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Lideranças negras no governo: conheça Ludymilla Chagas

No Brasil, ainda enfrentamos inúmeros desafios relacionados à representatividade negra nos espaços de poder. Apesar de alguns avanços, a presença de negros e negras em posições de liderança e tomada de decisão continua limitada – de acordo com a pesquisa Lideranças Negras no Estado Brasileiro (1995-2024), atualmente, somente 39% dos cargos de liderança no Poder Executivo Federal são ocupados por pessoas negras (pretas e pardas) e indígenas. Essa sub-representação tem raízes profundas no racismo estrutural, que nega à população negra a chance de ver seus interesses representados por lideranças comprometidas com suas demandas e realidades. Ainda assim, em meio a um cenário desanimador, alguns nomes ecoam como gritos de esperança. Um deles é Ludymilla Chagas.

Ludymilla é chefe da Assessoria de Participação Social e Diversidade (ASPAD), bacharela em Relações Internacionais e pós-graduada em Direito Internacional. Mas, primeiramente, ela é uma mulher negra, periférica, candomblecista, filha da professora Cristina e do taxista Sérgio. Também é cria da comunidade Cidade de Deus (RJ), onde aprendeu sobre resistência, pertencimento e a força das raízes comunitárias. Sua história na militância teve como inspiração a sua avó Esmeralda, que abriu caminhos para que Ludymilla pudesse ocupar diversos espaços, por meio da sua vivência e sabedoria ancestral. 

A militância de Ludymilla começou desde cedo, se expressando nas ruas, na universidade, nos fóruns e no terreiro. Para o Jornal Empoderado, ela destacou o Movimenta-se, o Festival Latinidades e o Instituto Afrolatinas como espaços essenciais para a formação de sua política, com foco em raça, classe e gênero. “Esses espaços foram fundamentais para moldar minha visão e reforçar meu compromisso com a transformação social”, contou Ludymilla.

O interesse em Relações Internacionais veio ao se encantar pela ideia de “liberdade” que o curso representava. Ela explicou: “Eu queria viajar o mundo e conversar em outras línguas, porque, o inglês, para mim, chegou como um abrigo — foi minha primeira salvação.” Junto com sua irmã mais velha, que a introduziu nesse universo, o inglês as mantinha sonhando alto. Ao entrar na faculdade, percebeu que seu verdadeiro caminho estava no Direito Internacional dos Direitos Humanos, onde encontrou seu propósito: integrar os territórios historicamente marginalizados — como favelas, quilombos, assentamentos, terras indígenas, periferias e comunidades tradicionais — à discussão sobre soberania, com as pessoas no centro. “Acredito que a soberania precisa ter corpo, nome e história. Não se constroi com muros, mas com memória, organização e pertencimento. Para mim, soberania é o direito de uma comunidade existir plenamente — gerir sua terra, sua cultura, sua tecnologia e seus próprios futuros com liberdade e dignidade”, disse Ludymilla. 

Como líder da ASPAD, estrutura do Ministério das Comunicações, a discussão sobre a democratização das mídias é uma constante para Ludymilla. Ela destaca: “Sem mídia preta, sem mídia de quebrada, não tem democracia plena. Democratizar as mídias é garantir que as narrativas do povo, das mulheres, das juventudes e das tradições afroindígenas possam circular com estrutura, financiamento e liberdade. A comunicação não é só ferramenta: ela é campo de disputa”, enfatizou. 

De acordo com a assessora, o Ministério das Comunicações desenvolve políticas de inclusão digital por meio de programas como Wifi-Brasil, Escolas Conectadas, Norte e Nordeste Conectado, Computadores para Inclusão e Comunidades Conectadas. Além disso, Ludymilla informou que, com a atuação da ASPAD em órgãos colegiados, foi possível estabelecer recortes interseccionais e monitorar a implementação dessas ações, especialmente em territórios periféricos e tradicionais. As formações oferecidas nos Centros de Recondicionamento de Computadores (CRCs) incluem oficinas de letramento digital e empregabilidade com foco ambiental. “A meta é transformar o acesso em autonomia”, declarou. 

Ela também comentou sobre uma ação em que foram levados computadores a quilombos e comunidades tradicionais: “Foi um marco. A gente levou tecnologia onde muitas vezes nem energia chega de forma plena. Mas mais do que entregar computadores, entregamos dignidade, acesso e futuro através da instrumentalização desses territórios e dessas pessoas nos pudemos ser ponte para emancipação e equiparação – ainda que minimamente – de oportunidades”. Para Ludymilla, o contato com comunidades tradicionais revelou que, sem escuta e sensibilidade, a inovação pode gerar exclusão. Garantir conectividade nesses espaços é promover justiça social. 

