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Dia 18 de outubro ocorreu no SESC 24 de maio a primeira apresentação da Corpórea Companhia de Corpos. Foi uma estreia grande, com autoridade, ou seja, literalmente de corpo e alma.

O público de quase 250 pessoas que ali estavam saíram satisfeitos e foram tocados pela apresentação forte e madura de atores e atrizes competentes em uma obra muito bem encenada.

Foi mostrado que um tema tão sério, como encarceramento em massa feminino, deve ser tratado desta forma que foi: sério e sólido.

Em ótimo compasso, a trilha sonora e a iluminação deram juntamente ao clima de ambiente prisional como pano de fundo da apresentação.

O JE bateu um papo com o simpático William Simplício, o fundador da cia, preparador de corpo cênico e provocador do espetáculo.

JE:  Como surgiu à ideia de criação da Corpórea Companhia de Corpos?

William Simplício: A companhia parte de um desejo antigo entre Verônica Santos (Bailarina) e eu William Simplício (Ator), de trabalharmos juntos. A cerca de mais ou menos três anos, nós tentamos com outros parceiros falar da nossa memória ancestral, num projeto chamado de Obramemória (Projeto de Veronica Santos e Melvin Santhana), onde contaríamos nossas trajetórias através de nossas ancestralidades, mas não tivemos sucesso.

Escrevemos esse trabalho para o edital do Proac – Primeiras Obras – e não conseguimos ser contemplados, mas ainda resistimos mais ou menos um ano, tentando falar dos nossos incômodos, através de outras pesquisas.  A intenção de sermos um grupo acabou ficando só entre nós dois, onde montamos um trabalho chamado “Arrastados”, trabalho em que falamos da abordagem da polícia brasileira aos corpos negros.

Falamos da forma fria e calculista de como a instituição da Polícia Militar aborda esse corpo na rua, criminaliza e decide matar ou não. Tínhamos como exemplo o assassinato da auxiliar de limpeza Claudia Silva Ferreira, de Madureira/RJ. Fazíamos a crítica a esse Estado que aborda e executa, ao policial que mata e a quem silencia através do esquecimento, ou seja, todos nós.

Apresentamos três vezes esse trabalho e paramos em seguida por termos outros afazeres. Enfim… Desfizemos a dupla do que sobrou do grupo e seguimos para nossas vidas artísticas paralelas. No começo do ano passado, a Verônica me procurou dizendo querer montar um trabalho solo e queria que eu fizesse a preparação do corpo cênico, direção e a dramaturgia do trabalho.

Eu concordei em fazer a preparação e propus fazer uma provocação durante o processo e que ela mesma dirigisse.  Ela topou e durante 2016 estudamos sobre o tema e a forma artística que iríamos usar enquanto prática e linguagem.

Decidimos que assim que fôssemos para a sala levantaríamos de uma vez, já que era um solo. No meio do processo ela decidiu chamar a artista Dandara Gomes para compor a cena. Depois, ela decidiu chamar a bailarina Malu Avelar para que o trabalho pudesse expandir para outros corpos-horizontes, já que ela, a Verônica, tinha sua grande experiência em dança e andava se enveredando pelo teatro.

Então, queria somar isso a minha experiência de teatro, literatura e música. Daí tentamos novamente nesse ano o edital Proac e, mais uma vez, não tivemos sucesso. Só que tínhamos uma diferença: o trabalho já vinha sendo levantado.

Começamos levantar nosso trabalho e numa de nossas conversas decidimos, Malu Avelar, Verônica Santos e eu pensarmos numa companhia que fosse nossa, já que tínhamos tantas afinidades e desejos de pesquisarmos juntos outras formas do fazer artísticos.

JE:  Como se deu o processo de pesquisa para está produção?

WS: Decidimos evidenciar o protagonismo do corpo negro dentro das estruturas sociais. Quando falamos desse protagonismo estamos dizendo que a nossa pesquisa são esses corpos em ação.

Sabemos que na estrutura social brasileira pouco se vê pessoas de peles negras ocupando altos cargos desde as artes até a construção civil, então, entendemos que quebrar essa estrutura vai um pouco mais além de ocuparmos os lugares que dizem não nos pertencer.

Assim, entendemos que, para essas estruturas serem quebradas, deveríamos evidenciar esses corpos numa estrutura que chamamos de “protagonismo”, corpos que constroem e são invisibilizados pela desvalorização da cor da pele associada ao campo de trabalho.

Precisamos nos reconhecer protagonistas nos lugares que ocupamos, mas não estamos propondo uma passividade nem uma aceitação da desvalorização dos nossos corpos e das nossas mãos em obras. Queremos entender o que diferencia o protagonismo entre um médico e um operário? Se não o corpo negro, o gênero ou seria a classe social que ocupamos? Talvez, esteja aí uma chave para entendermos o que é de fato um protagonismo.

JE:  E da obra “Rés”?

WS: A obra espetáculo “Rés” tem como temática principal o universo do encarceramento feminino e a vulnerabilidade desse corpo no Brasil.

