Pesquisar
Close this search box.

» Post

Quem é quem no RPG nacional?

Nessa conversa vocês poderão conhecer um pouco mais da trajetória de uma figura importante da cena do RPG nacional. Rafael Cruz, membro do RPG Notícias, coautor do canal ConversAção em parceiria com Nina Bichara, tradutor e uma pessoa muito atenta a vários elementos que dialogam diretamente com o RPG: construção de personagens, cenários, reflexão sobre sistemas, tradução, conhecimento amplo do mercado do RPG. Essa entrevista foi muito importante para a percepção, provocações e proposições para cena do RPG nacional. Espero que vocês gostem desse novo capítulo da nossa série.

 

Dados Críticos – Rafael Cruz, para virar uma pergunta clássica: Como você começou jogando rpg? E quais os jogos você jogava nesse momento.

Rafael Cruz – Vamos lá. Eu comecei jogando RPG na escola, por volta da quinta série, hoje sexto ano. Em algum momento do ano letivo, eu passei a reparar em alguns meninos no fundo da sala que levavam estojos com dados esquisitos, pedaços e papel e, às vezes, alguns livros para o recreio. Comecei a acompanhar o que eles faziam, e ficavam contando histórias. Eu ficava lá, olhando, calado. Um dia desses, um dos meninos faltou e me perguntaram se eu queria assumir o controle do personagem dele. Corta para algum tempo depois, esse tal menino havia parado de jogar (no que eu acredito ser uma represália dos pais sobre “esse tal de RPG do demônio” e eu fiquei oficialmente com o grupo.

Hoje, eu jogo nos streamings do RPGNotícias: 7º Mar, Lenda dos Cinco Anéis, Winter Eternal. E sempre que alguém me convida.

Acervo pessoal

D.C – Quando surge seu interesse por elementos mais amplos em relação ao RPG? Sobre conhecer melhor os cenários, sobre conhecer jogos de RPG que estão em outras línguas…

R.C – Acredito que esse interesse surgiu quando eu aceitei que o RPG, para mim, é como uma filosofia de vida. Um fazer histórias sobre histórias. Pensando desse jeito, eu não posso ficar esperando que elas venham até mim, preciso ir até onde elas estão. E isso passa por buscar novas formas de contar velhas histórias, inventar e reinventar coisas. Pesquisar, mesmo.

D.C – Conta pra gente: porque psicopomp0? Eu acho a história do seu nick muito legal, conta pra galera a justificativa!

R.C – “Psicopompo” começou oficialmente durante a época em que eu trabalhei no Catarse. Como toda boa startup, sempre existem aqueles nomes legais de cargo para você inventar. Eu trabalhava prospectando, orientando e acompanhando projetos. Mas a vocação em si vem de muito antes. A origem do termo remonta a alguma coisa como “guia de almas”. Gosto muito dele pela referência que a cultura egípcia (especialmente seu panteão) tem sobre mim. Sinto que sempre agi de forma a mostrar para as pessoas como elas poderiam obter o melhor de si mesmas. Não fazer a jornada por (ou mesmo com) elas, mas apontar soluções, ligar pontas ditas incomunicáveis. Esse tipo de coisa.

O cargo no Catarse veio em uma época em que eu realmente estava apostando nessa minha fase. Não à toa eu estava cursando Psicologia na faculdade, aliás.

D.C – Outra face da sua trajetória no RPG está na relação com outros elementos da produção de jogos. Você fez parte da equipe do catarse. Explica para nossos leitores o que é o catarse e o que você fazia por lá.

R.C – Eu fiz parte da equipe de projetos do Catarse. Basicamente, mostrava caminhos, atalhos, indicava portas, para que fossem realmente bem-sucedidos. O Catarse é uma plataforma de financiamento coletivo. Em resumo: ele serve para você juntar pessoas para angariar recursos e financiar ideias.

Foi uma época maravilhosa da minha vida, onde eu estive em contato com muitas, muitas pessoas incríveis, que realmente colocam a mão na massa. Meu trabalho era mais focado em literatura, quadrinhos e jogos. Boa parte do meu relacionamento com a cena de RPG nacional veio disso, do contato com suas campanhas.

Bons tempos.

D.C – Outra face que algumas pessoas não conhecem é seu trabalho como tradutor. Como você têm vivido essa experiência de traduzir jogos de RPG? Existem outros trabalhos que você está realizando para além da tradução?

R.C – Tem sido incrível. Mais por oportunidade que necessidade, eu já havia feito traduções leves de artigos para amigos na faculdade. E de livros para meus antigos jogadores de mesa. Hoje eu enxergo como uma real possibilidade de trabalho com algo que eu me interesso muito, que eu gosto muito.

