Essa é a sensação que tenho em grande parte do meu dia. Como se o lugar que ocupo, não fosse o meu. Parada, me pego olhando sempre ao redor, no vai e vem da cidade, me sentindo ainda mais alheia a tudo que se passa. Mas tudo pode se transformar num grande pesadelo, quando por um assunto ou atitude, passo a ser o centro das atenções.
Estava pensando nisso. Fui criada e educada para aparecer o menos possível. Mesmo sempre tendo destaque na escola, ou em roda de amigos, não ser vista, não ser notada sempre foi mais “cômodo” para mim.
Muitas foram essas situações, que me tiraram o chão, que me deram uma enorme vontade de cavar um buraco e me esconder. Como nunca fui boa em disfarçar, minha cara não negava a insatisfação.
Demorei a aceitar meu papel. Demorei a entender que mesmo que eu não queira, serei vista como modelo por muitas, que lutam da mesma forma que sempre lutei.
Quando na entrevista de emprego o olhar da entrevistadora que de malgrado ali estava, que em nenhum segundo sequer me olhou, ganhou novos ares com a sigla USP, como a forma que ela finalmente me notou, me causou um enorme desconforto, me fizeram começar a sentir o peso disso tudo.
Como ser a única negra em meio a 80 alunos, me deram novamente a sensação de não estar no lugar certo, como a surpresa das pessoas ao me ouvir falar que não usei cotas, me fizeram questionar o quanto realmente sou boa no que faço, como estar numa loja e ouvir a pergunta “você trabalha aqui?”, mesmo estando ao lado de tantos amigos, sempre me fizeram pensar, ainda que calada, do porque eu e não eles. Era o começo de me assumir!
Somos estigmatizados, sempre representados de forma caricata o que influencia muito esse sentimento de não estar no lugar certo. Faça um breve experimento, pergunte a uma criança sobre o personagem negro que ela conhece, pergunte sobre o médico, a professora, o coleguinha. Digo isso, pois desde pequenos, vamos sendo doutrinados a aceitar, aceitar sem questionar.
Resistência, resiliência… Mesmo ouvindo sempre que devo continuar, parece que o mundo grita constantemente o contrário.
Hoje mais que nunca questionei tudo isso e vi a quase que obrigação que tenho de resistir. Se quando olho o meio que convivo e não encontro pessoas como eu, ao invés de aceitar que a sociedade me “varra para debaixo do tapete”, como sempre fez, cabe a mim incentivar a luta de outros.
Fácil não é. Nunca foi e nem nunca será. Sabemos que largamos na desvantagem, e que vivemos tendo de provar que realmente somos bons no que fazemos. Nosso fracasso pode servir apenas como algo previsível, esperado. Nossas vitórias serão questionadas sempre, carregadas do velho “como assim você conseguiu?”, e pior até nossa felicidade por cada passo é questionada, é indagada:” tá comemorando porque? “, “usa esses termos porque? são doutrinados!” “não cansam deste papel de vítima?”.
E isso tudo que até ontem, me faziam querer me envolver menos ainda com tudo, que me faziam temer o rótulo de vitimista, hoje servem como motivador!
Por Mariana Alves é Graduanda no Instituto de Matemática e Estatística da USP e escreve no site “My black is power”.
Foto: Jornal do Nordeste