresente. Quem é Walter Falceta?
Walter Falceta Jr. é corinthiano, paulistano da Zona Leste, jornalista, produtor editorial, membro do Núcleo de Estudos do Corinthians (NECO) e atual presidente do Coletivo Democracia Corinthiana (CDC).
JE: Por que jornalista?
Porque o jornalismo nos oferece um meio de descrever o mundo, interpretá-lo, reinterpretá-lo, estimular a reflexão crítica e inspirar a mudança. O bom jornalismo relata, descreve, narra, mas também constitui a chave para o pensamento crítico.
JE: Onde foi a sua estréia como jornalista?
Comecei a atuar na Gazeta de Vila Formosa, em 1983, procurando compreender a realidade da minha própria comunidade, ou seja, da região onde nasci. Foi uma experiência dialética, em que aprendi a exercer a empatia e considerar as alegrias, angústias e demandas do povo.
JE: Qual a matéria que mais deu prazer de fazer?
No início do anos 90, havia uma epidemia de cólera no Nordeste. Quando deixava a obrigação de repórter, auxiliava a conscientizar a população sobre métodos profiláticos. Depois, investigando uma área fortemente afetada, descobri que a tubulação de abastecimento doméstico tinha uma ruptura. Por ali, a água contaminada de um rio se misturava com a água potável. A descoberta permitiu que as autoridades se mobilizassem e que muitas pessoas fossem poupadas daquela grave doença. Antes de tudo, jornalista é cidadão. Ele tem lado. E o lado é aquele do rito civilizatório, da busca pelo bem comum.
JE: Há jornalismo isento de opinião?
Claro que não. O simples fato de se escolher noticiar X, e não Y, já constitui uma opinião e uma decisão política.
JE: Qual relação do jornalismo com capital?
O jornalismo hegemônico serve, sobretudo, ao interesse da elite economicamente dominante. O capital sustenta a indústria da notícia, de modo que a define e controla. Isso não quer dizer que todo conteúdo da imprensa monopolista seja ruim, danoso ou mentiroso. É possível, com o devido filtro receptivo, encontrar material de valor na grande mídia. Hoje, no entanto, é certo que, no Brasil, os meios de comunicação estão alinhados com um projeto de Estado e governo que contraria os interesses populares.
JE: Como separar o jornalista do fã/entusiasta de uma causa ou pessoa?
O jornalista precisa ter discernimento e honestidade para relatar os fatos de maneira objetiva. Ora, se o árbitro marcou um pênalti inexistente para o time de seu coração, faz-se necessário que reporte os fatos de forma desapaixonada. O mesmo se pode dizer em relação à disputa política. No entanto, o grande jornalista sabe sempre, pelo exercício da empatia, quais são as necessidades e demandas humanas. Por isso, ele nunca pode fugir à missão de denunciar a injustiça, a opressão e a exploração. Trata-se de uma conduta cidadã, de respeito pelo outro, de prática dialética de sua atividade educativa.
JE: Falta uma maior aproximação da mídias independeres para traçarem estrategias em conjunto. Você já citou num evento de blogueiros sobre a criação de grande portal da esquerda e independente, como seria isto?
Sim, é preciso estabelecer uma sinergia entre os diversos grupos e indivíduos que produzem informação descontaminada. Um grande portal progressista seria fundamental para constituir uma matriz de informação confiável e que possa contemplar a diversidade de interesses dos atores sociais. Hoje, a grande mídia produz mais propaganda do que notícia, especialmente propaganda ideologizada. Sua ética é seletiva e poupa os infames sequestradores do patrimônio público. Ela tem sido, por exemplo, complacente com os delinquentes que tomaram de assalto o poder legislativo. O grande problema é que parte da esquerda ainda alimenta os vícios do modo de pensar pequeno burguês, individualista e egocêntrico. Portanto, é muito improvável que, no curto prazo, esses jornalistas desistam dos holofotes particulares e contribuam para uma ação cooperativa. De forma heroica, no entanto, um passo já foi dado, por exemplo, na construção da central dos Jornalistas Livres.
