Praça de Idéias: Pontinhos de Economia Solidária no Butantã.
Por Cecília Figueira
Nem sempre o que se vê dá a verdadeira dimensão do real e do processo de construção do sonho que se torna realidade.
A pandemia COVID 19 trouxe mais luz à dura realidade das precárias condições de vida das comunidades periféricas, já assoladas pela crise econômica, levando ao acirramento da miséria e da fome, diante do abandono de grandes contingentes da população, por parte do poder público das várias esferas do governo.
A região do Butantã abrange em torno de 100 favelas e se por um lado este triste quadro nos impacta, é preciso dar visibilidade e conhecer o trabalho de formiguinha de mais de 20 anos de moradores da região e de seus aliados que, indignados com as desigualdades sociais lutam por direitos sociais, políticas públicas e ações transformadoras e por uma nova sociedade, através da Rede Butantã.
As comunidades se organizaram, mobilizaram apoios, buscaram saídas e com a liderança e apoio do Ponto de Economia Solidária, não se curvaram. Localizaram pequenos produtores rurais de orgânicos nas franjas do Município de São Paulo especialmente da Zona Sul e de municípios do entorno, que precisavam de incentivo e de escoamento da produção e “ligaram os pontos”, para compor cestas para as famílias de extrema pobreza. Locais improvisados, garagens, casas de lideranças da comunidade se tornaram pontinhos. O processo de aprendizagem foi contínuo e trouxe para o grupo a necessidade de avançar na consciência da alimentação saudável, da soberania alimentar, do direito a uma alimentação sem veneno. A consciência da importância da produção de orgânicos e da agricultura familiar como forma de enfrentamento da fome e das desigualdades sociais desencadeou novos desafios. Demandas de melhor organização, articulação com parceiros, incentivo à produção, logística de escoamento dos produtos, ampliação das redes de pontinhos e formação política.
A articulação com o SESC Pinheiros através do programa Territórios do Comum, outros movimentos de luta e de resistência como o MST, o Fome Zero, o Terra Viva, a Cooperativa LIVRE: Consumo Consciente de Santos, Universidades, deram ao movimento uma nova potência.
A organização do evento foi fruto de um processo coletivo com SESC e do “Ponto de Economia Solidária, Comunidades Periféricas do Butantã”. O programa composto previu relato e debate do trabalho dos “Pontinhos de Economia Solidária no Butantã” e conheceu as políticas públicas propostas e em execução pelas esferas de governo federal, estadual e municipal, em relação à produção familiar e orgânica e de economia solidária. Estiveram presentes o MDA – Ministério do Desenvolvimento Agrário, representado pela Diretora do Departamento de Aquisição e Comercialização da Agricultura Familiar da Secretaria de Abastecimento, Cooperativismo e Soberania Alimentar e a Secretaria Municipal de Desenvolvimento e Trabalho, Presidente do CEAGESP e representante do Conselho Municipal de Segurança Alimentar – COMUSAN.
Representantes das comunidades e dos movimentos em seus relatos e depoimentos resgataram a história de suas ações, dificuldades, desafios e conquistas. Estas ações contribuíram para combater a fome das comunidades periféricas do Butantã e ao mesmo tempo incentivam e valorizam a produção orgânica de pequenos produtores e provocaram uma nova consciência.
Depoimentos de representantes do Armazém do Campo – MST – São Paulo, MST – Iperó, Instituto Terra Viva – Sorocaba, Movimento Cabaça, Cooperativa Livres – Santos, Galpão Ecológico, UNIFESP, USP Leste destacaram a importância de se lutar por uma nova sociedade e nova forma de organização da economia que supere as desigualdades sociais, calcada na solidariedade.
É inadmissível que na cidade mais rica do país, haja tanta gente passando fome, cerca de 30 mil moradores de rua e que em nosso país 1% da população detenha 43% da terra. É preciso lutar pela reforma agrária – no Brasil há 4 milhões de famílias sem terra. A soberania alimentar implica em discutir o território e todas estas questões. A luta é por trabalho, teto, comida e muito mais.
A alimentação é um direito de todas as pessoas, prescrito na Constituição Brasileira através de Emenda em 2010. E, através da Economia Solidária se garantiu que lá na ponta as pessoas tenham acesso ao alimento saudável e de qualidade. As redes comunitárias de produção, comercialização e consumo de comida de verdade, estão cientes de seu papel e lutam pela soberania alimentar no campo e na cidade. Pressionam os poderes públicos para que desenvolvam políticas e comprometam subsídios e investimentos para que este novo modelo possa superar a fome e gerar uma renda justa segundo outra lógica na produção de alimentos.
