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Aranha, suas certezas e algumas reflexões

Por Luciano Jorge de Jesus

 Garrincha da Fiel (1)

No dia 28 de agosto de 2015 o goleiro Aranha se viu envolvido em mais um caso de racismo. Nessa oportunidade ocorrida na Arena do Grêmio, em um jogo pela copa do Brasil. Para as pessoas que não se lembram, Aranha, então goleiro do Santos, foi ofendido por torcedores e torcedoras do grêmio. O goleiro pediu a intervenção da arbitragem, avisou que estava sendo chamado de macaco, que faziam som de macaco, mas a intervenção do juiz foi a mesma de sempre: segue o jogo.

Aranha retornou em várias oportunidades à Porto Alegre e a recepção é sempre a mesma: o jogador sempre é culpado, hostilizado por se posicionar contra algo que o tocou, como toca grande parcela da população brasileira. O goleiro, que no que tange as questões raciais, possui um posicionamento muito interessante e uma leitura sobre as questões raciais que nos ajuda a pensar no racismo no espaço do futebol. No ultimo fim de semana, após a derrota para o grêmio o goleiro do Aranha deu uma declaração muito interessante, apesar do destaque para um trecho a rápida entrevista deixou alguns pontos importantes sobre o racismo em nosso país. Nas palavras do jogador[1]:

“[…] principalmente quando eu volto aqui, eu procuro não estar olhando para a arquibancada, sabe? Eu evito ao máximo, não dá o tempo todo, uma hora você acaba olhando… Eu evito olhar para a arquibancada, porque cada vez que eu olho pra arquibancada eu vejo o ódio… na cara da pessoa. Ódio sabe? Tenho certeza que… eu sou o errado sabe? Que aqui e assim que funciona sabe? […]”

A grande imprensa esportiva, parece ter deixado esse trecho de lado, para destacar, somente o seguinte trecho da mesma entrevista:

“[…] Ah, aqui [no sul do país] principalmente… Mas, normalmente na região sul do país é sempre assim. É sempre assim. Já aconteceu vários episódios comigo em vários estádios […]”

Nesse mesmo jogo, um torcedor levou uma placa com um pedido de desculpas ao goleiro, mas o foco foi justamente na narrativa, colando o cartaz a um suposto desinteresse do jogador com o movimento solidário de um torcedor. Nas redes sociais, nos espaços de conversas virtuais, a condenação é em relação ao posicionamento do jogador e não as vaias direcionadas, ou ao pensamento meramente esportivizado de parte da torcida gremista e dos dirigentes gremistas. Isso revela a forma como o racismo brasileiro é amplamente enraizado, difícil de ser notado, afinal, nos parece mais fácil dizer apontar o dedo para o outro, como fez a torcida grêmio antifascista[2]:

“[…] não é por sermos gaúchos que somos todos racistas ou concordamos com o episódio lamentável de racismo que Aranha sofreu. […]”

No momento seguinte a torcida aponta para algo que me parece mais importante nesse texto:

“[…] Mas entendemos também que o Rio Grande do Sul por seu bairrismo, tradicionalismo e cultura é, de fato, ainda muito racista em sua identidade.”

Esse é o ponto que me interessa. Nosso país construiu todas as suas relações sociais, econômicas, políticas e históricas na estrutura racista brasileira. E dessa, deveríamos ter a mínima noção, ninguém escapa. Não somos uma ilha de não racistas cercados por racistas malvados. O episódio ocorrido com Aranha expressa como somos racistas, como nos parece muito mais importante culpar a vítima, colocar um ponto final no ocorrido. Vejam a declaração do cartola gremista[3]:

“(Estou) Decepcionado. Aquilo marcou profundamente o Grêmio. Mas aqui passou, morreu. Já pagamos caro e injustamente, injustamente, de modo coletivo para situação individual. Outros fatos posteriores não tiveram mesma repercussão e consequências. Mas da memória do torcedor não é possível apagar o fato. O torcedor também se dói pelo clube, tanto ou mais que o dirigente. Apagar da memória não dá, aquilo foi uma encenação. E teve clamor público de tal ordem que houve condenação. O Grêmio trata o assunto por encerrado há tempos, não entendemos que foi uma decisão justa, foi injusta. Mas no jogo, quando o Aranha fala isso, revive isso. O Grêmio não fez referência alguma, mas ao falar isso mantém a situação. E com rejeição para jogar aqui. Espero que esse assunto passe, vá embora. Mas o torcedor não esqueceu a injustiça”

Vejam, não há, do ponto de vista institucional uma preocupação com o que o goleiro aponta, pelo contrário, ele acaba sendo culpabilizado pela reação da “turba” (colocar nesses termos é muito perigoso, pois tende a esconder a forma como nossas relações são aprendidas e ensinadas) e o dirigente se preocupa muito mais com a “imagem” do seu clube (e é nesse momento que alguém recorre ao token de Lupicínio Rodrigues, Tinga, Ronaldinho Gaúcho para defender o clube… Assim como outros clubes o fazem), ou seja, ignoramos a luta contra o racismo, a forma como as ofensas tocam pretos e pretas em nome da normalidade. Dirigentes, torcidas, mídia, repensar a forma como o racismo se estrutura, mas isso não me parece deslocado da realidade brasileira, ou seja, precisamos avançar como sociedade.

Em relação aos gaúchos, fico pensando na memória. Espero que vocês conheçam Oliveira Silveira, poeta gaúcho que foi um importante nome do movimento negro brasileiro, um dos militantes que ajudaram a pensar na consciência negra (e em todo seu desdobramento), na luta pela igualdade de pretos e pretas. Se acham que Aranha se generalizou leiam o poema e vejam se a provocação do jogador é meramente um “exagero”:

OBRIGADO, MINHA TERRA

(Oliveira Silveira)

Obrigado rios de São Pedro

pelo peso da água em meu remo.

Feitorias do linho-cânhamo

obrigado pelos lanhos.

Obrigado loiro trigo

pelo contraste comigo.

Obrigado lavoura

pelas vergas no meu couro.

Obrigado charqueadas

por minhas feridas salgadas.

Te agradeço Rio Grande

o doce e o amargo

pelos quais te fiz meu pago

e as fronteiras fraternas

por onde busquei outras terras.

Agradeço teu peso em meus ombros

músculos braços e lombo.

Por ser linha de frente no perigo

lanceando teus inimigos.

Muito obrigado pelo ditado

“negro em posição é encrenca no galpão”.

Obrigado pelo preconceito

com que até hoje me aceitas.

Muito obrigado pela cor do emprego

que não me dás porque sou negro.

E pelo torto direito

de te nomear pelos defeitos.

Tens o lado bom também

– terra natal sempre tem.

Agradeço de todo o coração

e sem nenhum perdão.

(Pêlo escuro, 1977)

[1] Declaração dada após o jogo contra o grêmio e captada pelo canal fox sports.

[2] Vale a pena uma conferida no posicionamento na página da torcida grêmio antifascista:

https://www.facebook.com/gremioantifascista/photos/a.1565649327027665.1073741828.1478007915791807/1944554082470519/?type=3&theater

[3] entrevista presente no site do uol: https://esporte.uol.com.br/futebol/campeonatos/brasileiro/serie-a/ultimas-noticias/2017/07/16/presidente-do-gremio-critica-aranha-para-reviver-episodio-na-arena.htm

NOTA

Não deixe de curtir nossas mídias sociais. Fortaleça a mídia negra e periférica

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