Ademais, Ludymilla defende a urgência de discutir editais com recorte racial e territorial, incentivar redes de comunicadores populares, fomentar rádios comunitárias e retomar a política nacional de comunicação popular. Ela destaca também a importância de garantir recursos, formação técnica e uma distribuição justa de conteúdos produzidos por mídias negras e periféricas. “Dentro do Ministério das Comunicações, como pasta responsável pela infraestrutura, sempre reforço a importância das Rádios Comunitárias, sobretudo para os povos dos campos, das águas e das florestas. E, a necessidade manter as Políticas de Inclusão Digital com foco nos municípios mais violentos do Brasil, como aponta o Plano Nacional Juventude Negra Viva”, contou ao JE. 

Nesse contexto, o debate sobre a regulamentação das Big Techs e da inteligência artificial é essencial para a proteção de direitos fundamentais. Ludymilla alerta sobre os perigos de algoritmos racistas e da Inteligência Artificial (IA) sem ética: “Não podemos permitir que algoritmos racistas decidam o que vemos, compramos ou sentimos. E com a Inteligência Artificial, o risco é ainda maior: se não pensarmos modelos éticos, decoloniais e inclusivos, automatizaremos o racismo estrutural.” Por outro lado, ela reconhece o potencial da IA para promover justiça social, como na preservação de línguas indígenas, na simulação de políticas antirracistas e na ampliação do acesso à educação e à saúde em territórios periféricos. 

Questionada sobre projetos futuros que estão em andamento, Ludymilla afirma que seu objetivo é aplicar seus conhecimentos adquiridos na Gestão Pública para conectar populações marginalizadas às oportunidades oferecidas pelos direitos digitais. Ela destacou o avanço de alguns projetos: “Estamos avançando com projetos como o Programa Comunidades Conectadas, que expande o acesso à internet em áreas periféricas, quilombolas e indígenas. Também será lançado um edital do Plano Nacional de Outorga (PNO) para municípios sem Rádios Comunitárias voltadas para Povos e Comunidades Tradicionais e, em ato sequência,  uma live de ‘desburocratização do PNO’, para facilitar o acesso ao edital e ampliar sua presença nos territórios mais necessitados.”

Encerrando a entrevista com firmeza e sensibilidade, a chefe do ASPAD afirmou que sua atuação no Ministério das Comunicações é guiada pela “escuta radical” e pela “dilatação da institucionalidade” — práticas que ampliam os espaços de participação social e transformam demandas populares em ação concreta. “Dentro do governo, busco abrir caminhos, garantir espaços institucionais de diálogo, mecanismos de participação social e transformar escuta em ação. Fora dele, mantenho os pés nos territórios — escutando a juventude que sonha com Wi-Fi na quebrada, os terreiros que precisam de infraestrutura, os quilombos que não podem mais esperar. A ponte é contínua. Não existe mudança real sem articulação entre quem faz política pública e quem sente sua ausência todos os dias”, declarou. 

O caminho a ser seguido é longo e desafiador. Ao longo dele, os mecanismos do racismo tentam constantemente minar nossos avanços. Somente a organização política da população negra, a articulação entre diferentes movimentos sociais e a construção de um projeto coletivo de resistência serão capazes de reverter essa realidade. Lutamos pela ampliação da participação política para que a justiça social e a igualdade de direitos sejam realizadas de maneira plena e duradoura. Lutamos pelas gerações passadas, para que as gerações futuras herdem um mundo livre da opressão racial e com acesso pleno às oportunidades que são de direito de todos. Avante!

NOTA

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Uma resposta

  1. A importância de atuar como voz da participação social dentro de uma instituição pública é inegável. Como representante dos interesses da comunidade, a profissional auxiliou 200 lideranças negras e comunidades quilombolas em Alagoas a receber computadores e se integrar ao programa de educação digital, em cooperação com o DPA da FCP. Ser uma mulher negra no campo da comunicação, lutando por informação e acesso digital, representa um grande desafio, mas é essencial unir forças e oferecer apoio contínuo a essas iniciativas. Parabéns a Ludy, ao Anderson e a Equipe Empoderado pela iniciativa.

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