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A verdade sobre o “Largo da Forca”

A Praça da Liberdade mudou de nome para Praça da Liberdade-Japão. O Metrô resolveu acompanhar e a Estação Liberdade passou a se chamar Estação Liberdade-Japão. A classe política quis homenagear a comunidade japonesa, como se na cabeça das pessoas o bairro da Liberdade não remetesse automaticamente ao Japão e à cultura japonesa.

É um completo absurdo. Além de ser uma perda de tempo aprovar projetos de lei como esses, alterar denominação de um lugar implica despesas com alteração de placas, guias, mapas e toda comunicação visual de todos os órgãos públicos. Não preciso também frisar que lá não vivem apenas nipo-brasileiros, havendo também um sem-número de chineses e coreanos, e seus descendentes. Mas o negócio vai mais além.

A Praça da Liberdade (agora Liberdade-Japão), muito antes da chegada da comunidade japonesa, se chamava Largo da Forca, pois era palco de execução de escravos negros fugitivos e condenados à pena de morte. Foi, aliás, por causa de um negro que a praça e o bairro foram chamados de Liberdade. Em 1821, um soldado chamado Chaguinha, condenado à morte por liderar uma rebelião por pagamento de soldo, sobreviveu a duas tentativas de enforcamento, ao que o público atribuía a um milagre e passava a gritar “liberdade” – só foi morto após o carrasco usar um laço de vaqueiro. Chaguinha, então, se tornou um santo padroeiro do bairro e protetor da Capela dos Aflitos, onde esteve antes de ser levado à forca, e da Igreja Santa Cruz dos Enforcados, construída décadas mais tarde em frente à praça.

O bairro da Liberdade nasceu sobre um cemitério a céu aberto, o Cemitério dos Aflitos, construído em 1774, onde eram enterrados pobres, indigentes e escravos (os mais ricos eram enterrados em igrejas). Quase na mesma época, em 1779, foi erguida a Capela dos Aflitos. Também foi o bairro em que, após a abolição da escravidão em 1888 e sem direitos básicos, a população negra se concentrava em busca de trabalho. Era inegavelmente um bairro negro. Com a chegada de imigrantes e políticas de Estado de embranquecer o centro de São Paulo, iniciou-se um processo de gentrificação que empurrou a população pobre e negra para as periferias da cidade.

A memória do povo negro da Liberdade foi apagada. Praticamente hoje não há referências ao período de horrores. E agora um empresário japonês do ramo de cosméticos está disposto a consolidar ainda mais esse processo, como se reformar a Praça da Liberdade com recursos próprios fosse um ato de benevolência que exigiria do Poder Público um ato de gratidão (na verdade, o empresário ganhará espaços de publicidade no local). É bem lamentável usar uma (desnecessária) homenagem a nikkeis para reforçar uma política histórica de antinegritude.

Nota: Após a morte do soldado Francisco Xavier da Chagas, o Chaguinhas, foi erguido em sua homenagem no local uma cruz, a “Igreja Santa Cruz das Almas dos Enforcados”, que veio a dar origem à capela Santa Cruz das Almas dos Enforcados, até hoje no bairro em frente ao metrô.

 

Por Andreia Oliveira, Iyawo de Yemoja, da CCRIASango (Comunidade da Compreensão e Restauração Ile Ase Sango), artista, militante, professora de arte da rede

NOTA

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Respostas de 10

  1. Concordo integralmente! Não sou contra a resignificação de espaços público, mas não concordo com o apagamento da nossa história e das pessoas que fizeram parte da construção desses espaços. Essas pessoas trabalharam duro, participando e enriquecendo a cultura da cidade e do país.Mas infelismente as elites e o poder público promovem o esquecimento ao invéz de incentivar o resgate dessa história perdida.

  2. Impressionante como o poder financeiro funciona como um Mata Borrão apagando nossa história, tenho quase setenta anos e nunca soube destes relatos

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