Eu acho que sempre estive olhando para áreas diversas. Se tem um conhecimento que eu levo do meu pai, é que ele sempre me diz que “se eu for bom, eu faço o que eu quiser”, e eu vivo isso. Então eu acabo me aventurando em coisas novas. Recentemente, eu comecei a acompanhar de perto a loja virtual Preteliê, da minha namorada. Parece simples, mas tem sido uma ótima oportunidade para estudar marketing, mídias sociais, relacionamento com clientes, administração, design thinking.

Acervo Pessoal

D.C – O Leandro Pug sempre fala que te conheceu por conta do seu texto poderoso no seu blog “pilula RPG” intitulado “Ah, então seu personagem é negro?”. Um texto que eu sempre tomei como base para minhas reflexões para personagens de RPG e cenários. Como você nota esse debate no meio do RPG? Como você nota a produção de conteúdos sobre RPG tendo a abordagem racial e também interseccionalizando aos debates de gênero?

R.C – Esse texto é algo que me trouxe muitas, muitas coisas boas. É um texto pesado para quem o escreveu, mas acredito que flui de forma tranquila para quem o lê. Acho que, como parte de um movimento maior, mais amplo e já de algum tempo, tem ocorrido um debate sobre questões raciais nos jogos. Se você só acompanhar RPG, parece ser algo mais recente, mas nada mais é que reflexos desses mesmos debates em outras mídias. No RPG temos ícones praticamente intocáveis, histórias consagradas e cenários irremediáveis, que voltam e contam sempre as mesmas histórias. Muda-se o protagonista, muda-se a origem dele, mas permanece a mesma ideia base.

Se você pega jogos que pensam em outras estéticas, para além do homem branco médio salvador de princesas, que potências de história você gera? No mínimo, mais do que aquelas que já existiam, certo? É por aí.

Sinto que pessoas negras têm se voltado, agora mais do que nunca, a “tomar a narrativa pela mão” e dizer que também quer contar a sua história. Que não está mais sendo suficiente ter aquela única personagem responsável por mostrar toda uma cultura. Passa por contos, por textos, por ilustrações de personagens icônicos em séries consagradas de RPG. Passa também por trechos e textos em livros onde os autores e autoras grifam coisas como “personagens podem ter etnias variadas, expressões de gênero e sexualidade diversas, corpos únicos”, e etc. Mesmo em jogos eletrônicos. Isso é ótimo, mas é só o começo.

D.C – Ainda no mesmo tema. Quais a inspirações, nas temáticas de raça, gênero, te estimulam a fazer um debate de forma tão leve como você tem realizado?

R.C – Da cena nacional de RPG, eu gostaria de citar o Thiago Rosa e a Nina Bichara, ambos já entrevistados aqui. Cito também a Eva Andrade, da Aster Editora, e a Hailey Kaas, do Transfeminismo. Jorge Valpaços também é uma ótima inspiração, da Lampião Game Studio. Cada uma dessas pessoas, no que toca às próprias ações e méritos, contribui de alguma forma para disseminação de uma sociedade mais inclusiva. Gera um debate menos acadêmico e mais próximo da vivência real das pessoas, utilizando vivências e conhecimentos, em um leva-e-traz da ficção para a vida fora dela.

D.C – No RPG Notícias você fala muito de jogos de RPG com abordagens incomuns. O que você conta sobre suas investigações em busca de jogos de RPG?

R.C – RPG é o tipo de coisa que me tira do meu fluxo normal da vida e me joga em outro. Em outros. É aquele clichê de viver muitas vidas em uma só, sabe? Eu gosto muito daqueles onde há uma carga emocional forte nas personagens e nos laços delas com outras personagens. Onde as decisões são difíceis. E gosto muito daqueles que me proporcionam outras experiências fora da curva. Minha resenha mais recente foi sobre Threadbare RPG, onde você interpreta um brinquedo, bem estilo Toy Story, em um mundo onde os humanos não existem mais. É sobre perda e reparação.

D.C – E sobre o canal conversAção, esse projeto superlegal junto com a nossa amiga Nina Bichara? O que você conta sobre esse projeto?

R.C – O ConversAção surgiu por acaso. Sabe aquele tipo de coisa que você não sabe que precisa, até ter contato com ela? Bem isso. O projeto é uma forma de pensar e repensar conceitos para aprimorar as narrativas de pessoas que gostam de ler, escrever, jogar e narrar. Temos como pano de fundo o RPG, mas este não é, de longe, um pré-requisito. Qualquer pessoa que ame o contar histórias vai gostar. São streamings semanais na Twitch (com os capítulos sendo lançados posteriormente no YouTube) onde falamos sobre algum assunto do universo das histórias: da criação de personagens mais complexos, formas de narrativas que evoquem um determinado sentimento.

D.C – Aliás, assim como suas reflexões sobre questões raciais, que você leva para o ConversAção, você e Nina puxam conversas sobre RPG numa perspectiva muito legal. De onde vem as inspirações, as provocações para construção de temas transversais tão interessantes ao universo do RPG?

