Eis que surgiu uma “polêmica” nas redes sociais. Pretos e pretas, mulheres, comunidade LGBTQ+ não possuem espaço na cena nacional do RPG por que não querem. Será? Fiz algumas reflexões no canal da Ordem do Dado, nesse vídeo aqui. Bom, felizmente, sobre essa polêmica, textos foram revistos e algumas posições também. Eu já me posicionei sobre o tema (em um vídeo no meu perfil que se perdeu… Melhor assim) e senti que eu precisava avançar, para além das polêmicas. Dar visibilidade. Mostrar as pessoas que estão produzindo, construindo conteúdos para o RPG, construindo eventos, escrevendo aventuras, novos sistemas e cenários.
A partir da minha página no facebook conversei com algumas pessoas próximas e fizemos um mapeamento inicial com uma galera, dentro do recorte que eu pensei lá em cima. Ao longo do ano, vou publicando algumas conversas que tive com pessoas da cena do RPG. Um ponto precisa ser lembrado. Pensei inicialmente no formato entrevista, mas esse formato pode mudar de acordo com a pessoa que será “tematizada” na publicação em questão.
Sem mais delongas, vamos a nossa primeira conversa. Thiago Rosa é uma referência importante para mim. Thiago é responsável por trabalhos bacanas como a tradução do jogo “Mutant: Ano Zero”, contribui com a revista Dragão Brasil e nesse momento está dando visibilidade para seu jogo Karyu Densetsu, que está disponível em fast play e pode ser encontrado aqui. Com vocês, Thiago Rosa.
Fotografia por Ramon Mineiro
Dados Críticos – Thiago, como começou a sua relação com o RPG?
Thiago Rosa – Quando eu tinha uns 9 anos, minha madrinha participava de um serviço de aluguel de livros e dividia comigo. Um dia fui na loja e vi um livrão com uma capa irada. Levei pra casa achando que era uma história, mas na real eram várias. O livro era Paranoia e depois dele não parei mais de jogar.
D.C – Como você percebeu que não ficaria somente jogando RPG, mas que também poderia viver os outros espaços da produção de jogos e de conteúdos para e sobre RPG?
T.R – Foi com a chegada do 3D&T. Naqueles tempos de internet nascente, o 3D&T formou uma comunidade que gerava material pra ele. E inicialmente realmente existia muita demanda pra isso, já que era antes do primeiro Manual 3D&T. Comecei a escrever pra 3D&T Underground, do JP Nogueira e do Tiago Lancelot, dois caras muito gente boa que eu infelizmente não sei onde estão.
D.C – Como era a cena que você viveu como jogador primeiramente e depois sendo um escritor de conteúdos para o RPG. E como você percebe essa cena hoje?
T.R – Quando eu comecei a jogar, eu tinha muito pouco contato com a comunidade. Quer dizer, tinha a comunidade online, mas era uma época de listas de e-mails. Era muito menos integrado do que é agora. Eu tinha na Dragão Brasil a minha janela para o que a comunidade era e pra mim bastava, jogar eu só jogava com os meus amigos mesmo.
Hoje em dia eu vejo uma cena muito forte no Brasil. Tem evento toda semana. Tem cidades que chegam a ter dois eventos no mesmo dia. Tem dois grandes eventos de RPG nacionais, sendo que um deles agora tem duas edições por ano. Tem gente jogando RPG em novela sem ser taxado de esquisito ou satanista por isso. A gente chega a ter mil cabeças assistindo stream de RPG.
Como eu não participava muito da cena quando era mais novo, não tenho como comparar muito bem, pra ser sincero. Mas acho que agora tá bom pra caramba e a tendência é só melhorar.
D.C – Você é um espelho pra uma galera que tá jogando, escrevendo, testando jogos novos… E você, quais são as suas inspirações na cena do RPG?
T.R – Nossa, que responsa, que isso!
Em termos de game design, eu dei sorte de me interessar cedo por jogos muito interessantes. Acho que minhas principais inspirações são Ewen Cluney, Eloy Lasanta, Junichi Inoue, Mike Pondsmith, Ben Lehman, Robin D. Laws e Cam Banks. O meu texto em si, estilo de escrever e tal, deve muito ao JM Trevisan e ao Henrique Loyola. Outra inspiração, não só de design ou de escrita mas de modelo de comportamento mesmo, é o grande mestre Jorge Valpaços.
