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SAMBA SEM FRONTEIRAS: Invisíveis!

 

Meus Amigos e Minhas Amigas

A essência de um povo ou de uma raça está na preservação da memória dos seus heróis e ídolos. Essa prática, lamentavelmente, não é preocupação da negritude brasileira. Grandes personalidades das artes, da música, da política, das letras, da cultura e da ciência, no Brasil, foram ou são homens negros ou mulheres negras que a própria negritude desconhece.

Exemplos são os mais diversos. Quem sabe, por exemplo, que os maiores sucessos do Rei Roberto Carlos – exceto as canções do próprio Roberto em parceria com Erasmo Carlos – são de um compositor negro e de uma compositora negra, individualmente?

Quem poderia imaginar que a Rua Timóteo da Costa, uma das ruas do metro quadrado mais caro do Brasil, no Leblon, RJ, tem o nome em homenagem a dois irmãos negros, grandes nomes da pintura realista brasileira?

Quem vai à Manaus e se encanta com a bela e magistral arquitetura do Teatro Amazonas, nem imagina que quem o mandou construir foi o primeiro governador negro do país. Também nem imagina que a principal avenida do centro de Manaus é uma homenagem a esse governador.

São Paulo, no bairro Pinheiros, e no Rio de Janeiro, bairro Sulacap, tem em comum o mesmo nome rua: Teodoro Sampaio.  Alguém imagina que essa personalidade foi engenheiro e um dos maiores nomes do setor ferroviário nacional? São inúmeros os ícones nacionais, negros e negras, praticamente desconhecidos pela própria negritude.

Em Florianópolis, Blumenau e outras importantes cidades catarinenses existem vários logradouros principais denominados professora Antonieta de Barros, inclusive tem o nome no Túnel da Via Expressa Sul, na capital catarinense.  Essa mulher, além de uma das mais respeitada docente de todo o Estado de Santa Catarina, foi também a primeira parlamentar negra do Brasil.

No bairro classe média, Lins de Vasconcelos, zona norte do Rio, tem uma rua chamada Antenor Nascente. No Parque Anchieta, também na zona norte, existe a Escola Municipal Antenor Nascente. Quem foi essa ilustre figura para merecer nome de rua e de escola?

Um incomensurável número de grandes personalidades negras, importantes para Brasil, que nomeiam ruas, escolas, presídios e instituições diversas continuam no anonimato.

Eis apenas alguns exemplos.

Irmãos Timóteo da Costa – João Timóteo da Costa (Rio de Janeiro1879 – 1932) se destacou pela pintura de retratos e paisagens, expôs no Salão Nacional de Belas Artes desde 1906 e ali conquistou todos os prêmios. Esteve na Europa entre 1910 e 1911, contratado, dentre outros artistas, pelo governo brasileiro para fazer decorações no Pavilhão da Exposição de Turim.

Artur Timóteo da Costa (Rio de Janeiro, 1882 — 1922) aos 25 anos apenas, receberia o prêmio máximo da Escola, o de viagem à Europa, com a tela Antes da Aleluia.  Apesar de ainda tão jovem já trazia consigo os sinais do espírito revolucionário do genial artista que a executara o domínio de amplos espaços pictóricos, a largueza e agilidade de execução, a dramaticidade e a facilidade no jogar com os efeitos de luzes e sombras.

No Museu Afro Brasil, no Parque Ibirapuera, em São Paulo, tem uma exposição permanente dos dois pintores.

Os artistas negros João e Arthur Timótheo

 Os artistas negros João e Arthur Timótheo

Antenor (de Veras) Nascentes (1886-1972) Foi filólogo, etimólogo, dialetólogo e lexicógrafo. Ocupou como fundador a Cadeira nº 3 da Academia Brasileira de Filologia. Entre a enorme lista de importantes obras produzidas ao longo de sua vida, destaca-se o Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa, de 1932, que o fez famoso não apenas no Brasil, mas também em Portugal.

Podem-se destacar ainda o seu Vocabulário Ortográfico, de 1941, que influenciou o vocabulário ortográfico da Academia Brasileira de Letras (ABL), cuja primeira edição foi publicada logo depois; e o seu Dicionário Etimológico de Nomes Próprios, que viria a servir de base para o Vocabulário Onomástico da Língua Portuguesa, lançado apenas em 1999 pela ABL.

