Carolina Maria de Jesus é uma escritora negra, um ícone da literatura periférica, que lançou Quarto de Despejo em 1960, um best-seller que vendeu mais de 80 mil cópias, e foi traduzido para 13 idiomas. O livro é um compilado de 20 diários em que Carolina escreveu ao longo dos anos, suas “escrevivências” da vida na favela, da fome, da invisibilidade do pobre. Carolina teve três filhos e representa a mulher negra como arreio de família, um retrato atemporal da realidade. Apesar do sucesso, por ter se oposto a mercantilização de sua imagem, a elite e a ditadura militar, relegaram a autora ao esquecimento.
Essa história, mesclando fatos biográficos e escritos ficcionais da própria autora é contada na graphic novel Carolina, escrita por Sirlene Barbosa e desenhada por João Pinheiro. Os autores conheceram Quarto de despejo em 2000 e não entenderam por que tão poucos conheciam a obra. Sirlene Barbosa é pesquisadora de Carolina Maria de Jesus; literatura negra; e relações étnico-raciais nas redes de ensino fundamental da rede municipal, trabalha com foco na descolonização do currículo educacional. João Pinheiro é quadrinista, artista plástico e ilustrador é autor de mais duas HQs: Kerouac e Burroughs, ambas de cunho biográfico. João é desenhista de diversas HQs, revistas e jornais tendo ainda filmes entre suas obras.
Quarto de despejo é um livro pesado, assim como a vida da autora. A HQ mostra a vida de Carolina pelos olhos de terceiros enquanto Quarto de despejo apresenta sua vida em primeira pessoa. Os traços do João e a forma poética e realista que retrata a favela traz auto reconhecimento e, por consequência, empoderamento ao povo periférico. A arte de João vem numa evolução crescente ao longo de suas obras e em Carolina ele alcança seu apogeu tanto em beleza de traço quanto pela sua habilidade em retratar o pobre de forma sincera, sem menosprezo.
Enquanto educadora, Sirlene viu que pouquíssimos profissionais do meio tinham conhecimento da obra ou tinham conhecimento superficial. Como coordenadora de sala de leitura da rede municipal paulista, Sirlene conta que a Secretária de Educação passou a gerir, a partir de 2014, um projeto de leituras de escritoras(es) fora do cânone literário, e entre esses estava Carolina, mas havia pouquíssimos exemplares da obra disponíveis. Assim surgiu a idéia dos autores de criar uma obra que pudesse servir de divulgação da obra de Carolina. Em 2014, ano do centenário de Carolina, os olhos se voltaram as suas obras. Mas ainda assim há pouca discussão sobre essa escritora fenomenal, somente em 2017 o livro entrou para a lista de leitura obrigatória da Unicamp “numa pequena tentativa de inseri-lo entre os clássicos de nossa literatura”.
Devido as dificuldades encontradas pelos autores para encontrar uma editora interessada a obra foi lançada após ganhar o PROAC de 2014, após o que a editora Venetta fez a publicação. A graphic novel foi indicada para o prêmio Jabuti de 2017 tornando Sirlene Barbosa a primeira e única mulher a ser indicada na categoria de quadrinhos, não ganhou infelizmente, mas é bom ver diversos livros de temática negra na lista de vencedores em outras categorias. A HQ também foi indicada para o premio Grampo e em 2018 será lançada na França.
João Pinheiro e Sirlene Barbosa estarão no evento Vozes Negras do Jornal Emporado Mundo Nerd: Representatividade e auto estima negra. Discutindo a participação negra na cultura contemporânea junto com Alex Mir, Germana Viana, Regis Rocha e Load Comics. O Vozes Negras ocorre dia 16 de dezembro as 15h00, na rua Rego Freitas 454, 8º no centro de São Paulo.