Arquivo Pessoal, durante o Diversão Offline de 2017
D.C – Eu sei que você é bem fã de animes e games. Como essas produções se ligam ao que você faz com RPG?
T.R – Ah, se ligam demais. O trampo que eu fazia na 3D&T Underground era basicamente focado nisso. Foi na 3D&T Underground que eu publiquei minha adaptação de Dragon Ball Z pra 3D&T. Ela acabou na Dragão Brasil pouco depois. Eu tinha uns 14 anos na época. Lembro que ligaram pra minha casa depois, dizendo que tinha um cheque pra mim… eu nem fazia ideia que eu ia ser pago por aquilo. Tive que abrir uma conta no banco e tal. Basicamente, se não fosse por Dragon Ball Z, eu não escreveria RPG.
D.C – A literatura é uma fonte interessante para construção de aventuras, sistemas e cenários. Quais livros, quadrinhos te inspiram na escrita?
T.R – Depende muito do que eu estiver escrevendo. Uma das minhas maiores influências gerais é Guardiões da Galáxia. Tanto a série em quadrinhos do Dan Abnett quanto os filmes do James Gunn. Os quadrinhos misturam arcos de histórias com tramas específicas com excelentes momentos de personagem. Já o filme é o equilíbrio perfeito entre ação e comédia, uma coisa que eu prezo demais nos meus jogos, que costumam ser nessa linha.
Quando eu narro fantasia medieval, costumo ter em mente uma trilogia de romances de Forgotten Realms chamada Year of Rogue Dragons. Ela faz um excelente uso do material do cenário, aproveitando o que já existia e construindo cenas sensacionais. Pra mim esse é o grande pulo do gato de usar cenários já existentes.
Arquivo Pessoal. Durante World RPG Fest 2017
D.C – Como você nota a presença de pretos e pretas no RPG? E a presença de mulheres e comunidade LGBTQ+?
T.R – Acho que somos poucos ainda. Somos uma nação de maioria negra/parda, mas o RPG ainda parece ser um hobby majoritariamente branco. Não só o RPG, né, “cultura nerd” em geral tem essa cara de ser um espaço principalmente branco. Eu digo “parece” porque não acredito que isso seja um reflexo do público consumidor. Tem tanto preto e preta lendo e jogando RPG quanto branco. A diferença tá mais no lado de produtores de conteúdo, que é quem funciona como rosto da cena. Acho que a gente tem melhorado muito nesse sentido. Cada vez mais temos negros escrevendo, jogando em stream e tudo. A mesma coisa vale pra mulheres e pra comunidade LGBTQ+… tem uma galera produzindo e mostrando que o jogo é pra todo mundo, daí a tendência é que as pessoas se identifiquem mais com o jogo a ponto de aparecerem pra gente.
RPG é um jogo muito particular. Tem muita gente que encontra os amigos, rola uns dados, vive momentos da vida de um personagem ficcional… e acabou. Depois da mesa, o cara não quer saber de mais nada. Se esse cara tiver mais representatividade, de repente ele pode se envolver mais. A minha impressão é que tem muito preto e LGBT que tá nesse estágio.
D.C – Estamos vivendo um momento bem interessante, com novas produções, conteúdos e eventos. Está mais fácil ou mais difícil para essa galera anteriormente silenciada ocupar espaços nas mesas de RPG e produzir conteúdos? Quais os limites? Quais as possibilidades?
T.R – Acho que está mais fácil sim. Bem mais fácil, na real. Hoje em dia você não precisa da permissão de ninguém pra colocar seu material no mundo. Entre YouTube, Dungeonist, DriveThruRPG e Twitter todo mundo tem possibilidade de expor o que fala e o que faz. Agora, limites? Acho que o principal limite é entender que essas coisas dão muito trabalho. Chegar e fazer um trampo legal fazendo a sua stream, por exemplo, vai exigir um investimento danado de tempo e até de grana. Já as possibilidades são todas. A gente tem jogos maneiríssimos surgindo por aí, super variados. Finalmente as esquisitices independentes estão se tornando acessíveis pro grande público. A gente tem o Veridiana do Alan Silva, um jogo absurdamente emotivo, triste feito Túmulo dos Vagalumes, com um verniz bucólico e onírico. A gente tem o Jornada da Coragem do Jairo Borges, uma experiência extremamente íntima. A gente tem até o Overpower do Marcus Bonatto, sobre dar soco na cara estilo Dragon Ball Z. Cara, a gente tem de tudo. E vai continuar tendo. A gente tem todas as possibilidades se abrindo.