JE: Pensando no perfil do jornalista do inicio do século passado, o que você acha que ainda persiste no perfil atual da profissão?
Creio que muitos ainda são entusiasmados pela composição de um produto informativo que incentive a fraternidade, que garanta a liberdade e que patrocine a construção de igualdades. São considerados românticos, mas, na verdade, são aqueles que mais se apegam à realidade, os que menos se iludem com os fetiches da sociedade capitalista. Veja-se o caso do escritor Émile Zola, que, em 1898, escreveu no jornal francês L’Aurore seu famoso artigo “J’accuse”, no qual denunciava o complô conservador contra o oficial militar Alfred Dreyfus. Será que ainda temos gente assim? Temos! Basta que prestemos atenção, por exemplo, ao que foi o Observatório da Imprensa e aos portais livres de notícias. Temos uma Laura Capriglione, um Luciano Martins Costa, um Luis Nassif, e eles ainda teimam em dizer verdades, em praticar essa tal empatia, em se colocar no lugar dos que sofrem a injustiça. O jornalismo mudou, obviamente, mas o espírito generoso e atrevido dos bons jornalistas sobrevive.
JE: No passado via-se o jornalista como figura importante no cenário político. E hoje, em que cenário a participação jornalística mais se destaca?
O jornalismo é hoje constituído, em grande parte, pela agenda política de determinados setores da lida produtiva. A mídia hegemônica frequentemente despreza o interesse público e trabalha por determinados interesses privados. A patrulha nas redações é cada vez maior. Exige-se rigor total contra uns; complacência total contra outros. Neste sentido, até mesmo o credo liberal está sendo pisado neste país. O interesse corporativo define a linha editorial e também a expressão do profissional de imprensa. Quem não segue o script acaba desempregado e compelido a sobreviver nas margens do grande sistema de informação.
JE: Qual é o tipo de postura pessoal e profissional que um jornalista, teoricamente, deve ter? (Ética e imparcialidade, (co)exitem?)
O termo “ética”, no sentido que lhe deram Aristóteles e Spinoza, foi totalmente desconstruído no Brasil contemporâneo. A “ética” deste Brasil, propagada por grupos como o MBL, está sendo definida por um juristocracia partidarizada e se constitui num termo maroto que visa a criminalizar o adversário político.
JE: Quais as diferenças de perfis entre profissionais de rádio, impresso e TV?
Existem diferenças do ponto de vista técnico. Um bom jornalista de texto pode não ser um ótimo orador. Assim como um bom âncora de TV pode não ter a capacidade investigativa de outro, que não aparece diante de microfones e câmeras. São, portanto, questões relativas a capacidades que se casam com as exigências do canal. No campo dos valores, no entanto, não existe qualquer diferença.
JE: Com o avanço das mídias virtuais, há cada vez mais jornalistas adeptos aos blogs. Em sua opinião, isso afeta a questão da imparcialidade? Até que ponto um jornalista pode expressar suas ideias?
Há blogs para todos os gostos. Alguns difundem verdades; outros, mentiras. Muitas vezes, a falsidade não deriva de incompetência, mas de ação deliberada para prejudicar uma pessoa, empresa ou instituição. O problema é que a Internet deu vez e voz a idiotas e irresponsáveis, como alertou Umberto Eco pouco antes de partir. Os blogs são maravilhosos quando expõem as ideias de quem pugna pelo bem comum, de quem luta por justiça, igualdade e fraternidade. São péssimos quando servem como fontes de difusão de calúnias e difamações. A questão, neste caso, é a responsabilidade pela informação produzida. Em um mundo de juristocracia viciada, frequentemente o agente produtor da mentira não vê limites a sua delinquência.
JE: Quais as principais características exigidas para o perfil jornalístico atual?
