O Brasil atravessa um momento em que o povo convive com a injustiça, o caos político e a crise econômica. Agora, para piorar, emerge uma voz que dialoga com o mais doentio e fascista dos pensamentos.
É como se parte do país ensaiasse flertar com o ensandecido líder alemão que martirizou tantos seres humanos apenas por um capricho demoníaco.
O Roda Vida, da TV Cultura, levou o candidato Jair Bolsonaro para uma sabatina com jornalistas.
Entre tantas sandices e desconhecimento proferidos pelo elemento, no entanto, o que mais chamou a atenção foi seu ódio ao povo negro.
Chegou ao cumulo de dizer que Portugal não pisou na África e responsabilizou os próprios africanos pelo tráfico negreiro, entre os séculos 16 e 19.
Ou seja, o candidato desconhece a história ou finge dela não saber, pois somente para o Brasil vieram quase cinco milhões de irmãos escravizados, descontados os milhares que morreram nos porões dos navios, durante a travessia do Atlântico.
O deputado ex-militar que pleiteia uma vaga de presidente é nova versão daqueles que promoveram a escravidão. É também a síntese daqueles que prenderam, torturaram, estupraram e mataram no Golpe de 1964.
A história contada pelos brancos precisa honrar os inúmeros irmãos afrodescendentes que deram a vida pela democracia e pela liberdade, lutando contra a tirania golpista.
Bolsonaro é também a cara da direita que aplicou sobre os brasileiro o Golpe de 2016.
Qual seria efetivamente o papel de um candidato a presidência da República? Seria promover a harmonia, eliminar o preconceito e auxiliar no pagamento de uma indenização histórica contra os povos escravizados.
Bolsonaro faz exatamente o contrário. Zomba dos negros, faz piadas agressivas sobre eles, ameaça eliminar os quilombos e promete reduzir as oportunidades para as irmãs e irmãs que buscam vagas nas universidades e no serviço público.
Desconhece até mesmo as políticas afirmativas já aplicadas em países como os Estados Unidos, que ele tanto adora e venera.
Percebemos que muitos candidatos, e não somente o representante explícito do fascismo, não fazem a menor ideia do papel que teriam de desempenhar no mais alto cargo.
O mínimo que se espera é que um postulante conheça a história. Os brancos que para cá vieram desde a Europa, ganharam terras, títulos e cargos públicos.
Aqui, escravizaram os índios e desfizeram suas comunidades. Quanto aos negros, vieram para receber o açoite, para serem separados de seus familiares.
Depois da abolição nominal da escravidão, passaram a trabalhar em situação análoga. Ganharam para morar as beiras dos rios, os morros íngremes e a PM para temer.
Ora, como podem, descaradamente, falar em meritocracia? Como podem desconsiderar que as oportunidades não são as mesmas? Há uma assimetria gigantesca que a “gente de bem” não leva em conta, por cara de pau e conveniência.
Hoje, os netos desses opressores falam de um lugar privilegiado e nos cobram “esquecimento”, falam em falsas igualdades e nos exigem mérito…
A política de cotas não é a solução definitiva, tampouco uma política pública que desejamos permanente. Precisamos de um plano de inclusão social muito mais complexo e ousado neste país.
No entanto, o que está implícito neste discurso de desmonte do programa? Pois é justamente manter a distância, o desequilíbrio e o apartheid que se faz sem a letra registrada da lei.
Se não alavancamos famílias pela educação, a probabilidade é que tenhamos mais gerações de marginalizados, de homens e mulheres que terão dificuldade para assumir merecidos protagonismos.
Pergunto: por que a lei de ensino de cultura africana incomoda tanto? Será que é porque isso ilumina um passado que desejam manter nas sombras? Ou será que é porque desejam apagar nossos traços identitários?
O mito da meritocracia, termo do mantra neoliberal, ratifica o mais perverso sistema de exclusão vigente, em um país que finge não perceber a discriminação secular contra índios, negros, nordestinos e, agora, refugiados.
Já assistimos a esse filme na Cidade da Garoa, São Paulo. Aqui, tivemos que conviver com um prefeito que, de cara, eliminou a Secretaria de Promoção de Igualdade Racial. João Dória, do PSDB, que se diz um democrata liberal, segue o padrão racista e discriminatório que vigora na cidade desde 1554.