As inúmeras iniciativas relatadas pelos coletivos e movimentos reforçam o aspecto participativo e solidário dessas iniciativas. Merece destaque a retomada das práticas de produção de alimentos das culturas tradicionais de matriz africana relatada pela Lya de Iansã, representante do projeto Cabaça com a UNIFESP. Da perspectiva das culturas tradicionais o foco é sempre coletivo e comunitário e a comunidade se organiza para suprir as necessidades individuais de participantes do coletivo. No candomblé é tudo coletivo, não se faz nada sozinho. Ser próspero é uma perspectiva diferente do que é dado pelo mercado, é ter mais gente na mesa, não faltar nada pra ninguém, não faltar moradia e ninguém sofrer qualquer tipo de violência ou discriminação, cultua-se a vida e não sozinhos. Por mais que estejamos presos nessa estrutura capitalista, não podemos conceber no terreiro uma economia com a mesma concepção do mercado. Qualquer pessoa que já passou num terreiro tem como memória afetiva a comida. As mulheres africanas trouxeram muito aprendizado, toda a tecnologia econômica a partir da vivência no terreiro das irmandades, que produziam alimentos, quitutes e artesanatos resgatam as tradições das plantas comestíveis e de cura, as PANCS – plantas alimentícias não convencionais, chás.
A Praça de Ideias da Rede Pontinhos realizada no SESC Pinheiros nos dias 25 e 26 de março, foi uma oportunidade de resgate da história como momento de reconhecimento da trajetória de luta, das dificuldades, do que instigou as comunidades e movimentos nas conquistas e nos desafios, no que favoreceu a organização de base e o empoderamento popular.
Estes dois dias intensos de escuta, de troca de experiências e conhecimento de políticas públicas, reforçaram para as lideranças das comunidades o compromisso e trouxeram novos desafios para avançar: é necessário fazer articulações e pressionar o poder público nas diferentes esferas de governo para investir e priorizar a expansão das redes de pontinhos que aproximam os produtores rurais do consumidor final; levar o debate para a comunidade e para as escolas e buscar a compreensão e disseminação do que seja alimentação saudável; combater à fome, através do fortalecimento da economia solidária; investir na produção urbano rural de alimentos agroecológicos; na produção sem veneno; na infra-estrutura e logística de distribuição que garantam a qualidade e escoamento da produção; na multiplicação de hortas nas escolas e nos espaços públicos livres; na formação educativa do povo para a segurança alimentar; combater a fome e despertar a consciência pela preservação do meio ambiente e pela construção de um novo modelo de sociedade; junto ao poder público desenvolver política de reciclagem, processamento de composto orgânico e destino de resíduos urbanos, de proibição de produtos químicos que prejudicam a saúde e degradam o meio ambiente; desenvolver políticas inter-setoriais que combatam a fome, garantam a preservação do meio ambiente e que “alimentem a terra” e não a destruam; garantir preços justos para o consumidor e renda digna para o trabalhador e trabalhadora do campo e da cidade; encaminhar à Assembléia Legislativa, projeto de lei que garanta o cumprimento da compra de 30% dos alimentos da agricultura familiar e orgânica e que regulamente e garanta investimentos para a expansão da Rede de Pontinhos; somar esforços com as demais iniciativas de economia solidária existentes no Município e com os movimentos de luta e resistência do país.
Todos os participantes saíram fortalecidos e literalmente realimentados com o lanche fornecido pelos Trabalhadores da Hora, uma iniciativa de Economia Solidária desenvolvida no CAPS Itapeva e, com a alma renovada diante de tudo que se viveu neste encontro, coroada com o Coral dos Cidadãos Cantantes, também uma iniciativa comunitária com pacientes de saúde mental, que não aceitam como todos nós, a censura do sonhar.
As filipetas das flores do Coletivo Flores pela Democracia sintetizam o sentimento coletivo que irmanou a todos nós “Agroecologia e Economia Solidária: Alimentar o Mundo com o Melhor de Nós” e “Rede de Pontinhos Une Pessoas que Plantam a Semente de uma Nova Sociedade”. Vamos à luta, e que os pontinhos se multipliquem e sejam o embrião de uma política nacional de produção agroecológica e de economia solidária, na produção de alimentos e de combate à fome.
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Uma resposta
Olá, a designação da Adriana Toledo no Candomblé é Iya Adriana de Nanã. E ela disse que, no Candomblé, tudo é coletivo. Não tem nenhum Rudolfo.