A não obrigatoriedade do diploma interfere nisso? Creio que um bom curso de jornalismo possa fazer um profissional melhor. E não se trata somente de formação técnica, mas também de formação humanística. Fui aluno do curso de jornalismo da PUC-SP e aprendi muito ali, com mestres admiráveis. Seria excelente se todos os profissionais pudessem viver uma experiência educativa dessa natureza. Um bom jornalista não precisa saber de tudo, mas precisa encarnar as dúvidas do leitor-ouvinte-telespectador, de modo que deve estar preparado para formular as boas perguntas.
JE: Com o processo de globalização à tona, a agilidade da divulgação é enorme. Partindo desse ponto, o jornalista estaria tratando as notícias de forma apenas superficial?
Muitos estão, sim, sem o devido cuidado, sem checar fontes e registros primários. É assustador porque a informação massificada pode gerar danos irreparáveis à sociedade. Tempos atrás, uma profissional adiantou-se em interpretações equivocadas sobre a suposta epidemia de febre amarela no Brasil. Suas informações equivocadas, carentes de confirmação técnica, geraram pânico, induziram a condutas inadequadas e produziram vítimas. E o que dizer do caso Escola Base, em que pessoas foram injustamente acusadas de abusar sexualmente de crianças? Os jornalistas que cometeram esse crime de calúnia estão por aí… Os donos da escola, depois de experimentar a falência, recolheram-se à depressão, cederam à doença e hoje estão mortos.
JE: Quais suas referências jornalísticas (livros e jornalistas)?
Palmas para o meu amigo Xico Sá. Outros eu já citei aí para cima. Palmas para o Glenn Edward Greenwald, corajoso e responsável. Livros? São tantos. Sugiro “A Privataria Tucana”, do Amauri Ribeiro Jr. e “OBrasil”, do Mino Carta.
JE: Pensando uma linha do tempo no jornalismo o que mudou e se mudou para melhor?
Mudou foi a tecnologia. Antigamente, somente o dono do jornal e seus funcionários podiam se expressar. Hoje, um blog produzido com custo reduzido pode, de alguma forma, divulgar o outro lado da notícia, mostrar a natureza oculta dos fatos. Isso é importante.
JE: Qual a entrevista que não fez e queria fazer?
Queria ter entrevistado Malatesta, Gramsci, Gandhi e Luther King.
JE: Quando surge a consciência de classe do menino Walter?
De uma família de imigrantes europeus que vão viver no Bom Retiro, e que passam por muitas provações. De outra família que vem do interior. Minha mãe foi operária.
JE: O Corinthians ajudou na sua formação politica? Como?
Porque o clube surgiu justamente no Bom Retiro, não somente para jogar futebol, mas para dar vez e voz aos “subalternos”. Era o clube dos ferroviários, dos carroceiros, dos operários, dos pequenos comerciantes, dos pintores de paredes, das lavadeiras, dos estudantes. Ou seja, era o lugar onde havia um projeto de democracia, onde se estimulava a cooperação entre os diferentes. O Corinthians é uma instituição popular magnífica, que inspirou protagonismos, que ajudou a constituir a alma resistente do Brasil. Sem discriminar, acolhendo os irmãos negros, os imigrantes de todos os cantos, os trabalhadores dos mais diversos setores, o Timão contribuiu para fazer avançar o rito civilizatório.
JE: Como nasce o Coletivo Democracia Corinthiana? Quais os projetos futuros para o coletivo?
Surge de convergências, de aspirações comuns por democracia, liberdade, igualdade e fraternidade, mas também da luta comum de corinthianos contra o racismo, o machismo e a homofobia. Surgiu nas jornadas populares de 2016, mas se organizou em atividades também educativas, culturais e esportivas. A proposta é desenvolver essas atividades, como o Cine-CDC (exibição de filmes e debates), o CDC-Escola (com oficinas em unidades de ensino) e as ações com os jovens de MSEs, ou seja, que se submetem a medidas sócio-educativas.
