Olá, eu sou o Lima, Raphael Lima. E em minha primeira aparição aqui no Jornal Empoderado, venho falar sobre um tema que é bem comum hoje, mas que há alguns anos ele estava bem escondido da população brasileira, e estou falando sobre literatura de origem africana.
É sabido que o Brasil foi o destino de 40% dos africanos em regime de escravidão que vieram de forma forçada para as Américas. E após 300 anos de escravidão, não por humanidade ou compaixão, e por motivos bem contraditórios a “escravidão é extinta no Brasil”, pelo menos oficialmente.
A literatura, os costumes, a culinária, a religiosidade e toda a cultura de origem africana e a afro brasileira, passou por um processo de marginalização desde o período da escravidão, o que obrigou a produção de sincretismos religiosos. O africano na diáspora, teve que esconder a sua cultura para que ela pudesse sobreviver.
E mesmo com a tal liberdade, sem nenhum processo de reparação social, as forças politicas mantiveram o cerco contra o povo negro, na busca de inferiorizar a sua condição de ser humano o legado e os saberes, através privações legais e amparadas pelo sistema, restrição a terras e a educação.
Em semana onde o cada vez mais o fascismo se escancara no Brasil e no mundo, onde temos a morte de João Pedros, Agathas, Georges Floyds, Marielles e Amarildos, faço essa reflexão em um momento tenso da pandemia do covid-19, quando me lembro do bombardeio anti cultura negra que sofri na minha infância. Sim, sou negro, nascido e criado na periferia de Natal/RN e em toda minha vida escolar, fui ensinado que a África não tinha história e a cultura do povo negro era inferior à europeia, que somos bárbaros e eles os civilizados, todo esse processo não é uma anomalia, mas um projeto de dominação.
Recentemente iniciei os meus estudos sobre processos revolucionários na África, e nas leituras de Fanon, vejo uma frase que reflete todo meu processo educacional na década de 1990.
“[Racismo] é um instrumento de dominação, a opressão sistematizada de um povo, onde se testemunha a destruição dos valores culturais, de modos de vida, a linguagem, o vestuário e as técnicas são desvalorizadas”.
Não vi nada, não aprendi nada sobre meu povo. Foi me ensinado que não tínhamos nada. Com muito esforço de minha mãe, estudei em uma escola particular até antes do seu falecimento, tinha uma média de 300 alunos. No primeiro ano em que estudei apenas dois eram negros. No segundo ano desta escola entraram mais alguns alunos negros e lembro com tristeza das aulas de educação física, quando tínhamos que montar um time de futsal apenas com os meninos negros, para os demais era uma aula de educação física, para nós era uma guerra.
Não queríamos perder para aqueles caras, que passavam a semana zoando e se recusavam a jogar conosco por racismo.
O racismo é um projeto do sistema, não é uma anomalia.
Eu estava cansado, pensei em tirar a minha vida, não tinha direito a nada, segundo a sociedade dizia. Mas segui aos trancos e barrancos. Hoje sou professor da rede pública de ensino do Rio Grande do Norte, e já na universidade começo a descobrir que existe uma história e uma cultura africana, e também uma literatura. Sempre gostei de ler, mas sempre me deram livros que contavam histórias que não dialogavam comigo.
Ouvi uma professora de literatura no ensino médio afirmar: “ler é se identificar com o personagem, é se transportar para dentro do livro”. Como eu ia me transporta se eu não conseguia me enxergar naquela situação? Então, começo a topar na universidade com a história da África, e quando saio da universidade e vou para a sala de aula, topo com literatura de origem africana e afrobrasileira, e penso quanto sofrimento passei achando que meu povo não tinha história e cultura, ouvindo desde cedo que éramos inferiores.
E entrei nos estudos sobre a história e a literatura de origem africana, pois diferente da minha realidade escolar, a maioria dos meus alunos são negras e negros, eles precisam conhecer que temos história, cultura e literatura.
Apesar de negligenciada em larga escala, a contribuição dos povos de origem africana na história do Brasil, passou a ser obrigatória com o advento da lei federal 10.639/2003, que torna a obrigatoriedade do ensino de história e cultura africana nas instituições de ensino públicas e privadas do Brasil.
Então, temos um longo caminho a percorrer, e séculos de informações omitidas e uma invisibilidade social planejada para apagar a cultura de origem africana, fazendo com que muitos desconhecem a produção literária africana.