Este político é hoje candidato ao governo do Estado e, estranhamente, parece ter o voto de muitos irmãos negros!!!
No plano federal, muitos filhos da África declaram apoio a Bolsonaro, um filhote tardio da Ditadura Militar, que celebra a violência e, dia e noite, demonstra seu desprezo por nosso povo.
Seria menos trágico se tudo se baseasse em sua ignorância histórica. Ah, a história… Parece-me, no entanto, é que o candidato está mesmo decidido a defender o suprematismo racial branco no Brasil.
Assim, entendemos por qual motivo o deputado, como tantos de seus iguais, LUTAM contra a Lei 10.639, que obriga ensino da cultura Africana nas escolas.
Pessoas desse naipe não aceitam que aqueles um dia vistos como meros OBJETOS, convertam-se, em “agentes transformadores, ativistas que conquistam lugar de fala e movem o meio em que vivem”, conforme a avaliação da companheira norte-americana Angela Davis.
Em nenhum momento da história, a população negra solicitou ser trazida em massa para o chamado Novo Mundo. Não fomos candidatos a essa imigração. É isso que precisa ficar claro.
Muitos europeus, populações arabizadas e orientais, em diversos momentos, emigraram em busca de uma vida melhor. Vieram, no entanto, como mão de obra livre.
No caso da África, houve simplesmente um seqüestro violento. Sem consentimento, fomos obrigados a aspirar o ar fétido dos porões dos navios e sobreviver a uma viagem de calvário.
Aqui, a ração mínima, a chibata e o trabalho não remunerado de sol a sol. Você que é branco, coloque-se nesta situação.
Bolsonaro diz que não escravizou ninguém. Pois bem! E diz que não devemos nada às populações afrodescendentes. Pois bem!
Ora, boa parte da comida que sustentou os antepassados dos brancos brasileiros foi produzida na roça pelos escravos. Sem nós, que linhagem haveria?
As ruas paulistas e cariocas em que passeia Bolsonaro foram pavimentadas pelo trabalhador negro. A estrutura deste país, construída por gerações e gerações, é obra nossa, que esse elemento finge desconhecer.
Sem contar que a riqueza das elites brasileiras foi acumulada com o trabalho roubado dos negros pela casa grande.
Bolsonaro não tem pudor. Orgulha-se em ser a voz do racismo institucionalizado do país mais racista do mundo.
Sua intenção é governar para os seus iguais, para os privilegiados de sempre. É difícil acreditar que um pobre se diga alinhado com sua forma atrasada de pensar. Freud, Jung ou Lacan talvez explicassem essa paixão ridícula do escravizado pelo capitão do mato.
Em síntese, o deputado é a síntese de um país em regresso veloz. Já disse na TV que seus filhos “não correm risco” de se envolver com negras ou gays, supostamente porque foram “muito bem educados”.
Depois, tentou emendar-se, disse que não tinha compreendido a pergunta, embromou, enrolou e não foi capaz de explicar seu desprezo pela civilidade.
Em outra ocasião, disse que “brincadeira infeliz não é racismo, racismo é não empregar o negro”. É sua tática para argumentar segundo o raciocínio cínico da “gente de bem”.
Escuta aqui, deputado: não somos máquinas para sermos programados e profissionalizados (sempre em posições subalternas) conforme o interesse dos herdeiros do modelo colonialista. Não queremos a sua escravidão modelo 3.0.
O povo negro exige protagonismo, direitos e respeito. Queremos construir nossos caminhos, em consonância com os interesses maiores da sociedade.
Queremos ser o que quisermos: cineastas, jornalistas, vendedores, médicos, operários, presidentes da República. Mas sem a sua tutela autoritária e ignorante.
Queremos tudo isso, e também manter nossos quilombos, nossos costumes, nossa cultura, nossa bonita história de resistência.
Bolsonaro tem os pés calcados na base educacional do odioso ideal eurocentrista e colonizador. Sua cabeça responde a esse padrão de atraso.
Pobre do cidadão que ainda não percebeu a natureza pérfida dessa proposta de manutenção da injustiça.
Pobre do irmão que, iludido pelas mídias, não compreendeu o ódio que esse elemento destila contra o nosso povo; o povo que foi fundamental na construção deste país e que lhe deu a cor da alegria, da generosidade e do amor.