Carnaval das Escolas de Samba, grupo especial no Sambódromo: samba apoteótico para consumo da alegria negra construída sobre as ruínas diaspóricas de terreiros, sobre o sangue e roubo causados a partir de perseguições policiais em espaços sagrados de rica história afro-brasileira. Festa pacificadora dos conflitos gerados pelo racismo estrutural desinibido do Brasil, em especial no Brasil de Bolsonaro, de Witzel e de Crivella.
Nessa noite, porém, a democracia racial e o Brasil cordial foram “desacatados” e o simbolismo cristão foi confrontado pela realidade vivida entre o discurso e os atos. A beleza incômoda trazida na percussão em luto, no protagonismo negro da dor e da luta, no samba-reza, na história que afeta aos negros, mulheres e indígenas estragou a alegria eufórica e fácil do entretenimento turístico. A Sapucaí era palco dos universos negros e com a chancela da fantasia e da festa, mega produções do suor e sangue comunitários chamadas “Escolas de Samba” trouxeram uma estética negra atravessada por suas próprias temáticas e sujeitos: “Escola de Samba e de Vida”.
Colocar lado a lado, em mesmo tamanho e reverência, Oxum e Cristo foi uma transgressão. Quando o povo escolheu o Deus que lhe representa…e esse Deus é imagem e semelhança do negro, da mulher e do indígena…aí foi demais! A festa transgressora que torna a Páscoa sagrada vestiu o maior símbolo ocidental do poder religioso com a denúncia de tortura e genocídio de jovens negros, favelados, mulheres e indígenas.
Lembrando que em 1989 Joãozinho Trinta (Ratos e Urubus: Larguem Minha Fantasia/Beija-Flor) foi proibido de mostrar a humanidade dos mendigos no corpo de Jesus e por isso nos levou à Avenida o Rei dos Homens coberto por um plástico preto, evitando associar Cristo aos mendigos. Sob o pretexto de profanação do sagrado, o que vimos foi um Deus desfilando sob violenta censura em visibilizar o sofrimento dos pobres. A que ponto chega a disputa pelo poder da visibilidade! Na época foi a Igreja Católica que se ofendeu, no atual carnaval foram Igrejas Neopentecostais de poder político constituído e os cristãos de arma na mão.
E assim caminha a resistência e a luta pela liberdade: gingando entre brechas, becos e quebradas em uma eterna alternância entre opressão e empoderamento. Não tem consenso, tampouco cordialidade. Seja no Brasil que redemocratiza pela anistia, seja no Brasil que usurpa os direitos dos seus. Salve o carnaval dos pretos livres!
Pense numa imagem que grita mais que mil surdos. Pense nos surdos número 1 da Mangueira, vestida de luto e coragem e com a letra dizendo: “Eu sou da Estação Primeira de Nazaré/ Rosto negro, sangue índio, corpo de mulher/ Moleque Pelintra no Buraco Quente/ Meu nome é Jesus da Gente (…)”– Manú da Cuíca e Luiz Carlos Máximo. Dissolvidos muros e distâncias e esvaziados argumentos e apelos. Não importa a religião que lhe represente, esse foi um exercício de contra-visibilidade cristã de dimensões ainda não processadas.
Revelada nas críticas a utilização do atual Cristianismo para dominação e privilégio – visto a indignação contra o menino negro de cabelo platinado, cravejado de tiros crucificado como Cristo – também nos remete ao tempo em que os escravizados eram desconsiderados como humanos por não serem dotados de alma (em 1995, o Papa João Paulo II pediu perdão pelo apoio da Igreja Católica à escravidão de negros e indígenas). Passados 25 anos, já em pleno século XXI podemos ressignificar a crueldade de Estado contra minorias seculares na reza do samba: “Favela, pega a visão/ Não tem futuro sem partilha/ Nem Messias de arma na mão (…)”. O Estado ainda decide quem mata e quem morre, decide qual o corpo pode ser violado e decide em quais espaços as guerras inglórias devem ocorrer, perpetuando o poder dos mesmos sobre o passado e o futuro dos valores morais e sagrados da desigualdade.
E a luta pela liberdade não para. E teu samba é uma reza. E teu poder é a Criação. Toda vida carrega o sagrado, é o que a cultura negra nos ensina, seja da religião que for. E se isso não é percebido, então são o cristianismo e a fé que estão na Cruz, em corpo de criança, de mulher, de índio e de negro. A disputa pelo poder cristão é a disputa pelo poder da vida e da morte, pelo poder de condenar corpos à morte e à violação e pelo poder de se apropriar das terras e das riquezas desses corpos perseguidos, violados e mortos, seus legítimos guardiões. O racismo existe e move as estruturas de poder e decisão!
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