“O Governo Federal vai fazer a cessão da área gratuitamente para o Governo do Estado. Como podem pessoas pobres ter que pagar por isso?” – Líder da Associação da Favela do Moinho.
Moradores da Favela do Moinho em Campo Elíseos, SP receberam o comunicado em agosto de 2024 pela CDHU (Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano) informando a necessidade de desocupação da área para remoção administrativa de moradia referindo-se à transferência de uma pessoa de uma área para outra, medida esta aplicada muitas vezes por decisão do poder público. Essa transferência pode ser motivada por diversas razões, como obras públicas, projetos urbanísticos ou a necessidade de revitalização de uma área. Em alguns casos, a remoção pode ser acompanhada de programas de reassentamento ou indenização para os moradores afetados.
O site do Governo de SP detalha a desocupação da área da Favela do Moinho como um projeto que está dividido em duas frentes de ação, e, para isso, a Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Habitação (SDUH) pleiteia junto ao Governo Federal a cessão de parte da área da Favela do Moinho pertencente à União para a construção do equipamento público.

Primeiramente, a CDHU realizará a conversão das áreas entre trilhos no Parque do Moinho com pontos de conexão com a área urbana para a passagem de pedestres e bicicletas. A segunda frente de ação será a implementação de um polo de desenvolvimento urbano potencializado para a implantação da Estação Bom Retiro.
O governo afirma em seu discurso que há um repertório de soluções habitacionais amplo para garantir uma nova moradia digna para os moradores que estão sendo obrigados a sair de suas casas, como Carta de Crédito Individual, Carta de Crédito Associativo, Apoio ao Crédito em parceria com os programas federais e Auxílio-Moradia Provisório. Na prática, esse repertório se mostrou insuficiente e falho, e a favela clama por justiça e um plano de reassentamento que de fato garanta uma moradia digna a todos – chave por chave.
A equipe do Jornal Empoderado visitou a Favela do Moinho no último sábado (26/04) e apurou em entrevista com comerciantes, moradores e liderança da Associação, os detalhes de como o processo de remoção tem sido administrado e os desafios que os moradores enfrentam na luta pela defesa dos direitos à moradia.

Resistindo ao despejo, Liderança da Associação conta que três solicitações de regularização fundiária da Favela do Moinho foram protocoladas com apoio da equipe de Arquitetos e Engenheiro da Peabiru na expectativa de regularizar e impedir a desapropriação da área mas, todas foram negadas pelo SPU (Secretaria do Patrimônio da União). Mediante a tantas negativas, a possibilidade de um plano de reassentamento que visava uma medida para garantir que as famílias afetadas fossem reparadas de maneira equitativa e adequada foi apresentado pela União e um acordo foi firmado nas mesas de negociações entre a CDHU, SPU e a Associação de Moradores da Favela do Moinho onde apenas após receber a aprovação do plano por parte dos moradores, os órgãos responsáveis teriam permissão de avançar com o projeto.

Acordos firmados e mesas de negociações em andamento, não foram o suficiente para impedir as visitas constantes da CDHU à favela, que insistiam na desapropriação do local e como forma de opressão em parceria com a Polícia Militar comércios foram fechados, comprometendo a principal fonte de renda dos moradores – o ferro-velho, acarretando em desemprego de diversos catadores, relata Liderança da Associação ao Jornal Empoderado.
Recusado pelos moradores, o plano de reassentamento apresentado pela SPU continha tópicos como plantas de imóveis de apenas 24m², condomínio de R$ 400,00 mensais e políticas de crédito que comprometiam 20% do salário. Em busca de acordos com melhores condições, a Associação informa aos demais órgãos, no dia 24 de março, a decisão da comunidade em não seguir com o plano e um novo acordo é estabelecido – uma contraproposta deverá ser apresentada por parte da Favela do Moinho e será submetida à avaliação.
Aguardar uma contraproposta por 24 horas foi o suficiente para que a CDHU adotasse uma nova abordagem de negociação, rompendo a comunicação ao estrategicamente ignorar a Associação e abordar individualmente os moradores, utilizando um discurso capcioso, omitindo as negociações em andamento e afirmando para os moradores que, se não aceitassem o plano de reassentamento inicial, ficariam desamparados e sem nenhum acordo ou retratação financeira. Membros da associação relatam em Audiência Pública realizada nesta segunda-feira (28) na Alesp, que se sentiram ameaçados e expostos ao risco com a estratégia adotada. Liderança da Associação ressalta em entrevista ao Jornal, que em toda iniciativa de desapropriação da área, teve em paralelo uma repressão policial com batidas constantes com o intuito de utilizar o medo para forçar a desocupação da área.

