Por Onésio Meirelles
Salve leitores,
Nasci no Morro de Mangueira em 1946. Num barraco pobre com telhado de zinco e chão de barro e o banheiro era no quintal e não tinha descarga, pois água encanada naquele tempo nem pensar.
Cresci naquele ambiente promiscuo, sem saneamento básico com valas á céu aberto.
Mas se por um lado tínhamos essas carências, por outro tínhamos o samba onde descarregamos nosso sofrimento, através da alegria de sambar.
Além do samba você tinha o forró trazido pelos nordestinos que lá morava, a dança de quadrilha nas festas juninas os arrasta pés, enfim a cultura era uma constante “Naquele mundo de Zinco que é Mangueira” já dizia um compositor num samba em referencia ao morro.
Ali não se tinha diferença entre as pessoas por serem de cores diferentes, embora a predominância de pessoas com pele negra fosse vidente.
.Em sua maioria vinda do Vale do Paraíba, após a Abolição da Escravatura e a Proclamação da República.
O Rio de Janeiro era a capital e o sonho de uma vida melhor trouxe muita gente daquela região para os morros da Cidade.
Do nordeste muita gente mestiça e muita gente de pele clara, misturavam-se aos negros oriundos de Minas Gerais.
E assim a convivência era normal no ambiente pobre, mas solidário onde um sempre ajudou o outro na hora da precisão.
Não se sabia o que era intolerância religiosa, pois havia uma convivência pacífica entre as várias religiões existentes no Morro de Mangueira.
Templo de Umbanda ou de Candomblé ao lado de uma Igreja Batista, uma Paróquia Católica, vizinha de uma Igreja da Assembleia de Deus, todos se cumprimentavam.
Dentro de uma mesma família você tinha pessoas com orientações religiosas diferentes.
Pessoas negras e pessoas brancas naquele ambiente não tinham diferenças, formavam famílias sem nenhuma oposição com relação a cor.
E nos ensaios da Estação Primeira de Mangueira já naquela época, negros e brancos do morro viviam em perfeita harmonia, era bonito de se ver.
Mas fora daquele ambiente havia uma coisa velada chamada preconceito, principalmente contra o pobre e particularmente contra o negro..
Aos cinco anos de idade minha mãe me matriculou em uma escola pública fora do Morro e eu mesmo criança observava que a maioria dos alunos daquele jardim de Infância não era negra, mas eu era criança nem pensava nada e me adaptei normalmente.
Aos nove anos minha primeira decepção.
Eu era um aluno bem aplicado no terceiro ano primário e também o Roberto um colega de turma.
Ele era branco e bem arrumado e usava um relógio de pulso que na época era status.
Eu neguinho do morro com sapato barrento e cabelo crespo.
Dona Maria Jose nossa professora tinha que escolher um aluno pra representar a turma numa atividade cívica no Colégio Ferreira Viana.
A escolha dela seria entre eu e o Roberto e a professora me escolheu.
Os alunos da turma queriam o Roberto e criaram uma algazarra, mas Dona Maria Jose foi firme e confirmou meu nome. Fiquei triste e alegre ao mesmo tempo ( rolou um preconceito ali)
Chorei muito pela preferencia da turma, mas fui.
Fui crescendo no mundo do samba e até os anos sessenta as escolas de samba só tinham em seus enredos fatos históricos do Brasil. Os heróis eram todos brancos e nenhuma referencia aos negros a não ser a imagem negativa da escravidão e o negro participando da historia sempre como um servo, um subalterno, um cidadão de segunda categoria.
Até que em 1960 o GRES Acadêmicos do Salgueiro, revolucionou o carnaval carioca com o Enredo “Zumbi dos Palmares”, até então um herói negro desconhecido na historia.
E sucessivamente esta escola foi apresentando enredos com a temática negra.
““ Antônio Francisco Lisboa o “Aleijadinho’”, “ Chica da Silva” que lhe deu o primeiro campeonato propriamente dito e “Chico Rei”, todos personagens negros que concorreram para melhorar a estima dos sambistas afro brasileiros.
Crescemos alijados do processo social, politico e econômico- financeiro.
Minha mãe foi empregada domestica na zona sul do Rio de Janeiro e no prédio em que ela trabalhava havia dois elevadores; Um social onde era usado pelos moradores e um de serviço onde era usado pelos empregados do prédio e dos vários apartamentos, todos negros.
Nos vários clubes existentes na cidade do Rio de Janeiro o negro não podia entrar a não ser que fosse empregado, até que intelectuais negros resolveram criar um clube para que pudessem frequentar e aí nasceu o Renascença Clube.
E num concurso de beleza aonde só participavam pessoas com pele clara o Clube se fez representar e pela primeira vez uma mulher negra chamava a atenção pela sua beleza.
Vera Lucia Couto miss Guanabara, a beleza negra se impondo.
Com a chegada das redes sociais o preconceito que era velado passou a ser mostrado de forma bem agressiva.
Se em parte foi ruim, em outra foi bom porque caiu a máscara o Brasil é um país racista declaradamente.
Mas a diferença é que hoje o negro se impõe, já não é mais submisso e enfrenta de frente o problema.
Vários artistas negros foram ofendidos nas redes sociais, mas souberam encarar o problema com muita dignidade, dando resposta a altura para os ofensores.
Preta Gil, Tais Araújo, Ludmila, Maju, Seu Jorge. Um goleiro de futebol e agora mais recentemente a família do jovem jogador do Flamengo Vinicius Junior no Estádio do Botafogo, por um torcedor doente, todos alvos do preconceito racial.
Não podemos abaixar a cabeça e neste processo as escolas de samba têm sido muito importantes, pois une todas as classes sociais e todas as raças e mais importante ainda é a temática de contestação e de negação do negro como pessoas de segunda classe simplesmente por que seus antepassados foram escravizados aqui, só que todas as raças como dizia Candeia, “Já foram escravas também”.
E salve o Samba do trabalhado no Renascença Clube
O SAMBA NÃO TEM FRONTEIRAS
Rio de Janeiro, 29 de agosto de 2017.