R.C – O ConversAção surge dessa ideia de falar e fazer. Foi um nome, inclusive, que veio num estalo da Nina. Ela, assim como eu, vive de histórias. E assim, vamos pensando formas de recontá-las, origens diversas, potências escondidas. Pode parecer contraditório, mas a produção ‘clássica’ de RPG é bastante conservadora. Costumo dizer que ela possui potencial para subverter normas, mas se concentra em reproduzir preconceitos, mesmo que velados. Partimos daí, dessa tentativa de, junto com a nossa comunidade, subverter alguns alicerces e ajudar as histórias a ganharem vida.

D.C – Ainda sobre o pilula RPG, você escreve super bem sobre elementos diversos… num formato de contos. O que você pode contar sobre esse seu espaço?

R.C – Eu gosto muito de escrever, mas nunca tive a paciência e a disciplina de escrever textos longos. O PílulaRPG, bem como o nome sugere, é (mais) uma tentativa de escrever coisas curtas, que saciem aquela vontade louca que é a escrita. A proposta é de algo mais espaçado, cadente, sobre temas que envolvam negritude e RPG. Com a chegada do ConversAção, ele anda meio parado, já que alguns temas que eu gostaria de abordar por texto estão sendo conversados nos capítulos. Mas ele vai voltar, pode ter certeza.

D.C – Pensando um pouco nas resenhas que você escreve e nas suas reflexões nas suas redes. Quais os jogos você está jogando e quais te estimulam a seguir pensando no RPG como algo tão amplo?

R.C – Existem alguns jogos que me tocaram muito. Bastion, Transistor e Pyre, os três da Super Giant Games, contam com narrativas únicas e lindas, e são excelentes formas de se contar histórias. Jogos como Mass Effect e Dragon Age, ambos da Bioware, com todas as suas complexidades, me levam a pensar em como cada um de nós pode ter diversas possibilidades de narrativas dentro da própria vida. Não tem motivo para pensar diferente no RPG. Pode ser apenas entretenimento, sim, mas pode ser educação e terapia. É um campo crescente, a utilização de jogos lúdicos e interpretativos como ferramentas auxiliares nas escolas e complementares em processos terapêuticos (especialmente em grupos ou crianças).

D.C – E a cena do RPG? Organização de eventos, construção de canais… Como você nota essas faces da nossa cena?

R.C – O RPG nunca foi tão popular e tão público e de tão fácil acesso.

Mas, ainda assim, está muito longe de ser algo de fácil disseminação. Preço dos livros, divulgação de eventos, apoio de órgãos públicos: a gente ainda tem um chão grande pela frente. Além das pessoas que citei anteriormente, existem diversas outras com outros grupos que promovem essa proposta. Jogarta e Dungeon Geek são dois deles, por exemplo. Andam ganhando força e disseminando o hobby. A Ordem do Dado, um canal de RPG com excelente conteúdo que aborda abertamente questões de minorias políticas, especialmente LGBTQ+, é outra incrível proposta para mostrar que RPG é para todo mundo. A criação de grupos mais seguros no facebook, discord e telegram, whatsapp e fóruns diversos são mais passos para que consigamos aos poucos remodelar a cena a ser realmente mais inclusiva e produtiva.

Como eu disse anteriormente, é só o começo.

 

links sobre os trabalhos do Rafa:

Pílula RPG – https://pilularpg.wordpress.com/

ConversAção – https://www.twitch.tv/conversacao

RPG Notícias – http://www.rpgnoticias.com.br/

NOTA

Não deixe de curtir nossas mídias sociais. Fortaleça a mídia negra e periférica

Esta gostando do conteúdo? Compartilhe!

2 respostas

  1. Olá,

    Excelente entrevista, Luciano! Adorei os apontamentos do Rafael. Foram levantados alguns pontos excelentes de reflexão – particularmente, pra mim, a ênfase de que por mais que a cena esteja se movimentando nas questões sociais, ainda é só o começo e há muito chão pela frente.

    Tem sido uma das melhores colunas que tenho acompanhado ao longo dos últimos tempos. Muito boa mesmo!

    Bonanças.

    Atenciosamente,
    Leishmaniose

    1. Ei Leish. Cara, vc não sabe como eu tô feliz com seu comentário. Fico muito feliz em ver que estamos dando [mais] um passo legal.

      Abraço!

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

» Parceiros

» Posts Recentes

Categorias

Você também pode gostar

Anderson Moraes

MC SOFFIA NOS USA

MC Soffia faz sua primeira mini-turnê “A Preta é Chique” nos EUA A rapper brasileira fará apenas três apresentações com

Leia Mais »
plugins premium WordPress

Cadastro realizado com sucesso!

Obrigado pelo seu contato.

Utilizamos seus dados para analisar e personalizar nossos conteúdos e anúncios durante a sua navegação em nossos sites, em serviços de terceiros e parceiros. Ao navegar pelo site, você autoriza o Jornal Empoderado a coletar tais informações e utiliza-las para estas finalidades. Em caso de dúvidas, acesse nossa Política de Privacidade