Antenor Nascentes – Sao Paulo, SP, 1966 – Foto: Folha Imagem.

Teodoro (Fernandes) Sampaio (91855 – 1937) Um dos maiores engenheiros do país, além de geógrafo e historiador, foi o primeiro a mapear a região da Chapada Diamantina. Suas anotações ajudaram Euclides da Cunha a escrever Os Sertões. Foi também um dos homens públicos de maior importância nos debates e projetos urbanísticos do país, no final do século XIX e início do XX. Hoje, municípios em São Paulo e na Bahia carregam seu nome, além de escolas, túnel, ruas e travessas de cinco bairros da cidade de Salvador e ruas de cidades como Feira de Santana, Curitiba, Londrina, Rio de Janeiro e Santos, entre outras.

Em 1886, Teodoro integrou a Comissão Geográfica e Geológica de São Paulo, como 1º Engenheiro e Chefe de Topografia. No governo de Prudente de Morais (1890), assumiu a chefia dos Serviços de Água e Esgoto da cidade de São Paulo. A partir da década de 1890, Teodoro ganhou reconhecimento intelectual cada vez maior, devido, entre outros fatores, à sua participação na comissão que organizou a Escola Politécnica de São Paulo.

Teodoro Sampaio

Antonieta de Barros – (1901 – 1952) De família muito pobre, ainda criança ficou órfã de pai, sendo criada pela mãe. Ingressou com 17 anos na Escola Normal catarinense, concluindo o curso em 1921. Antonieta surgiu junto com um novo século, em que as desigualdades de oportunidade e de direitos teriam de ser revistas e transformadas a qualquer custo. E não foram poucas as barreiras superadas: mulher, negra, jornalista, fundadora e diretora do jornal, A Semana, (entre 1922 e 1927), Antonieta teve de impor seu lugar e sua fala em um contexto nada afeito às opiniões e à força feminina – coragem essa que viria lhe catapultar a condição de primeira mulher deputada do estado de Santa Catarina, e à primeira deputada estadual negra do Brasil.

Antonieta de Barros (Foto: Portal Paulinas)

Getúlio Cortes – Quem viveu a geração da Jovem Guarda ouviu, dançou e namorou ao som de belas músicas cantadas pelo Rei Roberto Carlos, Renato e Seus Blue Caps e outros. Mas o que muitos não sabem é que o ilustre compositor é negro.

Nascido em 22 de março de 1938 na cidade do Rio de Janeiro (RJ), Getúlio Francisco Côrtes – irmão de Gérson Rodrigues Côrtes, o cantor de funk conhecido como Gerson King Combo – se criou no bairro de Madureira, um dos berços do samba carioca, mas contrariou a lógica racista da época de que negro tinha que ser sambista ao entrar no mundo da música. Roqueiro pela própria natureza musical, Getúlio se associou nos anos 1960 à turma da Jovem Guarda e, com isso, teve músicas gravadas por Roberto Carlos, o rei da juventude daquela década.

A música de Getúlio que alcançou maior projeção na voz do cantor, sobrevivendo inclusive ao fim da Jovem Guarda, foi Negro gato (1965), gravada por Roberto em 1966, um ano após ter sido lançada pelo grupo Renato e seus Blue Caps no álbum Viva a juventude! (1965), e desde então revisitada por intérpretes como Marisa Monte. Mas são da lavra de Getúlio várias outras músicas gravadas por Roberto Carlos, com quem o compositor se enturmou em 1961, anos antes do estouro do cantor.

Entre as composições de Getúlio Cortes, sucessos do Rei, cito algumas: O FeioPega LadrãoQuase Fui Lhe ProcurarEu só tenho um caminho e Atitudes.

Getúlio Cortes

Eduardo (Gonçalves) Ribeiro (São Luís, 18 de setembro de 1862 – Manaus, 14 de outubro de 1900) foi um político brasileiro e governador do Amazonas, de 2 de novembro de 1890 a 5 de maio de 1891 e de 27 de fevereiro de 1892 a 23 de julho de 1896, sendo o primeiro negro a governar o Amazonas.

