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A ascensão da extrema direita e o eterno sono da sociedade

Vivemos um momento crítico da nossa história, da história da humanidade. Um momento que nos faz questionar o rumo das sociedades e, internamente, as nossas próprias concepções.  Às vezes nos deparamos com pensamentos como: será que as coisas estão tão erradas? Somente eu fico perplexo com situações como essa?

Recentemente, soubemos que Netanyahu voltou a atacar a Faixa de Gaza. Lembramos que o conflito entre Israel e os palestinos teve um apogeu recente, no ano de 2023, quando o Hamas assassinou mil e duzentos israelenses e sequestrou outras duzentos e cinquenta pessoas. Depois disso, Israel começou a sua incursão sobre a Faixa de Gaza, que levaria à mais de cinquenta mil mortes.

Depois do acordo de paz, Israel voltou a atacar a Faixa de Gaza porque, nas palavras de Netanyahu, ainda existem israelenses a serem libertados. Então, pela libertação de algumas dezenas, ou uma centena de israelenses, ainda vivos, Israel matou em três, quatro dias, mais de quatrocentas pessoas. Quatrocentas vidas. Vamos voltar para esse conceito. A verdade é exatamente essa que está escrita. Eu vou repetir. Pela libertação de algumas dezenas, ou um pouco mais de uma centena de reféns, vivos, Israel matou mais de quatrocentas pessoas, e dentre estes, mais de uma centena de crianças.

Como podemos classificar esse tipo de movimento? Como um absurdo, apenas a ponta do iceberg, extremidade à mostra de um genocídio que se estende por mais de um ano.

E qual é a posição oficial dos países satélite? Que opinião professam a respeito? Eles respondem com um distinto silêncio. Recentemente, o première do Canadá se posicionou contra as tarifas americanas, adotadas pelo governo Trump. A aparição foi documentada em várias mídias. Outras comunicações, com um molde semelhante, aconteceram por essas semanas. Para o mundo, tarifas alfandegárias são mais importantes do que o assassinato de centenas ou milhares de crianças.

Apenas uma palavra sintetiza uma reação coerente à essas situações. O absurdo. Não aquele de que falava o existencialista Camus, mas outro, que em parte conversa com ele. A perplexidade é tão comum que se transforma em um personagem dos nossos dias. Ela se revela nessa e em inúmeras outras situações.

No Brasil e no Mundo, acompanhamos o silencioso crescimento da direita. Com bandeiras radicais e apologia ao nazismo, a extrema direita alemã voltou ao poder, após décadas de governos moderados. Essa vitória faz parte de um fenômeno humano. Eduardo Bueno recentemente dizia que, por muito tempo, a intolerância e a perversidade eram vistos como algo errado ou mesmo grotesco. Hoje, esses comportamentos são defendidos abertamente por alguns. Vistos mesmo como razão de orgulho para uma minoria.

O deputado federal Gustavo Gayer, há poucos dias, comentou que Lula “ofereceu Gleisi Hoffmann como um cafetão oferece sua funcionária em uma negociação entre gangues”. Percebam, de novo, a falta de decoro, a zombaria. Alguma ressonância acontece em parte da sociedade. Ninguém fala algo assim sem aliados, sem iguais que amparem esse comportamento. Esse mesmo parlamentar, sincero aliado do bolsonarismo, tem por anos atacado os professores. Segundo ele, seriam eles, e não os políticos, um dos grandes males do país. Meses atrás, ele comparava os nordestinos com galinhas.

Para entender o personagem, vale voltar ao passado. Há duas décadas, esse deputado que contabiliza dois milhões de seguidores envolveu-se em um acidente, por estar dirigindo bêbado, colisão que resultou em duas mortes, deixando uma terceira pessoa paraplégica. Tudo isso não é um comportamento normal. Nada disso tangencia, nem que vagamente, a mínima sensatez. No entanto, esse homem é adorado por multidões. Como é possível que aconteça? A sua influência se perpetua pelas das ferramentas da direita extremista. Um discurso repetido à exaustão. A referência hipócrita ao país e a temas religiosos chancelando as posições mais absurdas. Novamente, essa é uma estratégia comum da extrema direita. O absurdo sob o verniz das pautas universais.

