Pensar o dia 13 de maio de 1888 e tudo que envolve a abolição da escravatura no Brasil é uma tarefa árdua e chia de complexidades.
“pergunto ao criado, pergunto ao criador… quem pintou essa aquarela livre do acoite da senzala… preso na miséria da favela” (Mangueira 1988)
Se a produção reflexiva se debruçar nos estudos a partir da chegada dos primeiros africanos escravizados em seus territórios e trazidos para o Brasil em meados do século XVI, certamente teremos um vasto histórico de movimentos de resistência e de luta contra a escravização dos povos africanos.
Essas lutas se deram em todo o período em que a elite branca escravista e colonial investiu para manter uma política de exploração escravizada para a produção de riquezas que garantiram a hegemonia do poder econômico e político da branquitude normativa. É possível encontrar importantes estudos sobre esses movimentos de luta e de resistência em diversas pesquisas publicadas pelo sociólogo e professor Clóvis Moura dentre elas os livros Rebeliões da senzala, Quilombos – Resistência ao escravismo, Dialética radical do Brasil negro entre outros estudos que nos dão uma dimensão mais ampla sobre as centenas de “Quilombagem” (ataques e saques aos centros urbanos) realizadas pelos negros aquilombados.
Outro fator imprescindível na história das lutas e rebeliões contra o escravismo no Brasil foi o movimento abolicionista. Os abolicionistas jogaram um papel fundamental nas diversas frentes de combate e resistência contra a manutenção da política escravista que em outros países já havia sido extinta. Nomes como Luiz Gama, Joaquim Nabuco e José do Patrocínio foram vitais para que houvessem as dezenas de investidas do movimento abolicionista contra a escravização negra naquele contexto. Os movimentos políticos de libertação dos escravizados e escravizadas, naquele contexto, iniciaram uma “pressão” conjunta com as ações realizadas pela Inglaterra – que estava liderando um processo universal de abolição da escravidão humana – para forçar a coroa portuguesa a assinar do documento que continha a lei de libertação dos escravizados e escravizadas.
A história da abolição da escravatura do nosso país vem sendo, dede então, contada de forma deturpada, arremedada, caluniosa, vã, injusta e sem o mínimo de responsabilidade com as consequências que essa mentira contada de forma institucionalizada pode causar nas vidas de milhares de herdeiros dessa história falaciosa.
A antropóloga e pesquisadora Lilia Schwarcz é enfática em dizer que não há motivo algum para celebrar. O Brasil foi o ultimo país do Ocidente a abolir a escravidão. Às vezes as pessoas falam que foi o último das Américas, mas não. De fato, era chamado na época de ‘retardão’. Tardou demais. As estatísticas oscilam, mas indicam que o país teria recebido entre 38% a 44% da quantidade absoluta de africanos obrigados a deixar o continente. E teve escravos em todo o seu território, diferente dos EUA, por exemplo, que no Sul tinha um modelo semelhante ao nosso, mas no norte tinha outro modelo econômico.
Quando veio a Lei Áurea, em 1888, ela saiu muito curtinha, muito pequena, muito conservadora. “Não há mais escravos no Brasil, revogam-se as posições em contrário”. Corria no plenário uma série de propostas, algumas ainda mais conservadoras, outras mais progressistas.
A antropóloga faz uma análise sobre a estrutura do racismo no Brasil e faz a seguinte proposição: “O que vemos hoje no país é uma recriação, uma reconstrução do racismo estrutural. Nós não somos só vítimas do passado. O que nós temos feito nesses 130 anos é não apenas dar continuidade, mas radicalizar o racismo estrutural”, considera Schwarcz, professora do Departamento de Antropologia da USP e autora, entre outros livros, de O Espetáculo das Raças , As Barbas do Imperador , Racismo no Brasil e Brasil: uma biografia .
Há exatos 132 anos atrás, os negros privados de sua liberdade eram libertos por uma política caluniosa e sem força moral para contrariar os diversos grupos abolicionistas que já enfrentavam o racismo e a desigualdade sócio-racial que assolavam aquele período e que ainda hoje nos assombra como um “fantasma” que insiste em nos visitar.
A grande questão, sugiro, que colocou a população negra num processo de invisibilidade social e econômica no pós escravidão não foi propriamente a lei que os “libertou” no dia 13 de maio de 1888 e sim o que aconteceria com essa população no dia 14 de maio de 1888?! Até o dia 13 de maio de 88 a população negra era sujeito ativo da economia brasileira, mas na medida em que a tal abolição é declarada, essa mesma população passa a ser sujeito passivo da economia brasileira. É impressionante como esse processo brutal de esvaziamento da presença negra no pós escravidão se deu de forma sistêmica. O negro brasileiro passa a ser tratado de “bom escravo à mal cidadão” e é condicionado a uma subvida gerenciada á sua própria sorte. Refletir para ressignificar a nossa história pode ser o caminho para que as injustiças e os apagamentos históricos sobre as insubordinações contra o escravismo não fiquem de fora do empirismo a qual a população negra bravamente ajudou a escrever, pois enquanto essa “estória” de que os escravizados foram libertos por “compaixão” da Princesa Isabel for alimentada e ensinada na rede pública de ensino, as nossas crianças continuarão envolvidas na ciranda do jogo sujo e capcioso da branquitude normativa que se mantém no poder ha séculos alienando a população brasileira com um projeto de educação pública colonizadora.
O Brasil foi o ultimo país de todos os continentes escravistas a “abolir” a escravidão, sendo o Estado de São Paulo o ultimo Estado do Brasil a “encerrar o processo” e a cidade de Campinas o ultimo município do Estado de São Paulo.
Vemos diuturnamente as entidades sociais e os noticiários explicitando o genocídio periférico de jovens negros colocando-os em um estado de criminalidade para justificar o controle étnico-social que nada mais é do que a manutenção da política higienista do século passado que pensa um Brasil com “as-pirações euronormativas”.
O Brasil foi forjado e moldado pelas mãos dos milhares de africanos que com sua contribuição à formação da sociedade brasileira crivou sua cultura, seus hábitos, seus conhecimentos, experiências, religiosidades e afins, nessa terra que, ainda hoje, insiste na tentativa de apagar essa importante contribuição!
De 1888 a 1988, não vemos a história do negro sendo contada de forma expressiva nos livros didáticos e nem nas universidades nos dando a impressão de que o negro foi extinto durante cem anos da história do Brasil!
Nesse sentido, é importante refletirmos sobre o processo da “abolição da escravatura” no Brasil não apenas pela perspectiva do dia 13 de maio e todo o conjunto de fatores que resultou na assinatura da lei Áurea, mas, sobretudo, é fundamental pensarmos nesse processo a partir do dia 14 de maio, pois é fato que esse foi o dia em que mais de cinco milhões de homens e mulheres negras foram condenados a viver subordinadas a uma República escravista, racista e excludente que inviabilizou a inclusão da população negra nas política pensadas para estruturar o Estado brasileiro.
Tadeu Augusto Matheus (Tadeu Kaçula). Sociólogo formado pela Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP), Mestrando em Mudança Social e Participação Política pela Universidade de São Paulo (USP), coordenador nacional da Nova Frente Negra Brasileira (NFNB), fundador do Instituto Cultural Samba Autêntico e autor do livro Casa Verde, uma pequena África paulistana.
Foto de capa: Andrea Rebouças, Luiz Gama, José do Patrocínio e Joaquim Nabuco.
Principais nomes do abolicionismo brasileiro!
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