No dia 15 de abril de 1996 o pequeno Maicon brincava na porta de casa na favela de Acari na Zona Norte do Rio, quando foi baleado e morto por policiais militares. Apesar de ter apenas 2 anos de idade na época, o caso foi registrado como “auto de resistência”, que é um termo utilizado para designar uma morte causada por agentes policiais em confronto após resistência a uma abordagem.
Na época, vizinhos que testemunharam a morte de Maicon, contaram que policiais chegaram na comunidade atirando e que um desses disparos atingiu o menino, que morreu na hora.
Nesse emblemático caso de “auto de resistência”, o tiro que matou a criança foi atribuído a arma do policial Pedro Dimitri que alegou legítima defesa. Nenhum dos policiais presentes na ocasião foram levados a justiça, muito pelo contrário, dias após o crime, 20 policiais que estavam na operação, incluindo Pedro Dimitri, receberam uma bonificação pelo trabalho.
O crime que já prescreveu e agora está com a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, tornou-se a luta de uma vida para o pai do menino, o pedreiro José Luiz Faria da Silva que 25 anos após a tragédia não conseguiu ver uma resposta final sobre o assassinato de seu filho. O arquivamento definitivo do caso aconteceu em 2019 pois de acordo com o Ministério Público não haviam evidências suficientes para a reabertura do processo.
Casos como o de Maicon geralmente são permeados pela criminalização dos territórios mais vulneráveis, a dita criminalização da pobreza que naturaliza homicídios como resultados de projetos de segurança pública.
Atualmente, vivemos um momento em que o genocídio parece ser um processo organizado pelo próprio poder vigente. O sucateamento dos equipamentos públicos, o não investimento nas políticas públicas como um todo e decretos que facilitam o armamento da população brasileira formam uma conjuntura que possibilita a reprodução de modelos sociais que executam crianças pobres, em sua maioria pardas e negras como Maicon e garantem a impunidade.
AUTO DE RESISTÊNCIA, UMA HERANÇA SOMBRIA
O auto de resistência surge em 1969, no antigo Estado da Guanabara, no âmbito do Ato Institucional de número 5, o tão falado hoje em dia, AI5, que marcou o sombrio período do regime militar no Brasil. Durante esse velho Estado e sua repressão, os agentes chegavam a ser gratificados por cada pessoa morta em operações policial, o que ficou conhecido como, “Gratificação Faroeste”.
Mas foi durante o governo de Marcelo Allencar (PSDB), entre 1995 e 1998, que os autos de resistência passam a ser utilizados com mais frequência no sentido de se transformarem em um precedente legal do extermínio da população favelada e periférica do Rio de Janeiro. Casos como o do pequeno Maicon passam então a saltar aos nossos olhos ano após ano, escancarando um não projeto ou um projeto não democrático, racista e classista de segurança pública no estado. Somente entre janeiro de 2010 e agosto de 2015, foram registrados nas favelas da capital do Rio de Janeiro 3.256 casos de “auto de resistência”
Em 5 de Junho de 2020, em pleno curso da maior crise sanitária mundial (a pandemia por corona vírus), atendendo a pedidos da sociedade civil e movimentos sociais, o ministro do Superior Tribunal Federa, Edson Fachin, determinou em uma liminar que enquanto a pandemia perdurar, as operações policiais nas comunidades do Rio só podem ser realizadas em situações excepcionais. Em sua decisão o ministro diz: “sob pena de responsabilização civil e criminal, não serão realizadas operações policiais durante a epidemia do COVID-19, salvo em hipóteses absolutamente excepcionais, que devem ser devidamente justificadas por escrito pela autoridade competente, com a comunicação imediata ao Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro”.
Assim como qualquer criança e adolescente, àquelas que moram nas favelas e periferias, constitucionalmente têm ou deveriam ter, direito à infância plena permeada por direitos de proteção as suas integridades física e psicológica porém na prática, nesses territórios, esse direito é negligenciado pelo Estado de diversas formas e o uso militarizado da força atravessa a vivência dessas crianças expondo-as muito cedo à violência.
Maicon teve sua vida ceifada e não obteve justiça ou reparação das condições declaradas sobre sua morte. Como diz seu pai José Luiz, uma criança de 2 anos não poderia trocar tiros com ninguém, cabe a nós darmos direito a uma memória justa para Maicon e lutarmos pela garantia de direitos, sobretudo à vida, para todas as nossas crianças.
Imagem destacada: Instituto Pacs
Imagem de José Luiz Faria da Silva: Folha de S. Paulo