Quando, há dois anos, no Congresso Nacional, o deputado Nikolas Ferreira colocou uma peruca amarela e disse que “se sentia uma mulher transexual e por isso teria um lugar de fala”, ele não ensaiava uma aposta vã, um teatro desligado das consequências. O deputado zombava de mulheres e transsexuais porque, certamente, já havia reproduzido mímicas parecidas, em casa ou, pior, no congresso, para os seus respectivos pares. Organismos o aceitavam como um igual, exatamente como ele é.

Essas pessoas, ontem e hoje, se divertem com esse “tipo de brincadeira”. Felizes, se agregaram ao redor da figura. Igualmente, compartilham das suas ideias e se sentem representadas. Somente isso explica os dezessete milhões de seguidores do instagram. Muito provavelmente, em um outro tempo, elas teriam vergonha desses posicionamentos, mas agora elas se sentem livres. Livres e felizes. Esse modo particular de enxergar o Mundo não brota simplesmente do nada. 

Somos um país de muitas vozes e culturas, e em algum momento, antes e agora, se desenvolveu um atrito ou estranhamento. No entanto, o cenário não é suficiente para germinar a intolerância em qualquer organismo minimamente sensivel. Não é possível que alguém se use desse álibi. Anos atrás, o líder máximo desse bando- porque esse é o nome mais apropriado para o coletivo – dizia que os quilombolas só sabiam procriar. Ele também se divertiu com uma repórter de traços orientais que o entrevistou. Quando indagado, sempre resmungava, repetindo uma criança birrenta. Com certeza, fora reprimido tantas e tantas vezes. Da mesma forma, seria o tio desagradável do bar, aquele das falas inapropriadas. Seria, e no entanto, não é. Ele não é porque estava em Brasília. Ocupava um elevado posto e se tornou presidente, porque uma multidão o apoiava. Divertiam-se com ele.

Bolsonaro não aparece só. Ele existe porque pessoas o apoiam. Existem outros, exatamente como ele. Incrível isso. Outros organismos pensam da mesma forma. Quando questionado, agora e no passado, responde que não fez nada, que não riu das mulheres, dos negros, dos mortos pelo Covid-19. Não, não se trata de uma agressão.  E a violência do comportamento, às custas de repetir-se indefinidamente, se atenua, se não para todos, com certeza, ao menos para aqueles que o replicam no seu cotidiano. Para os que zombavam dos negros, dos velhos, dos pobres e de tantos outros coletivos.

Hannah Arendt estudou esse fenômeno. Ela dizia que o mal é um fenômeno social, com a capacidade de se reproduzir em qualquer pessoa, desde que se abdique do exercício da reflexão. Quando deixamos de refletir, de ponderar os nossos atos, estamos suscetíveis a fazer o mal. Nos exemplos acima, e em tantos outros episódios cotidianos, que certamente se propagam, acompanhamos a banalização do mal, tão cuidadosamente descrita pela filósofa. São tantos os miseráveis na nossa sociedade, porque vivermos como se não existissem? A indiferença é um pensamento ancestral, pai de outros que se ramificam. Eles tem semeado o nosso chão, envenenando o homem moderno.

Quando Netanyahu ataca, ainda mais uma vez, crianças e civis inocentes, ele se usa do mesmo exercício. A banalização do mal. Ele sabe que estamos, a cada dia, mais e mais insensíveis.

O homem moderno deve estar atento. Cultivar a sua capacidade de sentir, de perceber a dor do outro, um ser humano igual a nós que, ainda que nos olhe de baixo, de forma alguma é um organismo menor.

Revisão e edição: Tatiana Oliveira Botosso

NOTA

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