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Filosofia e matemática: rivais ou complementares?

Sem filosofia e sociologia, a proposta de reforma do ensino médio avançará em suas conquistas.

Arthur Bezerra nos traz uma crítica fundamental à retirada das disciplinas da grade do ensino médio e demonstra que os argumentos que embasam a pesquisa lançada pelo IPEA são falhos. Embora se coloque como ciência, presumidamente isenta, a pesquisa parece esconder uma posição política determinada.

Arthur Bezerra é pesquisador do Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia, doutor em sociologia pela UFRJ e participante do grupo de pesquisas Perfil-i (Perspectivas filosóficas em informação).

 

Por Arthur Bezerra 

Desde a Antiguidade, as ciências da natureza e do homem dialogam. Aristóteles estabeleceu a lógica como disciplina na Grécia Antiga. Descartes desenvolveu a geometria analítica. Leibniz concebeu o algoritmo e chegou ao cálculo infinitesimal ao mesmo tempo que Newton, cujas noções de tempo e espaço foram fundamentais para a construção da teoria do conhecimento de Kant. A filosofia indiana conta com uma presença da matemática talvez ainda maior.

A separação epistemológica entre campos de conhecimento “humanos” e “exatos” é em grande medida uma invenção moderna. Nesse primeiro sentido fundamental, parece estranho imaginar que o ensino de filosofia prejudica o aprendizado da matemática. Entretanto, é esta a conclusão apontada por uma pesquisa do IPEA, de título “Efeitos da inserção das disciplinas de filosofia e sociologia no ensino médio sobre o desempenho escolar”, noticiada (antes mesmo de ter seus resultados divulgados) com a seguinte manchete no jornal A Folha: “Filosofia e sociologia obrigatórias derrubam notas em matemática”.

A correlação que o estudo tenta impor é atípica – não há um histórico de pesquisas que demonstrem que estudar uma coisa atrapalha o ensino da outra – e contém certa dose de má fé, levando à conclusão de que o tempo que se “perde” estudando ciências humanas poderia ser melhor “investido” no estudo das exatas.

O estudo do IPEA foi baseado em resultados do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), um exame de caráter voluntário. Além de ser possível que todos os alunos de uma escola se inscrevam e ser igualmente possível que ninguém em uma escola se inscreva, é permitido que um estudante faça o exame muitos anos depois de formado no ensino médio. A pesquisa se baseia em dados de 2009 e 2012, numa tentativa de comparar o desempenho antes e depois da lei de 2008 que tornou obrigatória a inclusão das disciplinas de filosofia e sociologia em todas as séries do ensino médio. Cabe destacar que essas disciplinas já eram oferecidas em algumas escolas antes de se tornarem obrigatórias, como também cabe informar (e o estudo faz isso) que nem todas as escolas implementaram a lei e nem todas as que o fizeram estenderam-na para todas as turmas. Ou seja: não há como avaliar se os alunos cujo desempenho no Enem foi avaliado pela pesquisa tiveram, de fato, aulas de sociologia e filosofia.

Os anos escolhidos pelos pesquisadores foram marcados por significativas mudanças no Enem: até 2008, o exame era composto por uma prova clássica com 63 questões interdisciplinares, sem articulação direta com os conteúdos ministrados no ensino médio. Em 2009, o novo exame passa a ser composto por perguntas objetivas em quatro áreas do conhecimento (linguagens, incluindo redação; ciências humanas; ciências da natureza e matemáticas). E em 2012, o MEC decidiu criar “filtros mais precisos para avaliar” a redação (segundo o então ministro Mercadante), o que sugere um maior rigor na correção. No entanto, a queda no desempenho da redação de 2012 comparado a 2009, no estudo do IPEA, aparece como um efeito negativo da inserção de filosofia e sociologia no currículo escolar.

Há diversos outros fatores que podem ser elencados para desqualificar as conclusões do estudo – e talvez o mais forte deles seja o apresentado no próprio texto da pesquisa do IPEA, que afirma: “estudos mostram que as condições familiares e sociais, ou seja, extraescolares, tendem a responder por uma parcela muito mais significativa da aprendizagem – cerca de 80% a 90% para países desenvolvidos e de 70% para países em desenvolvimento – do que os fatores intraescolares”.

Por fim, há um elemento contextual muito importante que ajuda a entender o resultado da pesquisa, e disciplinas como a filosofia e a sociologia, especialmente as correntes ligadas ao pensamento crítico, possuem o condão de provocar a dúvida e o questionamento. Trata-se, aqui, de desvelar os interesses por trás da divulgação da pesquisa – cujos resultados, conforme já foi dito, foram alardeados em um jornal de grande circulação antes mesmo de suas conclusões serem divulgadas oficialmente, impedindo que avaliações críticas ao corpus da pesquisa pudessem ser feitas.

O estudo é assinado por dois pesquisadores do IPEA, Thais Waideman Niquito e Adolfo Sachsida. Sachsida tem um canal no YouTube no qual defende a Reforma do Ensino Médio e o projeto Escola sem Partido. Em seus vídeos, também garante que Hitler era de esquerda (demonstrando a falta que faz o estudo de sociologia). Em uma democracia com liberdade de expressão, não há problemas em um pesquisador ter suas convicções políticas. No entanto, Adolfo – não o Hitler, mas o seu xará, Sachsida – vem sendo apontado como possível conselheiro econômico do candidato à presidência Jair Bolsonaro (que parece simpatizar com Adolfos).

Além de todos os fatores mencionados em relação à pesquisa, o alinhamento de seus discutíveis resultados com a atuação política de quem os afirma é, no mínimo, um dado relevante. É preciso questionar uma afirmação que quer se passar como técnica e científica, mas que se mostra entremeada de interesses políticos e econômicos (taí a Kroton capitaneando o mercado de empresas educacionais de capital aberto no Brasil). Desmascarar tais componentes é tarefa do pensamento crítico, de matriz filosófica e sociológica, justamente o que a Reforma do Ensino Médio quer extinguir da educação pública brasileira.

Arthur Bezerra

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