Diante deste contexto, o espetáculo propõe uma análise artística e poética através de uma produção em dança sobre as estatísticas que envolvem o sistema de encarceramento em massa. Propondo uma importante reflexão através da dança. A Corpórea convida o público a conhecer um trabalho que evidencia o protagonismo negro nas estruturas do cotidiano.

JE:  Como pretendem causar estas reflexões e incômodos?

WS: Retratar e discutir sobre o encarceramento em massa já gera um incômodo social, por se tratar de um assunto que automaticamente remete ao racismo, gênero e classe.

A sociedade brasileira possui em seu esqueleto a reprodução do colonialismo, que contribui com a moralização, condenação de corpos negros ou de qualquer outro gênero que não seja o masculino, onde a classe mais baixa fica não só na margem da sociedade, mas também são marginalizadas e anuladas do contexto social.

Sendo assim, o assunto em si já é algo que gera desconforto, reflexão e discussão.

JE: De que forma a companhia estimula a reflexão sobre o encarceramento de mulheres negras no público?

WS: Principalmente, no caso desse trabalho, onde o ponto de partida é a imersão sobre o cárcere feminino, onde o número de mulheres negras brasileiras presas é assustador, tendo em vista que o que mais nos assusta e nos estimula a criar uma denúncia artística é perceber que os nossos corpos que circulam dentro desse território social é totalmente vulnerável.

Tão quão o de todas essas mulheres que vivenciam o cárcere. Perceber que o nosso corpo também é sujeito a diversos tipos de aprisionamento constantes apenas por sermos mulheres negras.

Vivendo em um mundo onde a comunicação tecnológica é prática e limita os contatos físicos e sensíveis, temos nessa obra o corpo-negro, corpo-feminino, corpo-vulnerável, o corpo como a principal fonte de contato, diálogo e comunicação.

JE:  O que é ser “provocador” e “preparador de corpos”?

WS: Ao perceber que o nosso corpo também é sujeito a diversos tipos de aprisionamento constantes,  apenas por sermos negros.

A provocação já está dada em qualquer processo que coloque a nossa vulnerabilidade social em cheque. Partindo desse ponto de vista, provocar e preparar um corpo negro para a cena é entendermos juntos as sensações que esse corpo é submetido a cada experiência social cotidiana, vivida por ele mesmo.

Pessoalmente, como provocador, gosto mais de confundir a escolha das intérpretes do que apontar uma ou explicar outra. E, nesse caso, a preparação brota de forma natural, porque acredito que nossos corpos sabem das suas histórias e de como elas querem ser contadas.

JE: Por que o Sesc 24 de maio?

WS: A “Rés” participou do II Encontro Mulheres Negras na Dança, realizado no CRD(Centro de Referência a Dança) e idealizado pela Nave Gris Cia. Cênica.

Nesse encontro recebemos o convite para fazermos uma apresentação. Fomos convidados pela Bárbara Esmenia, uma das programadoras dos Sesc 24 de maio. Através desse convite estreamos nossa primeira de uma trilogia no Sesc 24 de maio .

JE: Fale sobre o Uribe Teófilo?

WS: Uribe Teófilo é representante da UTPA, produtora responsável pelos espetáculos, relações institucionais, corporativas, imprensa e execução dos espetáculos da Corpórea.

A UTPA conta com um time de profissionais que atendem e suportam a Corpórea, para que o artista possa ser a arte.

JE: Todas as obras serão musicais?

WS: Nós temos a música como um dos nossos pontos de investigação sobre o tempo rítmico da movimentação dos nossos corpos.

Ainda não sabemos se todas as obras serão musicais,  mas a música é uma deusa que habitará as nossas pesquisas, sem sombra de duvida.

JE:  Quais as datas de novas apresentações e serão ainda no Sesc?

WS: Temos algumas datas ainda a confirmar para o mês de novembro, mas ainda não são no SESC.

O espetáculo

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 “A Corpórea Companhia de Corpos tem como objetivo evidenciar corpos negros em ações cotidianas”.

“Sentimos a necessidade de contextualizar as nossas referências estéticas, poéticas e políticas entrelaçadas nesse corpo que se faz urgente e indispensável”.

(Equipe)

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Ficha técnica do espetáculo:

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O público saiu satisfeito com a obra

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NOTA

Não deixe de curtir nossas mídias sociais. Fortaleça a mídia negra e periférica

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2 respostas

  1. Nossas próximas apresentações: Funate SP dias 02 & 03 de Novembro de 2017
    Quinta e sexta, às 19h30.
    Ingressos: R$ 10 (meia-entrada: R$ 5) – Cartões não são aceitos
    Entrada gratuita para moradores do bairro de Santa Cecília
    A bilheteria abre uma hora antes do espetáculo.
    Duração: 50 minutos. Classificação etária: 12 anos.
    “Rés”, nossa obra, integra o projeto Negritudes Convergentes: danças independentes, da Companhia Sansacroma que começa no dia 1º de novembro, quarta-feira. A companhia foi contemplada no Edital de Ocupação da Sala Renée Gumiel 2017 e segue em temporada no Complexo Cultural Funarte SP até o dia 26 de novembro.

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