Inicialmente topei com o Afrofuturismo e o Futurismo Africano, termo cunhado pela Nnedi Okorafor para encaixar a sua obra. Mas a visão da literatura africana na sociedade, para com os alunos do fundamental menor passou a mudar em 2018.
A película do Pantera Negra que estreou no início de 2018, pode ser considerado um marco na questão da expansão do debate sobre representatividade a todos os segmentos da população negra, especialmente aos que bebem diariamente os enlatados da mídia, que insiste em contar e recontar a sua narrativa de invisibilidade das pautas do movimento negro.
Nesse novo cenário, crianças passam a ser reconhecer como negras, e anseiam pelo conhecimento da história e da cultura dos seus antepassados, e esse movimento coloca a literatura africana nos holofotes, em especial as obras da “Nova Literatura Africana” com fortes bases no movimento Afrofuturista.
Mas o que é Afrofuturismo? É uma narrativa que ao invés de se basear na evolução histórica seguindo a cultura e tecnologia europeia, como parâmetros de evolutivos, tem seu alicerce na cultura africana, seus mitos, cosmologias, tecnologia, ciência e imbuídas de críticas sociais. O movimento do Afrofuturismo surgiu na década de 1960, tendo como pioneiro o compositor de jazz, poeta e filósofo Sun-Rá. E na década de 1970 com as obras literárias de Octavia Butler (Kindred). Mas se consolidando como movimento cultura na década de 1990 com os trabalhos de Mark Dery, Black the Future, transcendendo a literatura e a música e abrangendo outros segmentos artísticos.
Nos últimos anos tem ocorrido uma demanda pelas obras do gênero no Brasil, onde já podemos encontrar alguns títulos em português: ‘Filhos de Sangue e Osso’, de Tomy Adeyemi; ‘Kindred’, ‘Despertar’ e ‘Parábolas do Semeador’ da Octavia Butler, considerada a Papisa do Afrofuturismo; ‘Quem Teme a Morte’ e ‘Bruxa Akata’, de Nnedi Okarafor (ganhadora do World Fantasy Award), que possui outras obras que são aguardadas ansiosamente em português: especialmente ‘Binti’ (ganhou o prêmio Nebula e o Hugo de 2016), Okarafor escreveu o quadrinho do Pantera Negra continuando de onde Ta-Nehisi Coates parou (‘Shuri: The Search for the Black Panther’ e ‘Wakanda Forever’).
Recentemente a Nnedi enquadrou a sua obra como Futurismo Africano. Retornando ao Pantera Negra, citamos o Ta-Nehisi Coates, escritor negro que escreveu as séries: ‘Pantera Negra: uma nação sob nossos pés’ e ‘Pantera Negra: Os Vingadores do Novo Mundo’. E o Jesse J. Holland autor do romance ‘Quem é o Pantera Negra’.
Em se falando de obras nacionais com temática Afrofuturista, temos autores com obras maravilhosas como Lu Ain-Zaila com os livros: (in)Verdades e (R)Evolução, Sankofia e Ìségún; o Fábio Kabral com O Caçador Cibernético da Rua 13 e a Cientista Guerreira do Facão Furioso; a Coletânea Afrofuturismo e outras mídias como os podcasts: ‘O Lado Negro da Força’, ‘Lado Black’ e o episódio ‘Cultura Africana’ do ‘The Black Cast’. Sim, existe uma literatura africana, escrita por africanos e por descendentes, e não com a visão européia que me foi passada na escola. Pois temos história, temos cultura e literatura e precisamos espalhar para que o povo negro se orgulhe cada vez mais de sua história, e que as crianças desde cedo, saibam que não estamos a mercê da narrativa europeia de nossa história.
Ter representatividade, como alguns acreditam, não é apenas ter uma negra ou negro presente nos espaços, mas que tenhamos vez e voz com nossa cultura e história, e respectivamente a literatura seja contada e conhecida. Neste cenário é importante mostrar os trabalhos da literatura africana como os que citei acima e mostrar que existem autores africanos e de origem africana, com trabalhos literários que merecem ser citados nas conversas sobre a Consciência Negra, e não reproduzir estereótipos contados pela literatura européia sobre a história e a cultura africana.
Espalharemos literatura africana em todos os espaços!
Foto de capa: http://www.umoceanodehistorias.com
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