Hoje, o Brasil vive um marco histórico: pela primeira vez, o Dia da Consciência Negra – 20 de novembro – é feriado nacional. Um reconhecimento oficial que carrega o peso de séculos de luta do povo negro por liberdade, dignidade e igualdade. Desde os tempos de Zumbi dos Palmares, que tombou em 1695, até as batalhas contemporâneas por direitos civis, essa data simboliza resistência, mas também expõe as feridas abertas de uma sociedade que insiste em aceitar e aumentar as desigualdades.
Um Caminho Longo e Tortuoso
A luta pelo reconhecimento do 20 de novembro como um marco nacional começou nos anos 70, com o Movimento Negro Unificado (MNU). Eles escolheram a data não por acaso: foi o dia em que Zumbi dos Palmares, líder do maior quilombo da história brasileira, foi brutalmente assassinado em 1695. Zumbi é mais do que um herói; ele é o símbolo da resistência negra contra o sistema escravista que sustentou a economia colonial.
Somente em 2003, o Dia da Consciência Negra foi incluído no calendário escolar, e em 2011 alguns estados e municípios adotaram o feriado localmente. Agora, em 2024, finalmente temos o feriado nacional. No entanto, o tempo que levou para essa conquista mostra o quanto o racismo estrutural ainda prevalece na nossa sociedade.
O Avanço da Extrema Direita: Um Alerta Necessário
Enquanto celebramos esta vitória, é impossível ignorar a ameaça crescente da extrema direita e de movimentos supremacistas brancos, que têm ganhado força no Brasil e no mundo. No Brasil, figuras públicas que antes se escondiam atrás de discursos velados, hoje propagam abertamente ideias racistas, homofóbicas e misóginas. Nos Estados Unidos, o ataque a uma comunidade negra em Buffalo em 2022, que deixou 10 mortos, foi um lembrete sombrio do impacto devastador do ódio racial.
O crescimento desses grupos ameaça não só as conquistas recentes, mas também a segurança das populações negras. Políticas públicas voltadas para a equidade racial, como as cotas nas universidades e o incentivo à contratação de profissionais negros, estão constantemente sob ataque.
A Falta de Representatividade nos Espaços de Poder
Apesar de avanços significativos, a representatividade negra nos espaços de poder continua escassa. No Brasil, onde mais de 56% da população se autodeclara preta ou parda, os números mostram uma desconexão gritante: apenas 2,3% dos prefeitos eleitos neste ano de declaram negros, e no Congresso Nacional, são 5,6 dos parlamentares se identificam como tal.
Internacionalmente, a realidade não é muito diferente. Nos Estados Unidos, embora Barack Obama tenha quebrado barreiras em 2008, a presença de negros em cargos de alto escalão permanece ínfima. Entre os CEOs das 500 maiores empresas da Fortune, apenas 1,2% são negros. A situação reflete a resistência das estruturas brancas em ceder espaço e poder.
Vitórias que Inspiram e Mostram o Caminho
Mesmo diante desse cenário, o povo negro tem acumulado conquistas que não podem ser ignoradas. Na política, personalidades como Benedita da Silva, primeira governadora negra do Brasil, e Marielle Franco, cuja luta permanece viva mesmo após seu brutal assassinato, representam a força e a resiliência da mulher preta.
Nas artes, nomes como Elza Soares, cujo legado nos brinda com sua voz potente mesmo após a sua morte, e Lázaro Ramos, que utiliza o audiovisual para contar nossas histórias, se destacam. No esporte, Pelé e Formiga pavimentaram o caminho para as futuras gerações. E na ciência, mulheres como Joana D’Arc Félix, premiada internacionalmente por suas pesquisas em química, rompem barreiras e mostram que o talento negro floresce mesmo em terrenos adversos, sem incentivo, sem espaço e tendo que se dedicar, mais do que o dobro do que qualquer branco, para provar sua competência.
A Urgência da Luta Diária
O feriado nacional é um marco, mas está longe de ser suficiente. A desigualdade racial ainda é gritante. Segundo o Atlas da Violência de 2023, 84% das vítimas de homicídios no Brasil são negras, essa mesma porcentagem foi constatada em São Paulo, de janeiro a agosto deste ano, no aumento a mortes de negros pela Polícia Militar (PM) no atual governo do estado de São Paulo.
No mercado de trabalho, a população preta e parda ganha, em média, 55% do que pessoas brancas recebem. E nas universidades, mesmo com as políticas de cotas, estudantes negros ainda enfrentam o preconceito e a falta de oportunidades.
Como disse Angela Davis: “Em uma sociedade racista, não basta não ser racista. É preciso ser antirracista.” Esse pensamento deve guiar não apenas os movimentos negros, mas toda a sociedade. A luta por equidade racial não é um favor ou uma concessão, é um direito e uma responsabilidade coletiva.
O Recado Está Dado: Seguimos Resistindo
O 20 de novembro nos lembra que a história do povo negro é uma história de luta e resistência. Celebramos nossas conquistas, mas não podemos baixar a guarda. A extrema direita e os movimentos supremacistas podem até tentar, mas não vão apagar nossa história, nem impedir nosso avanço.
O feriado é uma vitória, mas a luta por um Brasil verdadeiramente justo e igualitário está longe de acabar. Resistimos ontem, resistimos hoje, e resistiremos sempre. Nossa existência é resistência, e nossa resistência é revolução.
Consciência Negra é olhar para o passado, se fortalecer no presente e construir um futuro antirracista!
Texto e imagem: Jonatas Solano
Edição e revisão: Tatiana Oliveira Botosso