Uma mistura de emoção e militância ocorreu durante a marcha das Mulheres Negras 2018. Mulheres negras demonstraram sua força política enquanto marchavam contra o racismo, a violência e pelo bem viver.
A marcha aconteceu ao som do Grupo Ilú Oba de Min, que resgata e valoriza a cultura africana. Flashes de vários momentos, olhos marejados com cada detalhe registrado e compartilhado nas redes sociais.
O coração acelera e ainda sinto a forte energia de cada abraço trocado e cada beijo dado nesse grande reencontro de mulheres de várias partes de São Paulo. Sim, fiquei tão impactada emocionalmente com o nosso feito, que desde ontem à noite tento expressar o que foi participar desse evento que tratou de um momento histórico.
Arrisco dizer que a região escolhida, cenário de grandes transações comerciais e seus contrastes sociais, foi ocupada por centenas de Marias Pretas. Tantas, que não seria capaz de contar…Tantas, que nem sei o nome, mas que me enxergo em cada uma através dos traços da nossa ancestralidade.
Todas essas experiências, sem exceção, são destacadas pelos elos de sociabilidade e solidariedade, que se constituem, de forma geral e espontânea.
Acredito que por partilharem histórias parecidas, bem como vontades e receios, as Mulheres Negras reconhecem-se umas nas outras, sem o dever de apresentações refinadas ou tempo de amadurecimento para estabelecer relações de amizade, credibilidade e ação conjunta.
O que presenciei durante a marcha?
Mulheres Negras em rede. Avós, mães, tias, filhas, amigas, engenheiras, advogadas, professoras, escritoras, jornalistas, artistas em rede, ensinando, aprendendo e construindo. Mulheres resolutas, firmes e bondosas. Vi disposição. Vi solidariedade, engajamento, promessa cumprida. Vi alterações.
O que ouvi durante a marcha?
Uma sobe e puxa a outra! Não esqueça de mandar mensagem quando chegar em casa! Vamos fazer uma vaquinha para as companheiras pagarem o ônibus. Quem mexeu com você? Por que você está com essa cara estranha? Larga esse homem, você é Diva.
O que eu senti?
Que embora caminhem por uma rota alternada por batalhas e vitórias, estabelecida pelas nossas ancestrais, as Mulheres Negras ainda não tiveram a oportunidade de vivenciar um contato direto com essa história de luta na prática.
Senti que ser Mulher Negra faz parte de uma construção coletiva, que não se dá apenas por meio de pesquisas ou livros, às vezes essa transformação se dá apenas após a experiência vivida. Que o nosso combustível é a urgência de nossas necessidades.
Senti que conhecer a nossa história e requerer nossa ancestralidade nos faz nos entendermos enquanto mulheres negras para nós mesmas e, posteriormente, para o mundo.
O que aprendi após a marcha?
Solidariedade e sociabilidade são ferramentas para a vida social da classe popular, nesse caso da Mulher Negra. A habilidade com o exercício de ambas ferramentas poderia ser interpretada como uma forma de capital social, que se transforma em capital político, viabilizando ações sociais transformadoras, ainda que apenas no meio no qual ocorrem, e assim resultaria em mudanças de dentro para fora.
Em muitos lares, a terça-feira à noite é reservada para a família e posso afirmar que, em quase 100% deles, lá estão as mulheres preparando a refeição com o que tiverem em casa. Mas, desta vez, estas mesmas mulheres continuaram, sim, cuidando de suas famílias e de sua própria existência, indo para a rua denunciar, protestar, exigir, para dar voz, volume e cor às nossas pautas.
Durante todo o percurso, cantamos e dançamos ao som do Grupo Ilú Oba de Min, dos batuques e vozes do Bloco de Jongo Filhos da Semente.
É em encontros como esse que restauramos nossas forças. Angela Davis disse: “Quando uma mulher negra se movimenta, toda a estrutura da sociedade se movimenta com ela”. E se é de movimento que é feita a vida, sigamos!
Por Lu Santana
Respostas de 2
Ótimo artigo !muitos assuntos importantes foram abordados, entendo a questão do ” larga esse homem” como uma colocação atinente a violência domestica mesmo, deixando bem escurecido que ninguém marcha para rechaçar os homens, pelo contrario, muitos nos acompanham apoiando a ideologia de respeito, isso é otimo. A sororidade em pauta é assunto delicado, embora tenhamos avanço digamos que há uma cultura de rivalidade que ocorre em geral, independentemente da etinia, uma questão que deve ser minimizada através de atitudes e superação no que tange convalescença. Precisamos mobilizar como o RJ faz, buscar uma quantidade gigantesca de mulheres juntas, e assim sigamos! Parabéns a Lu Santana pelo engajamento.
Que bom ter gostado, Bruna. Continue nos acompanhando!