D.C – Fala um pouco do seu Karyu Densetsu! Quais os retornos você teve do fastplay do jogo? Como está a produção do jogo, junto com a nossa amiga Nina Bichara?
T.R – O fastplay tem sido muito bem recebido. Tenho inclusive que agradecer uma galera que tem colocado ele em mesa por aí, como o Odmir Fortes, o Mateus Buffone e o Jorge Valpaços.
Trabalhar no KD com a Nina tem sido muito bom. Não é a primeira vez que a gente trabalha junto (já fizemos o Astra pra Fat Goblin Games e a adaptação de Hora de Aventura da Dragão Brasil), mas é o trabalho mais extenso de longe. A Nina tem uma visão bem editorial da coisa que ajuda muito. Ela também tem uma sensibilidade prática que é muito útil pra perceber o que tem que ficar e o que tem que sair. E tem o texto, né. O texto da Nina fala por si só. Eu trabalhei sozinho no KD por uns 4 anos, mas o projeto só andou de verdade depois de envolver a Nina e o Odmir.
Ilustração por Odmir Fortes.
Ilustração por Bruno Prosaiko
D.C – A pergunta que não quer calar: Combo ou interpretação?
T.R – Combo. Você não pode interpretar um personagem morto.
Respostas de 13
Eu vou guardar esse texto no meu coração. ❤ e pô roubou minha ideia de entrevistar o Thiago, Luciano! Hahaha
hahahahahahahahahahahaha! Que nada Ninoca! Podemos fazer o seguinte, vamos fazer outra entrevista com o Thi!! Daí entrevistamos ele juntas! Ficou muito legal a entrevista neh?
Ficou ótima! Parabéns cara. Vai ser um projeto bonito <3
Ficou muito massa a entrevista. Parabéns.
Ei Franz, obrigado! Que bom que vc gostou!
Adorei a entrevista! Estou esperando mais! 🙂
Opa! vamos que vamos Tio Nitro!
Logo, logo teremos novas entrevistas!
Achei a iniciativa muito válida, seria melhor ao meu ver, mais trabalhos que enaltecem essa turma do bem, quanto mais coisas assim, mais teremos contra aqueles que ignoram essas pessoas como iguais, parabéns Luciano.
É noiz Walison! Abraços!
Nossa, curti muito a matéria e fiquei feliz em saber que o RPG está perdendo o poder do mito de coisa do mal/mau. Jogo a bastante tempo, desenvolvo sistemas (principalmente para suprir os originais) para jogar no privado e também escrevo uma web série para os amigos. Meu trabalho não tem fim lucrativo e mesmo assim não se tornou interessante para o público fora do círculo de amigos. Tentei ir mais adiante, mas aqui no Rio Grande do Sul tudo isto ainda é literatura fantástica e não tem muita saída. Parabéns pela iniciativa. Caso aja interesse tenho meus materiais aqui: https://zykonn.wordpress.com/rpg-do-grupo-zykonn/
Fala Alexsandro! que bom que você gostou! Então, esse é o primeiro capítulo, outras conversas serão realizadas ao longo do mês! Estou experimentando a periodicidade de duas entrevistas por mês, mas isso pode mudar, pois novas nomes podem surgir, novos formatos podem ser experimentados… Na real a ideia das entrevistas eram até mais ampla, para além de superar os mitos construídos no Brasil durante a década de 1990. A ideia é dar visibilidade mesmo! Mas dentro do recorte proposto, dialogar com minorias políticas…
Cara, sobre seu projetos… Nossa é sempre bom conhecer novos projetos, novas propostas. Eu sei que aí no Rio Grande do Sul está um amigo querido, o Stephan. Na verdade ele mora em Nova Prata, mas é sempre possível dialogar! Eu citei o canal dele nesse texto, a “Ordem do Dado” se vc não conhece, acho que super compensa dialogar com ele e a Bruna (eu acho que a Bruna mora em Porto Alegre…)
Abraços!
Muito boa a matéria! Ver o que os produtores de conteúdo chegaram até aqui dá um gás pra quem quer começar na área.
Cara, a ideia é essa! Mostrar que tem muita gente legal produzindo conteúdo no RPG nacional!
Siga acompanhando a gente!