Em seu governo foi responsável por agilizar e terminar a construção do Teatro Amazonas e muitas das outras obras de urbanização da cidade de Manaus, entre elas o Reservatório do Mocó, a Ponte Pênsil Benjamin Constant e o Palácio da Justiça do Amazonas, dando-lhe a alcunha para a capital do Amazonas de “Paris dos Trópicos”, em honra a sua memória foi nomeado uma avenida de Manaus, a inscrição na fachada direita e o palco do Teatro Amazonas têm seu nome, sua residência em Manaus foi transformada num museu.

Devido ao seu empreendedorismo e competência gestora, Eduardo Ribeiro, passou a incomodar sobremaneira a elite política branca amazonense, perseguido física e psicologicamente e foi suicidado em 1900.

Eduardo Gonçalves Ribeiro.

Maria Helena dos Santos Oliveira. Nasceu em Conselheiro Lafaiete-MG, em 1927.  Aprendera com o marido, que morreu deixando-a com seis filhos, a forma de compor versos com rimas. Viúva e mergulhada na mais profunda miséria, sobreviveu criando os filhos trabalhando como costureira, lavadeira e doméstica. Nos poucos momentos de descanso, Helena dos Santos punha em pratica o aprendizado adquirido do falecido marido e iniciou a compor letras e a musicá-las.

Maria Helena dos Santos Oliveira

Durante a semana, tirava um dia para visitar as principais emissoras de rádio e mostrava suas músicas aos cantores dos quais conseguia se aproximar e recebia sempre as mesmas respostas: – Não é o meu estilo de música. – Mas ninguém a indicava a quem poderia se interessar por suas composições. A doméstica, no entanto, sabia que pelo fato de ser negra, e de aspecto simples, representava um agravante nessa intermediação. A luz no fim do túnel acendeu por intermédio de uma personalidade também diferente: uma travesti.

Certo dia, numa das suas incontáveis idas a Rádio Globo, avistou a cantora Rogéria, aproximou-se dela e pediu um minuto de atenção. Rogéria, dona de uma simpatia, elegância e generosidade muito peculiares a atendeu.  Atenta e carinhosamente ouviu a canção Na Lua Não Há. – Querida. A sua música é simplesmente maravilhosa, mas não está dentro do meu repertório – disse Rogéria – Há um rapazinho cabeludo, muito atencioso, que vai gravar um LP com música desse estilo. Vou lhe encaminhar a ele.

Rogéria pediu a pessoa da recepção que levasse Helena ao cabeludinho que estava, com o Jair de Taumaturgo, conversando na sala da diretoria. Poucos minutos depois, Helena dos Santos estava diante do cabeludinho, até então, desconhecido de nome Roberto Carlos, que a recebeu todo atencioso e mostrou interesse em ouvir a música. A partir dali iniciou-se uma amizade e uma parceria musical, entre ambos, que duraria até a morte da compositora, em 23 de outubro de 2003.

Entre tantas outras, as principais músicas gravadas pelo Rei, de autoria de Helena dos Santos, constam: Nem Mesmo Você, Do Outro Lado da Cidade, Agora Eu Sei, Recordações e O Astronauta.

Eu poderia citar dezenas, centenas de personalidades negras, hoje nomes de ruas e de escolas – mas sem quaisquer referencias de quem tenham sido – cujas existências representam imensa honraria para a negritude.

Juliano Moreira, psiquiatra; Evaristo de Morais, advogado; Joãozinho da Gomeia, babalorixá; entre muitos outros.

Recuso-me sobremaneira dissertar sobre Francisco de Paula Brito (1809 – 1861) nome de uma importante via do planalto paulista e, também, no bairro do Andaraí, zona norte do Rio. Livreiro, escritor, político. … E dono de escravos.

Francisco de Paula Brito não merece ter o nome citado em nenhum compêndio de heróis ou ídolos negros afros brasileiros.

Abraços a todos.

Flávio Leandro

Cineasta, Professor de Produção Audiovisual, professor de Produção Teatral.

 

NOTA

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