O RACISMO nos livros infantis
As crianças, desde cedo, tem contato com histórias na escola, e a literatura apresenta um mundo cheio de fantasia, beleza, mas que às vezes reproduz estereótipos e reforça o preconceito racial e social. A falta de representação de corpos negros como protagonistas nos livros influencia na construção da identidade da criança negra. A literatura infanto-juvenil de uma forma lúdica estabelece um diálogo com as crianças, através da fantasia. O que nem sempre é positivo, quando não há uma sondagem do material que irá ser utilizado. Muitos são os problemas ainda encontrados no material utilizado em sala de aula, responsável por propagar ainda mais o racismo estrutural.
NO PÁTIO DA ESCOLA
Os preconceitos muitas vezes acontecem no chão da escola, local que deveria ser um ambiente acolhedor, receptivo a toda diversidade, onde se dá a formação da identidade histórica, cultural e social dos sujeitos, mas que acaba por excluí-los e tirar-lhes a voz.
Os livros de literatura e os paradidáticos que são utilizados, em sua maioria, não representam grande parte da população brasileira. As figuras destes livros, desde dos anos iniciais, mostram o negro como escravo, favelado, vulnerável, subjugado… Além de associar, de forma nem sempre direta, a cor escura a coisas ruins e de significado depreciativo. E frases que carregam racismo muitas vezes são reproduzidas nos livros e estão sendo utilizadas em sala de aula.
Nos livros, também a forma como o continente africano é visto relembra sempre um lugar de escravidão e de pobreza. Pouco se fala sobre as contribuições do povo africano na história da humanidade, bem como sua importância na formação da cultura brasileira.
No Brasil, o racismo e as marcas históricas da escravidão fazem com que haja uma presença maior de corpos negros em lugares desvalorizados. A população negra é maioria nos presídios, nas favelas, nos subempregos, e no trabalho infantil. A desigualdade social que se perpetua desde os tempos da escravidão é responsável pela manutenção dos privilégios da elite branca. A cada dia, os casos de racismo estampam as páginas dos jornais, demonstrando que esse é um grande problema em nosso país.
Para crianças e jovens vencer essa máquina de opressão é um grande desafio. Não há falta de exemplos, como o protagonismo negro, mas estes são pouco apresentados para às crianças. Heróis, artistas, escritores, políticos negros têm sua história esquecida nos livros. Para uma criança negra que está em formação, esta falta de referência reflete na sua construção de identidade. É dever da escola desmistificar a visão eurocêntrica sobre a cultura africana e o povo negro.
Discutir sobre racismo na escola leva todos a refletir sobre a questão do privilégio. É desde cedo que a criança constrói sua identidade, com representações percebidas no seio familiar e na escola a partir da maneira que é vista pelos seus colegas e professores.
Portanto, quando a criança negra busca referências e encontra apenas modelos que depreciam seus ancestrais, ela pode tanto passar a negar sua origem, como se sentir incapaz de vencer esta realidade. A falta de corpos negros em lugares de destaque profissional, nos livros, nas histórias e na mídia, prejudica a formação do sujeito e retira o direto da identidade.
Em se tratando do Brasil, além da falta de referencial, lidamos com o racismo que reverbera de uma forma quase que normatizada e aceita pela sociedade e aparece nas formas institucional e cultural. Reproduzindo uma visão deturpada, em que o povo negro exerce um papel inferior na sociedade, subalterno por “falta de vontade de trabalhar” ou pouco conhecimento. Cabe à escola mostrar de maneira crítica as disparidades entre brancos e negros e a condição do negro na sociedade.
Falar sobre a diversidade se faz necessário desde muito cedo com as crianças. Trabalhar as diferenças em sala de aula ajuda a modificar mecanismos de exclusão que por muitos anos são responsáveis por oprimir o povo negro.
Na literatura brasileira observa-se que na maioria dos livros a população negra é apresentada como inferior em relação à população branca. Nas histórias e nas imagens, negros e negras tem seus traços associados à falta de beleza. A ausência de referências culturais, estéticas e visuais para as crianças negras prejudica a formação de identidade, pois fragiliza sua autoestima. Em contrapartida, quando o sujeito se vê representado, fortalece conceitos de pertencimento.
MUDANÇAS SÃO NECESSÁRIAS
Os estudos sobre literatura e educação indicam que a representação de personagens negros na literatura passou por mudanças. No início, os personagens protagonistas inexistiam ou eram representados de forma exótica, marcados por diferenças. Nos livros, o negro era colocado como um coadjuvante ou vilão das histórias. A partir de Monteiro Lobato, o mundo literário sofre algumas mudanças, com um maior protagonismo de personagens negros nas histórias. Por outro lado, acabou por reforçar estereótipos e papéis sociais e culturais relacionados à etnia, cultura africana e afro-brasileira.
No decorrer do tempo há uma exaltação da cultura afro de forma pejorativa enaltecendo apenas traços físicos e colocando o negro como um ser exótico associado à pobreza, abandono, situação de vulnerabilidade. Com a lei 10.639/2003 muito se avançou em se tratando de literatura. Houve um aumento da representatividade de personagens negros de forma positiva. Mas ainda assim, nem toda história, por ter um personagem negro, pode ser considerada livre de preconceito. Sendo assim, é sempre necessário haver uma seleção do material a ser utilizado em sala de aula.
REFERÊNCIAS:
BRASIL. (Ministério da Educação e do Desporto). Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: História e Geografia. Brasília: MEC, Secretaria de Educação Fundamental, 1997.