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REPRESENTATIVIDADE, RACISMO E BONECAS PRETAS : por Najara Gonçalves

REPRESENTATIVIDADE, RACISMO E BONECAS PRETAS
por Najara Gonçalves
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Episódios relacionados à discriminação racial acontecem com frequência nos mais diversos ambientes. É quase uma máxima: onde tem negro, se prepara que lá vem racismo! Todos nós [negros e negras] estamos cansados de saber que vivemos num país que, se por um lado, ainda alimenta muito preconceito em relação ao nosso povo, por outro, tenta nutrir um discurso de democracia que não se sustenta mais, ancorado no mito do mestiço ideal. A verdade é que ainda “é muito difícil definir quem é negro no Brasil”, como já dizia Kabenguelê Munanga, pois entre o SER e o SABER-SE negro, muito mais do que uma questão de cor, nos deparamos com um discurso político, ancorado numa percepção ideológica, que desemboca numa compreensão de quem somos e de como nos identificamos. E aí que tá o “xis” da questão! Um dos piores efeitos do racismo é fazer com que a gente acredite no discurso que ele prega. E é assim que muitos de nós não “se sabem” negros. Não se enxergam negros. Não se sentem. Quando falo isso lembro da minha infância. Ou melhor, lembro das minhas bonecas!
Hoje estava assistindo ao clipe da música BONECAS PRETAS da Larissa Luz e essa lembrança veio à tona. Nunca fui muito fã de brincar com bonecas. Me dava uma gastura ficar falando com uma criatura que não respondia! Aff… Eu que sempre fui faladeira e gostava de respostas longas e explicadinhas. Mas o fato é que eu nunca tive uma boneca preta. Nenhuma! Como a maioria das meninas pretas nascidas nos anos 1980, como eu. Tem gente que ainda acredita ser bobagem essa discussão sobre BONECAS PRETAS, mas veja… Quando era criança, tudo meu era da Xuxa. Caneta da Xuxa, caderno da Xuxa, sapato da Xuxa, bota da Xuxa, roupa da Xuxa… e até o apelido da Xuxa…carregado de preconceito e da minha falta de referência. Na escola, durante um bom tempo no ensino primário, eu fui a “Xuxa-Preta”, porque um belo dia fui à escola vestida como a boneca que carregava nos braços. Ah… mas eu também fui a garota que dançou quadrilha sozinha porque nenhum dos meninos quis ser par: era preta, gorda, usava aparelhos nos dentes e óculos! Ufa! Como disse, ninguém queria dançar. Mas eu quis e dancei só! Ninguém me disse e talvez não tenha pensado nisso naquele momento, mas hoje olho para trás e esse é um fato que me orgulha, porque eu não desisti. Simplesmente fui lá e, como uma boa garota negra que tem sangue de Zeferina e Luiza Mahin, dancei! É óbvio que não pensei nisso naquele momento, mas lembrar desse episódio, em particular, e de outros tantos que já vivi, me faz perceber o quanto faltava de compreensão de mim mesma. A falta de REPRESENTATIVIDADE! Claro que uma criança de oito ou nove anos, sozinha, não vai chegar a essa percepção, daí a importância dos referenciais.
Naquele contexto, vivendo numa cidade do interior da Bahia, que nega a presença negra em suas memórias (aliás, é este o meu objeto de pesquisa hoje!), e criada por uma mãe que enviuvou aos trinta e poucos anos e, sozinha, buscava minimizar os efeitos do racismo sobre os filhos negros (quando era mais evidente, já que, na maioria das vezes se manifestava sutil e levemente, como o bom e original “racismo à brasileira”), perceber-se negra não foi tão imediato. A compreensão da minha negritude se deu aos poucos, a partir da adolescência, quando percebi que minhas amigas começaram a namorar mais cedo, por exemplo. Mas, foi no Ensino Médio que o clarão de luz se abriu e veio das palavras de um professor, que ao contrário dos outros, revelou que o povo negro foi protagonista da sua liberdade e que muitas coisas que os livros didáticos contavam precisavam de uma nova escrita. Hoje lembro disso e a palavra aparece de novo: REPRESENTATIVIDADE. Foi o que o professor fez por mim. Me mostrou que era possível alcançá-la de algum modo.
Hoje, professora de História e mãe de uma menina de sete anos, que tem cabelo black power e personalidade forte, me animo ao ver “bonecas pretas” como Mc Sofia, Larissa Luz, Karol Conka, MC Carol e tantas outras despontando em diversas “vitrines”. As bonecas (aquelas que eu nunca tive) vão além do brinquedo, tão presente na vida de algumas meninas, embora não seja a brincadeira preferida de minha filha. Elas trazem a possibilidade de alcançar a REPRESENTATIVIDADE; de (re)conhecer-se; de identificar-se; de ser representada. Fiquei extremamente feliz quando Nayob (minha filha) me mostrou o Clipe de Minha Rapunzel de Dread, da Mc Sofia, e me disse: Mãe, quero ser uma Rapunzel de dreads!. Logo ela, que se auto-denomina anti-princesa!!! (Isso mesmo, ela diz que é anti-princesa! hahahaha).
Foi assim que eu conheci a Mc Sofia e, de um jeito lindo, minha filha me mostrou o efeito positivo da REPRESENTATIVIDADE sobre o racismo. O resultado disso? Voltei a usar tranças junto com minha filha, uma anti-princesa que quis ser Rapunzel… que se olha no espelho agora e se vê como uma boneca. Não a Xuxa… nem a Xuxa-Preta que eu fui quando tinha a sua idade… Mas uma BONECA PRETA!!!
(Najara Gonçalves – Mãe de uma Boneca Preta que usa as tranças de uma Rapunzel Africana.)

NOTA

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4 respostas

  1. ORGULHO DEFINE MIMHA PROFESSORA QUERIDA ❤️❤️❤️????
    Quando vejo alguma matéria relacionada a preconceito, só me faz lembrar das aulas da Senhora lá no 1 semestre. Suas histórias, seus textos sobre o rasto negro , me ajuda muito , mesmo que hoje a aceitação do BLACK não é 100% preconceituoso, mais ter você na minha vida assim que resolvi me aceitar ( me empoderar mais Ainda ) Me ajuda muito , ver a senhora com tamanha coragem , isso me multiva MUITO . Cada minuto é um aprendizado ao seu lado e me sinto muito orgulhosa por cada conquista na vida da Senhora . Muita paz , saúde pra curtir o sucesso do seu talento ???

    1. Obrigada, meu amor! Ter feito parte da sua vida acadêmica foi um grande presente! Me sinto honrada pelo carinho que me direciona e muito mais por ver como você é um exemplo de empoderamento e força das mulheres de meninas negras. Sigamos juntas!!! Continue visitando o jornal e lendo a coluna. Vem muita coisa boa por aí! Beijo no coração!

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