Essa foi a fala da Jornalista Adriana Araújo durante o programa “Entre Nós”, da Rádio BandNews FM, no último dia 10, que, a meu ver, deve rodar o Brasil e o mundo, pois sintetiza, de forma irretocável, os acontecimentos de Brasília, do último domingo, 8.
É uma vergonha nacional e mundial. A nossa tão necessária, mas ainda tão recente e frágil, democracia sofreu um dos seus maiores ataques desde a época da ditadura militar, que perdurou de 1964 a 1985. Esse episódio infelizmente entrará nas páginas da nossa história, manchada desde o início por genocídio, injustiça, exploração, escravidão e dor.
A história do Brasil que estudamos de praxe, contada somente a partir da chegada dos portugueses, mostra um país construído em cima de sangue derramado de indígenas que aqui estavam e de negros que para cá foram trazidos involuntariamente, arrancados de suas terras, de suas raízes. Os genocídios negro e indígena foram e ainda são tão violentos e abomináveis, pois não se limitam a exterminar no sentido literal da palavra, mas no conotativo também.
O genocídio simbólico contra povos originários e negros no Brasil é tão profundo que, ainda hoje, pessoas com ascendência indígena ou africana não sabem de sua ancestralidade, de sua origem. Não sabemos de quem descendemos, de quais etnias, tribos ou países de África somos, pois até os nomes e sobrenomes dos nossos antepassados foram arrancados e perdidos no tempo.
Eu sinto um mal estar tremendo ao saber que descendentes de europeus, de imigrantes pobres que viam ao Brasil em busca de melhores condições de vida ou de pessoas fugindo de guerras ocorridas ao longo do século XX, conseguem precisar de que família descendem, de que país seus antepassados são, seja italianos, alemães, portugueses, espanhóis etc. Eles possuem sobrenomes que eles batem no peito ao dizer e se vangloriam por terem sangue europeu (ignorando que, na maioria das vezes, também possuem sangue indígena e africano correndo em suas veias).
E nós, negros, não temos sequer ideia de que país de África nossos antepassados são. Quanto mais sabermos algum nome de família. Sobrenome que remeta a alguma família específica? Não, isso não acontece com descendentes de africanos de modo geral. Eu tenho uma espécie de raiva, uma profunda indignação por ter consciência disso. E acredito que com razão.
Sofremos uma violência reiterada. Constante. Imutável. Irreparável. Eterna. E ninguém parece se importar com isso, a não ser uma parcela de negros que possuem consciência de raça. Nós simplesmente não sabemos de nossa história e de nossos ascendentes e não temos, individualmente, muito o que fazer quanto a isso.
Eu não consigo aceitar de bom grado o fato de que nunca poderei honrar a memória de meus antepassados, pois não sei quem eles foram, da onde eram, como eram. É como se uma parte de mim tivesse sido arrancada e estivesse perdida para sempre. E isso dói. Machuca profundamente.
Tirinha publicada em 17/01/23 nos perfis de Instagram @_estranhos e @jornalempoderado. A arte foi inspirada nessa coluna.
Ramon Artur – @_estranhos, é artista, quadrinista e colaborador deste jornal desde dezembro de 2022. Link do perfil: https://instagram.com/_estranhos?igshid=OGQ2MjdiOTE=
Confira a tirinha na íntegra e fortaleça o trabalho do nosso artista e parceiro: https://www.instagram.com/p/CnhVLXErda6/?igshid=OGQ2MjdiOTE=
Vídeo da Jornalista Adriana Araújo, durante o Programa “Entre Nós”, da BandNews FM, de 10 de Janeiro de 2023:
Respostas de 2
Parabéns, belo artigo
Obrigado, Arnóbio e continue nos acompanhando!