JE: Como você vê a situação politica do Brasil, já pensando 2018?
É um tempo nublado, no qual as forças do atraso parecem vencer todas as batalhas, sobretudo em razão da postura partidarizada dos MPs e de parte do judiciário. Ao mesmo tempo, a mídia hegemônica constituiu uma blindagem dos bandoleiros que estão pilhando a Nação. Mas, como diz Chico Buarque, vai passar… Não sabemos quando, mas a nova organização progressista, em coletivos e grupos autônomos em rede, vai fazer a diferença. Pode demorar, mas, como dizia Belchior, o novo sempre vem. 2018 está logo aí. Não podemos esperar grande progressos até lá, especialmente porque parte da opinião pública está anestesiada e iludida pela propaganda conservadora, nas grandes mídias e também nas redes digitais. Vai demorar a volta por cima.
JE: Por que uma parte da esquerda ainda esta distante da periferia?Como fazer esta aproximação com ações concretas?
Essa ação passa pela reflexão crítica que a esquerda partidária precisa fazer. É preciso ter humildade para reconhecer erros e construir uma nova malha de interesses e colaborações, sobretudo nas periferias. O PT, de forma especial, começou sua jornada em núcleos de bairro, posteriormente abandonados. Esse distanciamento custou-lhe caro. Há novos coletivos jovens, muitos deles na área de cultura, que estão refazendo esse tecido esgarçado. Essa nova esquerda que surge precisa olhar mais para o processo dinâmico de difusão da informação, para os interesses legítimos e transversais (como a luta contra o machismo) e constituir células realmente dinâmicas, com poder de voz. A nova esquerda precisa revisitar a biblioteca e aprender com os coletivos anarquistas, do Século 19, bem como com os operários que fizeram o movimento de 1917. É preciso horizontalizar as ações, descentralizar o poder decisório e atuar em rede. A rede dá sustentação e força à ação popular transformadora.
JE: Como o jornalismo independente pode contribuir nesta reconstrução?
O jornalismo independente faz parte dessa rede. Ele garante a capilaridade. Faz com que a boa informação circule e mobilize os grupos que compõem esse grande organismo de mobilização. Ele, ao mesmo tempo, rebate e pulveriza a falsa informação. Depois dos ataque nazistas de Charlottesville, por exemplo, muita gente oportunista, especialmente na mídia conservadora, tentou rotular o nazismo como “esquerda”. Obviamente, é uma distorção histórica criminosa, porque o nazismo e o fascismo são comprovadamente de extrema direita. Basta recordar o que fazia o Einsatzgruppen, da SS, empenhado em assassinar comunistas, socialistas e anarquistas. A mídia alternativa precisa recordar essas verdades, para que os jovens, especialmente, não sejam cooptados pela forças do atraso.
JE: Jornalismo da mídia velha tem parcela de culpa no que vivemos hoje? Comente.
Sem dúvida. A grande ilusão conservadora, muitas vezes de viés fascista, tem sido propagada pela velha mídia oligopolista.
Respostas de 8
Escale o Paulinho
Obrigado por sua opinião, continue nos acompanhando!
Anderson, Nosso amigo e companheiro Walter Falceta é Socialista e Comunista. Como pode estar à frente de um movimento que se chama “Coletivo Democracia Corinthiana “? Há uma incoerência ai, não acha. Ele está conosco ou não? Democracia ou Socialismo? Acho melhor definir isso corretamente.
Obrigado por sua opinião, continue nos acompanhando!
Excelente seu comentário!!1
Obrigado, Maria e continue nos acompanhando!
JE: Quais as principais características exigidas para o perfil jornalístico atual?
A não obrigatoriedade do diploma interfere nisso?
Foi uma pergunta do entrevistado em resposta a indagação? Não entendi essa resposta.
Obrigado por nos acompanhar, Gustavo.