Teresa Quispe, imigrante peruana no Brasil há 30 anos e moradora da Favela do Moinho há 10 anos, reflete em seu depoimento o sentimento que acompanha o processo da remoção – confusão, nervosismo e ansiedade. Com falas como “Nos prometem algumas coisas e não temos a certeza de que irá acontecer”. Mais adiante, Teresa explica: “Não me parece que aquilo que estão nos oferecendo vai acontecer rapidamente. Solicitaram os meus documentos para registro e logo em seguida nos mandaram procurar apartamento, mas, até o momento, só estamos recebendo o bolsa aluguel, não temos confirmação de que o apartamento vai ser nosso.” E finaliza com a angústia da incerteza: “E se a gente já saiu e recebemos o mês do auxílio-aluguel?” E o benefício corta, a gente fica na rua. E aí, é por nossa conta ?… essa é uma dúvida que fica”.
O sentimento não é diferente com o Seu Valeriano Ferreira de Jesus, que após 30 anos de luta e trabalho como pedreiro se vê forçado a ir morar com o filho aos 80 anos. Seu Valeriano conta ao Jornal ” Bati colher por 30 anos, nunca deixei voltar uma carta pra minha família na Bahia, falando que estava roubando, sempre trabalhei e dei orgulho pra minha família“


O fato de precisarem abandonar em massa e as pressas suas casas, tem causando um comportamento preocupante nos moradores – o abandono em massa de seus cães. Pedro morador do Moinho comenta ao JE que está preocupado com os cachorros da favela e o que farão com eles.
Resistindo à pressão, Liderança da Associação conta ao jornal que indagou a CDHU o porquê de desatenderem as ordens da SPU, considerando a ausência de um plano de reassentamento aprovado e a área ainda pertencer ao Governo Federal e não ao Estadual. Em resposta, a CDHU declarou: “Não precisamos da cessão da área para oferecer moradia para as pessoas”. Em revolta pela quebra do acordo, moradores organizaram um panelaço na Câmara Municipal, atraindo a atenção da SPU, que afirma em declaração que “Não haverá demolições na Favela do Moinho”. Após o pronunciamento, a CDHU agenda novas demolições.

Manifestações contra as medidas adotadas pelo Estado em desacordo com os moradores da área têm tomado as ruas da última favela do Centro de SP, com resposta ostensiva de dispersão de multidões pela Polícia Militar aplicando spray de pimenta e bombas de efeito moral. Liderança da Associação afirma que medida de barricadas instalada nos arredores da Favela do Moinho, impedindo a entrada e saída de todos os veículos, como transportes essenciais para o funcionamento da comunidade, como vans escolares, é uma resposta da CDHU às manifestações que resistem às medidas de remoção administrativa. Dados da CDHU apontam que na área há 47 comerciantes, depoimentos refletem o sentimento de pressão sofrido pela medida adotada, como a Maria Auxiliadora, comerciante há 14 anos, que, mediante a impossibilidade de entrada ou saída de veículos da favela e a forte presença policial afastando os clientes, não vende há dias e lamenta ao prever o fechamento do comércio.
Maria compartilha com o Jornal que para além das opressões, seu dia de trabalho também é ameaçado quando chove, ela relata que após medida do Estado de trocar o encanamento para a gestão da Sabesp, um tampão foi instalado e agora toda vez que chove as ruas são alagadas e a circulação de pedestres é totalmente comprometida. Desmistifica também o pré- conceito de que moradores de favela não pagam contas básicas como o saneamento básico, apresentando sua leitura de conta de água do mês mas, com um diferencial, a da Favela do Moinho não tem CEP.

A SPU recebeu e encaminhou para o Estado um ofício dos moradores que solicitam na contraproposta do plano de reassentamento novas medidas, como aumento do auxílio aluguel de acordo com o custo médio de moradia do Centro de SP e indenização para os comerciantes. Mas, quanto seria necessário para ressarcir a perda da única fonte de renda não só dos donos, mas também de diversos funcionários? O Jornal Empoderado, procurou respostas ao conversar com a comerciante Cíntia, moradora há 18 anos e dona de uma padaria há 11 anos que ao tentar mensurar um acordo adequado que justificasse uma pacifica saída da Favela do Moinho, se emociona ao refletir sobre “É difícil dizer.. eu não sei” “Essa padaria aqui eu construí tudo, quando eu comecei a lanchonete era tudo na madeira” mas adiante Cíntia relaciona o valor sentimental de deixar para trás as relações e negócio construído durante 18 anos na Favela do Moinho “Quando eu vim pro Moinho {..} , eu tinha 3 crianças .. eu vendi tudo pra estar aqui no Moinho, foi aqui que eu finalizei os meus estudos” “A maioria das pessoas aqui não são os meus clientes são a minha família”. E exemplifica relação de carinho, recordando uma história de parceria onde o seu concorrente e vizinho, que naturalmente deveria ser o seu rival, mostrou solidariedade ao ajudá-la a finalizar a reforma da padaria quando o dinheiro foi insuficiente. “Então isso é a comunidade, em que outro lugar alguém ajudaria um concorrente na falência?” Isso é o Moinho”.

O caso de desocupação forçada obteve proporção nacional, diversos políticos tem se posicionado perante o caso como a Deputada Estadual Leci Brandão (PCdoB) que compartilhou em suas redes sociais “Eu não posso me calar diante do que está acontecendo com a Favela do Moinho. Qualquer projeto urbano precisa, antes de tudo, respeitar a vida das pessoas que vivem ali. O progresso não pode ser construído em cima da dor de famílias que só querem o direito de existir com dignidade. Apoio a decisão do governo federal de exigir mudanças no plano de remoção proposto pelo governo estadual. Antes de qualquer obra, é preciso garantir moradia digna, escuta verdadeira e respeito. Eu estou ao lado do povo. Sempre estive, e sempre estarei”.
Entramos em contato com a CDHU e até o fechamento da matéria não obtivemos retorno. A Favela do Moinho segue resistindo e em protesto.
Créditos :
Entrevista – Anderson Moraes
Audiovisual – Iná Henrique Dias e Fernando Sato
Redação e revisão – Natália Leles